08/12/2025

SOBRE A ATUAL POLÍTICA EXTERNA DO TIO SAM

 

Os donos do mundo, por Antônio José Botelho, em 7 de dezembro de 2025

Assisti, recentemente, uma série da Netflix intitulada os donos do jogo. Então, veio a ideia de fazer essa reflexão comparando situações. A série conta uma história fictícia a partir de dados da realidade. A história se passa na cidade maravilhosa enredada por disputas de poder em territórios esgotados por criminalidade. O enredo mostra a ambição onde a busca pelo poder é o principal ingrediente. Os atores fazem parte de uma família de contraventores do estado alimentados pela traição para a conquista de novos territórios e negócios consequentes. As famílias consanguíneas valem menos do que os arranjos de líderes do crime. E isso tudo com dinheiro a rodo sobre a miséria e a pobreza das comunidades. Daí até os donos do mundo é um pulo!

Sabemos que as civilizações são moldadas com tecnologia e cultura, que perfazem uma simbiose econômica sinergicamente positiva de hegemonia, supostamente. A estrutura política é mantida com armas, utilizadas em guerras produzidas por direito e em benefício próprios. A ideia é a expansão e mantença de territórios para que rezem o mesmo terço, o mesmo mantra. No caso, o que predomina na era moderna é a devoção ao capital, via competição e consumo, consubstanciando a economia. A outra face da moeda, chancela a ordem politicamente aceita. O que desviar desse padrão deve ser corrigido e atualizado.

Nesse jogo temos agentes expansionistas, que avançam nas disputas territoriais, e não-expansionistas ou neutros, que obedecem a soberania das nacionalidades que compõem o tabuleiro mundial. Quero focar os audazes, que impõe as ordens políticas e econômicas às republiquetas mais frágeis, ou seja, que possuem menos tecnologia, uma cultura incipiente e armas de menos. É importante vocês irem focando um comparativo entre os donos do mundo e os donos do jogo carioca, da série fictícia. Destaco que o jogo entre países é “real” – entre parênteses porque a Verdade é de outra dimensão.

Gostaria de explorar dois exemplos; um do século passado, outro atual, os quais serão emoldurados numa determinada estratégia imperial. O do século passado é a invasão e tomada do Tibet pelos chineses, que hoje segue aceita pela comunidade internacional, apesar da resistência fraterna do Dalai Lama. A grande motivação sino, sem dúvida, foi o acesso às riquezas naturais tibetanas, uma nação de viés compassivo, sob o argumento de que outrora o território era chinês. Portanto, a intencionalidade é econômica. A atual é a invasão russa ao território ucraniano, com base no pretexto de defesa de suas fronteiras, hipoteticamente ameaçado com a possibilidade de adesão da Ucrânia à Otan, tratado pós-guerra que organizou a geopolítica resultante dos horrores e monstruosidades do nazismo, neutralizando-as. Assim, a intenção é política. Há outras citações possíveis, pois o cenário global é efervescente em crueldades políticas-econômicas. Porém, esses dois bastam para ilustrar a ameaça que paira sob as republiquetas das Américas.

Isto posto, chegamos ao corolário estadunidense à doutrina do tio Sam para a banda de cá. Com o seu arsenal de guerra já estabelecido no Caribe, para alinhar o nacionalismo bolivariano, justificado pela existência do tráfico de narcóticos, nada impede que o Gerald Ford seja transferido para a baía da Guanabara. Lembremos que a Venezuela é dona de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Os extremistas da ultradireita pátrios ficam igual a pinto n’água com esse cenário desastroso. Vejam aí a convergência das encrencas: do jogo do bicho com o jogo global pela hegemonia político-econômica dos territórios. O respeito à soberania dos povos deveria ser observado, sendo louvável a ajuda educadora, via programas de erradicação pacíficos, ainda que de difícil eficácia. Todavia, não faz diferença, pois a motivação é a ambição ao poder. Ainda que o presidente pátrio-mátrio tenha si antecipado com uma proposta de ação conjunta contra o crime organizado, nada impede a mudança do humor do xerife do planeta, que se autocondecorou com uma medalha de promotor da paz de ordem futebolística. De fato, o esporte aponta para a fraternidade, mas... Lembrem-se que o chefe estadunidense anunciou o propósito de anexar a Groelândia ao território do Tio Sam; que audácia!

