sábado, 20 de outubro de 2012

AINDA SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM CAPITALISMO AMAZÔNICO



Gargalos e Janelas de Oportunidades para AMAZONIDADES: cortando a própria carne

Todos já sabemos que a natureza intrínseca do Projeto ZFM é a atração de investimentos. Pelo menos é como tem se mostrado ao longo de sua vigência. Em sentido do contraditório, tenho escrito sobre a necessidade do autodesenvolvimento. Neste contexto, podemos identificar sementes que poderiam dar, ou que poderiam ter dado sustentação ao desenvolvimento de amazonidades, enquanto realização econômica de insumos e saberes da floresta na forma de produtos e processos consumidos no mercado local, regional, nacional e global. Essa realização econômica configurando, explicitamente, um capitalismo amazônico, o que significa dizer, crescimento e desenvolvimento econômico com a capital e tecnologia endógena. Perspectiva essa que hoje se agrega o caráter sustentável. É claro que ambas as condicionalidades podem ser aproveitadas, ou poderiam ser aproveitadas, tanto para a atração quanto para a criação de investimentos. Mas nos parece que a segunda estará sob a responsabilidade do liberalismo concorrencial e competitivo do empreendedorismo amazônico, especialmente científico-tecnológico. A ideia fundamental que subjaz à reflexão é a da construção de marcas amazônicas jogando o jogo capitalista em nível global, ou seja, capital amazônico realizando mais-valia global.
Falo especificamente da possibilidade da industrialização de produtos elaborados com matérias-primas agrícolas e extrativas vegetais de produção regional com isenção do IPI, por projetos instalados na Amazônia Ocidental. Leia-se artigo sexto do Decreto-Lei 1.435/75, combinado com o parágrafo quarto, do artigo primeiro do Decreto-Lei 291/67.[1] Portanto, devemos entender que a lógica do Projeto ZFM pressupunha não só o estabelecimento de condições para a atração de pacotes tecnológicos exógenos, mas também a criação de oportunidades para a exploração econômica da biodiversidade amazônica. A Suframa acumula a competência de administrar a ALC’s, nos mesmos moldes dos da ZFM.
Essa condicionalidade aponta, ainda, para a geração de crédito do IPI, calculado como se devido fosse de produtos efetivamente sujeitos ao pagamento do referido imposto, sempre que os produtos elaborados, necessariamente com projetos aprovados na Suframa, sejam empregados como matérias-primas, produtos intermediários ou materiais de embalagem na industrialização em qualquer ponto do território brasileiro. Aqui, se comenta os parágrafos um e dois, do artigo sexto acima citado. Portanto, a regra fiscal está vertida tanto para o produto quanto para o insumo amazônico.
Com pequenas variações, que não cabem aqui ser discutidas, o marco regulatório original sofreu uma recarga recente com as novas regulamentações no âmbito das ALC´s.[2] Agora, o regime fiscal estabelece que a aplicação daquela isenção tributária converge para produtos em cuja composição final haja predominância de matérias-primas de origem regional, provenientes dos segmentos animal, vegetal, mineral – exceto os minérios do capítulo 26 da NCM – ou agrossilvopastoril, considerando variáveis de pelo menos um dos atributos vinculados ao volume, à quantidade, ao peso ou à importância. Esta última variável tendo em vista a utilização no produto final. Esta normatização pode ser identificada no Decreto 6.614/08, que carreou as demais regulamentações. Este Decreto redefiniu, geograficamente, a ALC de Pacaráima/Bonfim para Boa Vista/Bonfim. Historicamente, a problemática da predominância foi trabalhada em âmbito institucional, com a edição da Nota Técnica 425/97-SAP/GEF, quando houve necessidade de definir a predominância de matéria-prima em brinquedos de madeira para o entendimento do cumprimento do PPB pertinente à Portaria Interministerial MPO/MICT/MCT 14/96, que estabeleceu PPB para bens industrializados na ZFM com matérias-primas de origem agrícola, pecuária, avícola, píscea, apícola, mineral e extrativa vegetal.[3]
