Os donos do mundo, por Antônio José Botelho,
em 7 de dezembro de 2025
Assisti,
recentemente, uma série da Netflix intitulada os donos do jogo. Então, veio a
ideia de fazer essa reflexão comparando situações. A série conta uma história
fictícia a partir de dados da realidade. A história se passa na cidade
maravilhosa enredada por disputas de poder em territórios esgotados por
criminalidade. O enredo mostra a ambição onde a busca pelo poder é o principal
ingrediente. Os atores fazem parte de uma família de contraventores do estado
alimentados pela traição para a conquista de novos territórios e negócios
consequentes. As famílias consanguíneas valem menos do que os arranjos de
líderes do crime. E isso tudo com dinheiro a rodo sobre a miséria e a pobreza
das comunidades. Daí até os donos do mundo é um pulo!
Sabemos
que as civilizações são moldadas com tecnologia e cultura, que perfazem uma
simbiose econômica sinergicamente positiva de hegemonia, supostamente. A estrutura política é
mantida com armas, utilizadas em guerras produzidas por direito e em benefício próprios.
A ideia é a expansão e mantença de territórios para que rezem o mesmo terço, o mesmo
mantra. No caso, o que predomina na era moderna é a devoção ao capital, via
competição e consumo, consubstanciando a economia. A outra face da moeda,
chancela a ordem politicamente aceita. O que desviar desse padrão deve ser
corrigido e atualizado.
Nesse
jogo temos agentes expansionistas, que avançam nas disputas territoriais, e não-expansionistas
ou neutros, que obedecem a soberania das nacionalidades que compõem o tabuleiro
mundial. Quero focar os audazes, que impõe as ordens políticas e econômicas às
republiquetas mais frágeis, ou seja, que possuem menos tecnologia, uma cultura
incipiente e armas de menos. É importante vocês irem focando um comparativo
entre os donos do mundo e os donos do jogo carioca, da série fictícia. Destaco
que o jogo entre países é “real” – entre parênteses porque a Verdade é de outra
dimensão.
Gostaria
de explorar dois exemplos; um do século passado, outro atual, os quais serão
emoldurados numa determinada estratégia imperial. O do século passado é a
invasão e tomada do Tibet pelos chineses, que hoje segue aceita pela comunidade
internacional, apesar da resistência fraterna do Dalai Lama. A grande motivação
sino, sem dúvida, foi o acesso às riquezas naturais tibetanas, uma nação de
viés compassivo, sob o argumento de que outrora o território era chinês.
Portanto, a intencionalidade é econômica. A atual é a invasão russa ao
território ucraniano, com base no pretexto de defesa de suas fronteiras,
hipoteticamente ameaçado com a possibilidade de adesão da Ucrânia à Otan, tratado pós-guerra que
organizou a geopolítica resultante dos horrores e monstruosidades do nazismo,
neutralizando-as. Assim, a intenção é política. Há outras citações possíveis,
pois o cenário global é efervescente em crueldades políticas-econômicas. Porém,
esses dois bastam para ilustrar a ameaça que paira sob as republiquetas das
Américas.
Isto
posto, chegamos ao corolário estadunidense à doutrina do tio Sam para a banda
de cá. Com o seu arsenal de guerra já estabelecido no Caribe, para alinhar o
nacionalismo bolivariano, justificado pela existência do tráfico de narcóticos,
nada impede que o Gerald Ford seja transferido para a baía da Guanabara. Lembremos que a Venezuela é dona de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Os
extremistas da ultradireita pátrios ficam igual a pinto n’água com esse cenário
desastroso. Vejam aí a convergência das encrencas: do jogo do bicho com o jogo global
pela hegemonia político-econômica dos territórios. O respeito à soberania dos
povos deveria ser observado, sendo louvável a ajuda educadora, via programas de
erradicação pacíficos, ainda que de difícil eficácia. Todavia, não faz
diferença, pois a motivação é a ambição ao poder. Ainda que o presidente
pátrio-mátrio tenha si antecipado com uma proposta de ação conjunta contra o
crime organizado, nada impede a mudança do humor do xerife do planeta, que se autocondecorou
com uma medalha de promotor da paz de ordem futebolística. De fato, o esporte
aponta para a fraternidade, mas... Lembrem-se que o chefe estadunidense
anunciou o propósito de anexar a Groelândia ao território do Tio Sam; que
audácia!