É sabido que a abordagem progressista mátria-pátria segue cautelosa em função da presença conservadora formadora do país. Tanto que duas cartas foram necessárias para acalmar os ânimos das elites em 2001 e 2019. Assim sendo, o ímpeto continua fervente, basta ver as estratégias politiqueiras dos inconformados com a proximidade da finalização do processo legal, que culminou com a prisão dos que intentaram contra a ordem democrática estabelecida. Mesmo sendo a ordem progressista cumpridora dos deveres constitucionais, nada é permitido para além da segurança dos rentistas, por exemplo. Seus direitos são restritos e as rédeas são sempre curtas. Por exemplo, a simples taxação dos super ricos numa dimensão mais justa, frente à base da pirâmide, é tomada como coisa de outro mundo.

Destarte, o corolário-doutrina estadunidense de política externa do tio Sam constitui outro fantasma para a soberania das republiquetas americanas, assim como o ameaça do “comunismo” – entre aspas porque seu conceito é equivocadamente utilizado – foi durante a guerra fria, que esquentou a política do período histórico após o encerramento da segunda guerra. Ou seja, a moldura civilizatória, tanto ocidental quanto oriental, quer sob a orientação cristiana ou confuciana, segue o rito do capital, sob as batutas da tecnologia, da cultura e das armas. Aqui, é importante fixar uma convergência vergonhosa entre a lógica dos donos do mundo e dos donos do jogo: é que a maioria dos países periféricos continuam em busca do mito do desenvolvimento, assim como as periferias de suas cidades seguem mergulhadas na miséria e pobreza, sem saneamento básico pleno, sem segurança completa, sem saúde adequada e sem escolas continuadas. Então, a suposta sinergia positiva, da dimensão econômica, é, de fato, relativa. O destempero segue inarredável mesmo com as palavras de fé e de irmandade dos líderes espirituais; no momento, tenho percebido, especialmente, a preocupação do Santo Padre. Os países modernos guerreiam quais as tribos na Idade da Pedra; agora com aparatos mortíferos de amplo espectro. Por certo, a China já ameaça este status quo se transformando no maior laboratório do planeta, depois de ser reconhecida como a sua fábrica. A experiência histórica que tem viabilizado confrontar a hegemonia unipolar é a do capitalismo nacional-desenvolvimentista. Além disso, e por conta disso, avança com uma poderosa condição armamentista, cuja corrida correlata relativiza igualmente a dimensão política. Quiçá, oxalá o Brasil sente no conselho de segurança da ONU sem bomba atômica. Quem sabe o paradigma não se transmuta?

Não obstante, como tudo em manifestação no mundo dos fenômenos relativos, transitórios, impermanentes e efêmeros, esta estrutura, de uma forma ou de outra, vai ruir como ruíram outras civilizações que existiram na face da Terra, mesmo que com a resistência dos conservadores. O ideal humanitário haverá de se oxigenar promovendo maiores e melhores conquistas para todos os seres humanos, como já consolidadas as relativas à superação da escravidão e de emancipação da mulher. Agora, persiste o desafio de nivelar igualdades sociais, em termos de oportunidades, junto com o estabelecimento da ética sustentável, ainda carente de plena concordância e de acordos factíveis. Neste sentido, o desafio é enorme, exigindo muito trabalho e boa vontade. O esforço expansionista dos donos do mundo bem que poderia ceder lugar e recursos para as exigências de sobrevida em equilíbrio das nações e da natureza.

Nota: apesar de determinada consciência mundano-secular, que aponta para o coletivo, e mesmo, no limite, para a humanidade, o autor segue buscando revelar o autoconhecimento, já disponível, quando, então, poderá viver livre de qualquer padrão de comportamento e/ou redes de condicionamentos, que limitam e encapsulam a consciência individual aquém da plenitude e infinitude.

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