Podemos, inclusive, comentar os dois marcos regulatórios de forma comparada. Isto é, pode-se perceber uma superposição de marcos regulatórios, considerando que, à exceção da ALCMS, todas as demais estão contidas na Amazônia Ocidental. Pode-se perceber, até mesmo, certo conflito, pois o marco original exclui a atividade pecuária, enquanto que o marco recente inclui a atividade agrossilvopastorial.[4] Qual entendimento deve prevalecer no que concerne às ALC´s? Qual doutrina ou qual jurisprudência se deve adotar para decidir sobre qual norma se deve aplicar nas ALC´s? Portanto, marcos regulatórios e regramentos não faltam; faltam resultados, que tardam a formar séries históricas de crescimento econômico no chão amazônico, a consubstanciar a construção de um capitalismo amazônico plasmado por AMAZONIDADES.[5]
Colocadas as oportunidades em nível de política pública para o autodesenvolvimento a partir de AMAZONIDADES, emergem uma série de questionamentos na medida de uma questão principal, considerando que caminhamos para três décadas desde a primeira norma: por que a perspectiva da industrialização não se estabeleceu no chão amazônico? Secundariamente, podemos, ainda, questionar: i] foi por força da falta de empreendedorismo?; ii] foi por força da falta de tecnologia?; iii] foi por força da falta de logística?; iv] foi por força da falta de mercado?; v] foi por falta de políticas complementares?; vi] Não caberia uma nova regulamentação?[6]
Desconsiderando o fato da condição novel, neófito e infanta da cultura capitalista no chão amazônico, que deve ser superado o quanto antes,[7] podemos, e talvez devamos apostar que houve ausência sistêmica de todos os fundamentos elencados nas perguntas específicas, que consubstanciam a formulação geral. Ou seja, não conseguimos realizar um capitalismo amazônico porque não temos conteúdo de um empreendedorismo profissional e qualificado, especialmente científico-tecnológico, combinado com a exigência de pesquisas com considerações de uso; não conseguimos realizar um capitalismo amazônico porque não temos a experiência e cultura de demandar soluções tecnológicas decorrentes de ofertas tecnológicas num mesmo patamar de desenvolvimento industrial vis-à-vis desenvolvimento tecnológico; não conseguimos realizar um capitalismo amazônico porque as condições de transporte no chão amazônico estão a exigir soluções integradas e integradoras vertidas às suas condições naturais;[8] não conseguimos realizar um capitalismo amazônico porque não temos condições de renda e de demanda que retroalimentem melhorias e inovações constantes. Portanto, cabem realmente políticas complementares e uma nova regulamentação.
Internamente, no chão institucional, já propomos para discussão, duas ou três vezes, entre 2008/2010, no âmbito de melhor qualificar as recentes regulamentações das ALC´s, comentadas acima, o que denominamos Das Condicionalidades Complementares do Regime Fiscal, estruturadas em conceitos quais Sistemas Locais de Inovação. Assim, para um artigo qualquer de dado decreto passado ou futuro, poderíamos ter estabelecido ou estabelecer complementarmente ao que está posto:
Art. ?° Complementarmente às exigências estabelecidas no Art. ?° os projetos técnico-econômicos a serem aprovados pelo CAS [Conselho de Administração] deverão observar conteúdos de natureza social, econômica, ambiental e tecnológica que expressem preocupações e necessidades vinculadas ao desenvolvimento sustentável.
§ 1° Socialmente deverá incrementar a oferta de trabalho à sociedade do local de instalação do projeto, observando rigorosamente a concessão de benéficos sociais aos trabalhadores previstos em lei;
§ 2° Economicamente deverá prever níveis crescentes de produtividade e competitividade, voltando-se sempre que possível para o atendimento do mercado global, sem descuidar do mercado local e nacional, reinvestindo parte dos lucros na expansão da produção industrial.