É
sabido que a abordagem progressista mátria-pátria segue cautelosa em função da
presença conservadora formadora do país. Tanto que duas cartas foram
necessárias para acalmar os ânimos das elites em 2001 e 2019. Assim sendo, o
ímpeto continua fervente, basta ver as estratégias politiqueiras dos
inconformados com a proximidade da finalização do processo legal, que culminou
com a prisão dos que intentaram contra a ordem democrática estabelecida. Mesmo
sendo a ordem progressista cumpridora dos deveres constitucionais, nada é
permitido para além da segurança dos rentistas, por exemplo. Seus direitos são
restritos e as rédeas são sempre curtas. Por exemplo, a simples taxação dos
super ricos numa dimensão mais justa, frente à base da pirâmide, é tomada como
coisa de outro mundo.
Destarte,
o corolário-doutrina estadunidense de política externa do tio Sam constitui
outro fantasma para a soberania das republiquetas americanas, assim como o
ameaça do “comunismo” – entre aspas porque seu conceito é equivocadamente
utilizado – foi durante a guerra fria, que esquentou a política do período
histórico após o encerramento da segunda guerra. Ou seja, a moldura civilizatória,
tanto ocidental quanto oriental, quer sob a orientação cristiana ou confuciana,
segue o rito do capital, sob as batutas da tecnologia, da cultura e das armas. Aqui,
é importante fixar uma convergência vergonhosa entre a lógica dos donos do
mundo e dos donos do jogo: é que a maioria dos países periféricos continuam em
busca do mito do desenvolvimento, assim como as periferias de suas cidades
seguem mergulhadas na miséria e pobreza, sem saneamento básico pleno, sem
segurança completa, sem saúde adequada e sem escolas continuadas. Então, a suposta sinergia positiva, da dimensão econômica, é, de fato, relativa. O destempero
segue inarredável mesmo com as palavras de fé e de irmandade dos líderes
espirituais; no momento, tenho percebido, especialmente, a preocupação do Santo
Padre. Os países modernos guerreiam quais as tribos na Idade da Pedra; agora
com aparatos mortíferos de amplo espectro. Por certo, a China já ameaça este
status quo se transformando no maior laboratório do planeta, depois de ser
reconhecida como a sua fábrica. A experiência histórica que tem viabilizado
confrontar a hegemonia unipolar é a do capitalismo nacional-desenvolvimentista.
Além disso, e por conta disso, avança com uma poderosa condição armamentista, cuja corrida correlata relativiza igualmente a dimensão política.
Quiçá, oxalá o Brasil sente no conselho de segurança da ONU sem bomba atômica.
Quem sabe o paradigma não se transmuta?
Não
obstante, como tudo em manifestação no mundo dos fenômenos relativos,
transitórios, impermanentes e efêmeros, esta estrutura, de uma forma ou de
outra, vai ruir como ruíram outras civilizações que existiram na face da Terra,
mesmo que com a resistência dos conservadores. O ideal humanitário haverá de se
oxigenar promovendo maiores e melhores conquistas para todos os seres humanos,
como já consolidadas as relativas à superação da escravidão e de emancipação da
mulher. Agora, persiste o desafio de nivelar igualdades sociais, em termos de
oportunidades, junto com o estabelecimento da ética sustentável, ainda carente
de plena concordância e de acordos factíveis. Neste sentido, o desafio é
enorme, exigindo muito trabalho e boa vontade. O esforço expansionista dos
donos do mundo bem que poderia ceder lugar e recursos para as exigências de
sobrevida em equilíbrio das nações e da natureza.
Nota: apesar de determinada consciência
mundano-secular, que aponta para o coletivo, e mesmo, no limite, para a
humanidade, o autor segue buscando revelar o autoconhecimento, já disponível,
quando, então, poderá viver livre de qualquer padrão de comportamento e/ou
redes de condicionamentos, que limitam e encapsulam a consciência individual
aquém da plenitude e infinitude.
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