§ 3° Ambientalmente deverá incorporar, independentemente dos projetos aprovados nos órgãos competentes vinculado à matéria, as boas práticas de responsabilidade para com o meio-ambiente, buscando credenciamento juntos aos mecanismos internacionais de qualidade;
§ 4° Tecnologicamente deverá incorporar e/ou desenvolver tecnologias de produtos e de processos de produção compatíveis com o estado da arte e da técnica, investindo pelo menos 1% do seu faturamento na formação e capacitação de seus colaboradores e em parcerias e alianças estratégicas com centros e institutos tecnológicos locais, regionais, nacionais e/ou internacionais, visando contínua inovação tecnológica.
O cerne dessa primeira elaboração verte, claramente, para a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Mas, fundamentalmente, poderíamos, ainda, discutir o que denominamos Dos Instrumentos Adicionais de Política Industrial e Tecnológica:
Art. ?° Os projetos técnico-econômicos que estiverem estruturados com capital e tecnologia endógena, quer de forma associativa ou cooperativada, quer na forma de sociedade limitada ou por ações, deverão contar com o poder de compra dos governos locais da área de abrangência da Suframa, bem como com financiamento diferenciado por parte dos organismos públicos.
Parágrafo Único: Os projetos técnico-econômicos que adicionalmente resultarem de insumos e saberes dos povos da floresta, utilizando na sua operação a bioenergia e tecnologias limpas, resguardadas as exigências da propriedade intelectual, serão adotados como prioridades juntos aos instrumentos de política industrial e tecnológica vigentes, tanto em nível federal quanto estaduais e municipais.
Essa segunda elaboração, de caráter combinatório com a primeira, nos remete aos instrumentos básicos de política industrial, qual seja ao poder de compra dos governos, da necessidade do financiamento diferenciado e do resguardo da propriedade intelectual das melhorias e inovações que resultassem do processo de construção de um capitalismo amazônico. Outras, certamente, poderiam ser elaboradas no processo de discussão, para fazer constar outros elementos de política industrial, quais prêmios, por realizações de AMAZONIDADES, aos empresários, empreendedores e/ou pesquisadores, além da idealização de programas de subsídios específicos e provisórios, até a emancipação competitiva dos negócios no mercado.
Não temos sequer notícias de que tais proposições foram discutidas no âmbito dos gabinetes discricionários. Devem ter sido percebidas como de somenos ou sem condições objetivas de execução considerando ou suas expressões abstratas ou como já contempladas em instrumentos governamentais de políticas públicas isoladas em curso. Não sabemos. Mas as registramos para conhecimento em nível de grande rede.
E tem mais. Em nível de política institucional, no atual Planejamento Estratégico da Suframa constam linhas de ações, que, se tralhadas de forma sinérgica, podem convergir, no médio e longo prazo, para a construção de um capitalismo amazônico:
a) São exemplos na Área Estratégica Capital Intelectual e Empreendedorismo, dentre outros:[9]
1. Apoio à capacitação de recursos humanos para o aproveitamento das potencialidades regionais e oportunidades de negócios;
2. Estímulo à oferta de cursos de empreendedorismo a partir de instituições de ensino ou em parceria com outras entidades públicas ou privadas;
3. Fomento à cooperação técnica para o fomento ao empreendedorismo;
4. Apoio à oferta de suporte técnico para a geração de planos de negócios e disseminação de práticas de gestão e de captação de negócios.
b) São exemplos na Área Estratégica Desenvolvimento Econômico, dentre outros:
1. Estímulo à criação e fortalecimento de elos das cadeias produtivas com base em produtos regionais;
2. Apoio ao fortalecimento da agricultura familiar e do agronegócio;
3. Apoio à implantação de projetos agroindustriais;
4. Estímulo ou apoio a micro, pequenas e médias empresas e a associação e cooperativas de produtos, com foco em bens, serviços e atividades turísticas regionais.
c) São exemplos na Área Estratégica Tecnologia e Inovação, dentre outros:
1. Apoio à realização sistemática de plataformas tecnológicas;
2. Incentivo ao empreendedorismo científico-tecnológico;
3. Estímulo às empresas de base tecnológica;
4. Apoio aos sistemas locais e regionais de incubadoras.
Como podemos observar, o Projeto ZFM e a instituição Suframa dispõem de mecanismos e ferramentas para contribuir na alavancagem de um capitalismo amazônico lastreado por AMAZONIDADES. Mas, então, o que falta? Faltam os recursos da Suframa, recorrentemente apreendidos pela Conta Única do governo federal em nome do superávit fiscal. Falta, também, a decisão institucional de fazer com que o plano estratégico deixe de ser uma peça de ficção científica. Esse é um vazio histórico. Argumenta-se, nesse sentido, que os desafios são muito maiores do que a estrutura organizacional e as competências regimentais. Mas com isso, arrolamos insucessos frente aos sarrafos do autodesenvolvimento dentro da vigência do Projeto ZFM. Por isso, é importante uma articulação consensual e acordada de missões, visões de futuro e políticas, diretrizes, objetivos e ações estratégicas convergentes e complementares das instituições/organizações/entidades, universidades/institutos/laboratórios e firmas/empresários/empreendedores frente aos desafios de construção de um capitalismo amazônico.
Num sentido mais específico do chão institucional, falta reverter tendência de fazer com que seu plano de trabalho vire, ano após ano, história da carochinha, a expressar atividades administrativas e operacionais, minimizadas e/ou subtraídas as ações de conteúdo estratégico. Ou seja, as ações vertidas ao autodesenvolvimento industrial e tecnológico do chão amazônico, ao permanecerem adormecidas, retroalimentam a ficção que mencionamos acima. Sem falar na grande ação emergencial, escrita em 2010, que ameaça recorrer à condição de peça jurássica, idealizada para a viabilização de criação de um fundo de investimento, a partir da TSA, com o propósito de contribuir para a construção de um capitalismo amazônico. Essa idealização não é de hoje, pois remonta décadas, sem que haja uma definição de sua factibilidade, ou não.
No fundo, falamos nesta reflexão de duas outras ações emergenciais que se articulam entre si: potencializar o processo de industrialização das ALC´s com base nos insumos regionais na lógica do desenvolvimento sustentável e, paralelamente, articular o estabelecimento de uma governança para o Sistema Regional de E&C&T&I.[10] As duas ações visando o equilíbrio entre a oferta e a demanda por soluções tecnológicas em prol do desenvolvimento industrial. Mas, a energia institucional continua sendo gasta nos meios burocráticos, sempre desgastantes que se voltam para superar incontáveis inconformidades em processos administrativos, sem falar da atenção que se dedica à manutenção da força do Projeto ZFM, no que concerne à necessidade da atração de investimentos frente às idiossincrasias da guerra fiscal que se trava entre os estados “federados”. O capitalismo amazônico pode esperar. Pode? Eu penso que não!
Antônio José Botelho é servidor ativo do Estado brasileiro a serviço do Projeto ZFM/Suframa desde 1984, portanto, parte integrante dessa lentidão, dessa letargia, com que se constrói um capitalismo amazônico, argamassado e amalgamado por AMAZONIDADES, liderado por amazônidas e realizado no chão amazônico e em outros territórios, a partir da Suframa/Projeto ZFM. Talvez nos falte um nacionalismo amazônico construtivo, criador e inovador, que supere a necessidade histórica da dependência industrial e tecnológica com que se dá a ocupação e o uso da Amazônia. Precisamos, portanto, melhor qualificar a apropriação nacional da biodiversidade da Amazônia, segundo as potencialidades econômicas e políticas do próprio sistema de produção e distribuição de bens e serviços que regula e organiza a humanidade no seu atual estado de desenvolvimento material e espiritual. Esse nacionalismo é apenas aparentemente contrário ao movimento das nações e dos povos em prol de uma melhor harmonia na organização social da Terra a partir da nova utopia intitulada desenvolvimento sustentável.


[1] Já naquela época, restringia-se a exploração econômica de origem pecuária. Não obstante, pode-se constatar o retrocesso havido com os desdobramentos futuros. Fala-se da nova prerrogativa de se explorar matérias-primas de origem agrossilvopastoril, o que significa um paradoxo, do ponto de vista do avanço do arco do fogo nas margens sul e sudeste da floresta amazônica, que deve ser contido a qualquer custo pelo que representa a égide do desenvolvimento sustentável.
[2] Iniciativa política em função da demanda socioeconômica decorrente do fim do ciclo comercial das ALC’s. Registre-se, contudo, que todas as ALC’s de Tabatinga [Lei 7.965/89], de Guajará-Mirim [8.210/91], de Pacaraíma/Bonfim [Lei 8.256/91], Macapá/Santana [Lei 8.387/91] e Brasiléia/Cruzeiro do Sul [Lei 8.857/94], de uma forma ou de outra, além da oportunidade que encerra o Decreto-Lei 1.435/75, já traziam o conteúdo da industrialização a partir das matérias-primas regionais. Portanto, tardiamente voltamos a atenção para essa questão fundamental. Adicione-se a isso, o fato de que a administração FHC não era amigável à lógica das ALC’s, como de igual forma não era para com as ZPE’s. Na era Lula, ao contrário, tais mecanismos desenvolvimentistas voltaram a serem ambos discutidos e renormatizados. Muito embora, ainda estejam longe de resultados positivos.
[3] Como se pode perceber, o mecanismo PPB, no contexto do Projeto ZFM, mais atrapalha do que facilita o desenvolvimento de amazonidades. Registre-se, nesse sentido, a existência da Portaria Interministerial 842/07, que trata do PPB aplicável a produtos regionais caracterizados como de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, que todo projeto industrial aprovado pelo CAS deve obedecer, caso esteja instalado na ZFM. Essa PI, que revogou a PI 141/02, ofereceu regramento à segunda observação do Anexo X, do Decreto 783/93, também citado na nota de roda pé n.° 5. Um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento de amazonidades, cujo processo de criação deveria ser livre. O processo de criação, que envolve desenvolver produtos e processos idealizados e realizados no mercado, sujeitos a melhorias e inovações permanentes, a fim de serem consolidados culturalmente, deve ser completa e potencialmente livre. Se estudarmos o processo de desenvolvimento industrial e tecnológico, por exemplo, o de computadores, constataremos que o limite era a energia, medida em recursos, inteligência e tempo, que se conseguia depositar no próprio processo.
[4] Entende-se que a pecuária está contida na atividade agrossilvopastoril. Releia a nota de roda pé n.° 1.
[5] Na sacola de oportunidades regulatórias, adicione-se, ainda, a Lei 11.898/90, que incorpora a lógica do PPB como condicionalidade para a industrialização a partir de matérias-primas regionais às ALC´s de Tabatinga, Guajará-Mirim, Macapá/Santana e Brasiléia/Cruzeiro do Sul. Observe-se que a lógica do PPB não está contida no Decreto 6.614/08, embora suas leituras técnicas convirjam para condicionalidades e regramentos de produção. No que pertine aos PPB´s versus ZFM, a história toda começa com a edição da Portaria Interministerial 14/96, já citada no corpo desta reflexão, cujo Anexo foi ampliado com novas inclusões de produtos com as edições das PI´s 50/97, 43/98, 225/01, 77/05, 111/07 e 05/12, além das “independentes” 223/01 [encapsulados de óleos orgânicos de origem regional] e 276/03 [óleos essenciais e outros]. A edição da PI 14/96 veio como desdobramento o Decreto 783/93 [que em si já trazia regramentos para a produção de produtos de perfumaria, de toucador e preparados cosméticos em seu Anexo X], que por sua vez ofereceu a orientação estabelecida com no § 6.°, do art. 7.°, do Decreto-Lei 288/67, em sua nova redação determinada na Lei 8387/91. É possível que lacunas e vazios existam nesses registros, considerando o insuficiente e superficial relato aqui definido, especialmente no sentido de constar o que foi revogado e o que é vigente. De qualquer sorte, portanto, não é trivial alinhavar toda a tecedura dessas complexas edições que “oportunizam” a construção de um capitalismo amazônico, lastreado por AMAZONIDADES. Mas seria e é superimportante que se determinasse visibilidade, especialmente à academia do chão amazônico, do rol total de produtos e insumos autorizados para a produção incentivada por parte do capital do chão amazônico, para que fossem objetos de problematizações e de investigações científico-tecnológicas a serem transformadas em AMAZONIDADES no mercado. É a isso, exatamente isso, que entendo seja financiar pesquisas com considerações de uso!
[6] Na realidade, talvez a inocuidade, tanto do processo de atração quanto de criação de investimentos, esteja no fato de que a base de tributação seja substantivamente estruturada em insumos e produtos de conteúdo mineral e seus derivados [veículos; computadores; etc.], e não de origem vegetal [por exemplo, produtos florestais]. Portanto, não há o que isentar, ainda. Assim, talvez fosse interessante aprofundar o refinamento do marco regulatório vertido à industrialização nas ALC’s no sentido da função dos subsídios no processo do desenvolvimento econômico. Fica registrada essa ressalva, e a dica adicional.
[7] Este autor apesar de ter tendências socialistas, na realidade, anarquistas, passou a acreditar que o autodesenvolvimento, com os mecanismos e ferramentas capitalistas, é o portal de uma grande transformação já em curso sob a nova utopia da humanidade representado pelo desenvolvimento sustentável. Ressalte-se, de passagem, que a doutrina anarquista somente seria passível de adoção na hipótese da superação dos venenos humanos do egoísmo, da raiva, do orgulho, do medo e da ignorância, sediados no coração, os quais retroalimentam a competição e a acumulação.
[8] O programa multi-institucional do que se está chamando Polo Naval é um importante resgate histórico quanto as oportunidades das estradas naturais do chão amazônico!
[9] A função empreendedorismo, associado à do capital intelectual, foi inscrita no Plano Estratégico de 2010 no apagar das luzes de sua aprovação no Comitê de Planejamento [Coplan]!
[10] Parte fundamental da palestra apresentada por este autor, no evento realizado na ALC de Tabatinga, em 2009, por conta da ação emergencial “potencializar a industrialização nas ALC’s”, que não ganhou curso, à época, por falta de recursos. Em verdade, talvez fosse apenas uma tática para desbloquear recursos da Suframa.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

SOBRE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA TARDIA E CORRELATOS



Entendendo o significa do conceito de capacitação tecnológica tardia com desdobramentos junto à construção de um capitalismo amazônico

Esse conceito, à imagem e semelhança do de cathing up, também foi idealizado por esta forma ordinária em suas aproximações por tentativas e erros de entender a natureza da tardialidade do processo de industrialização lastreada pela atração de investimentos e consubstanciada pela política substituição de importações de Manaus, expressa pelo Projeto ZFM. Ambos não existem na literatura do desenvolvimento industrial e da inovação tecnológica, ainda que seja de deduções lógicas, muito especialmente o de capacitação tecnológica tardia. Representam uma ousadia tupiniquim, considerando que a referência do conhecimento é gerada alhures, portanto, apropriada em primeira mão por alheios. Mas, têm sido de enorme valia para perceber o que devemos fazer para corrigir o rumo do crescimento em prol do autodesenvolvimento sustentável.
Em primeiro lugar, devemos dizer algumas palavras sobre a historicidade do desenvolvimento industrial e da inovação tecnológica no que concerne aos seus paradigmas tecnoeconômicos e associadas trajetórias tecnológicas. Os paradigmas dizem respeito à capacidade da geração de inovações tecnológicas, especialmente as radicais que transformam as economias, gerando novas indústrias. Por sua vez, as trajetórias representam as decorrentes capacidades dos paradigmas de difundirem tais inovações, especialmente as incrementais e inerentes melhorias, tanto nos produtos, quanto em processos produtivos e organizacionais.
Os especialistas falam de cinco paradigmas, considerando o atual, desde que a humanidade, liderado pelo império britânico, no primeiro momento, e pelo Tio Sam no segundo, iniciou o processo de industrialização sob a perspectiva da concorrência capitalista e sob a tutela dos estados nacionais: [1]
1. As indústrias-chave têxtil, química, metalmecânica, cerâmica tiveram como base a mecanização e como fatores-chave o algodão e o ferro;
2. As indústrias-chave de motores a vapor, máquinas-ferramenta, máquinas para ferrovias tiveram como base as máquinas a vapor e ferrovias e como fatores-chave o carvão e o sistema de transportes;
3. As indústrias-chave de estaleiros, produtos químicos, armas, máquinas elétricas tiveram como base a engenharia pesada e elétrica e como fator-chave o aço;
4. As indústrias-chave automobilística, armas, aeronáutica, bens de consumo duráveis, petroquímica tiveram como base o fordismo e como fatores-chave os derivados de petróleo; e,
5. As indústrias-chave de computadores, produtos eletrônicos, software, telecomunicações, novos materiais, serviços de informação têm como base, porque ainda está em aberto, as tecnologias de informação e comunicação e como fatores-chave os microprocessadores.
Respectivamente, seus períodos históricos foram entre 1770-1840; 1840-1890; 1890-1940; 1940-1980; e 1980 até os dias atuais. Respectivamente, suas organizações industriais passaram por pequenas empresas locais; empresas pequenas e grandes e crescimento das sociedades anônimas; monopólios e oligopólios; competição oligopolista e crescimento das multinacionais; até chegar a organização atual caracterizada por redes de firmas.
O grande mote de análise e interpretação para elaboração e entendimento do conceito de capacitação tecnológica tardia, associada ao processo de industrialização tardia de Manaus, está na visualização do quinto período, isto é, no paradigma tecnoeconômico das tecnologias de informação e comunicação que tem como insumo básico os microprocessadores e as firmas produtoras de bens e serviços eletrônicos, configuradas por uma organização industrial em rede. Enquanto marco de análise, ele surgiu em 1980 como desdobramento dos períodos anteriores, notadamente do período imediatamente anterior, que teve como parte da sua organização industrial o crescimento das multinacionais, expandindo os espaços de reprodução dos seus capitais para locais de estados nacionais de industrialização tardia.
Isto é importante destacar para a interpretação do conceito em discussão: como consequência de locais que viveram e promoveram o progresso técnico e concernentes mudanças dos sistemas produtivos e da organização industrial. Portanto, criaram, porque capacitados tecnologicamente falando, as pré-condições para difusão e apropriação privada do conhecimento, da experiência técnica e do know how vertidos ao paradigma tecnoeconômico anterior. As trajetórias tecnológicas correlatas espraiaram para os mercados nacionais e global as perspectivas de produção, distribuição e consumo de novos produtos e processos produtivos e organizacionais. Os capitais sociais dos locais que construíram e que se situam próximos à fronteira tecnológica se apropriaram dessa profusão de conhecimento e técnicas de produção e de inovação. Os locais atrasados o fazem tardiamente. Claro está esta condicionalidade histórica em relação a Manaus!
Manaus começou a industrializar-se a partir do domínio da engenharia de processos, exatamente no início do atual paradigma tecnoeconômico. Não houve experiências históricas que coincidissem com as dos locais dos países que conduziram hegemonicamente o processo de industrialização e de inovação tecnológica. Simplesmente não havia indústria em Manaus, nem com as especificidades inerentes ao paradigma anterior [indústrias-chave automobilística, armas, aeronáutica, bens de consumos duráveis, petroquímica], muito menos esforços iniciais relativos ao paradigma atual [indústrias-chave de computadores, produtos eletrônicos, software, telecomunicações, novos materiais, serviços de informação]. Na realidade, o processo de industrialização de Manaus começou com a indústria eletroeletrônica, exatamente no final da década dos anos 1980, enquanto expansão do capital estrangeiro [e até mesmo nacional, atraídos de locais mais dinâmicos do país] junto à divisão internacional do trabalho combinado com o papel geopolítico de ocupação da Amazônia, representado pelo Projeto ZFM. Os desdobramentos desta estratégia estão no sentido de qualificar o uso e a ocupação da Amazônia com o autodesenvolvimento sustentável.
Como corolário ao conceito de capacitação tecnológica tardia é de bom alvitre perceber e aceitar o conceito de economia de enclave industrial, igualmente cunhado por esta forma ordinária no início dos anos 2000 com a adjetivação adicional negritada ao conceito tradicional de economia de enclave associada à exploração econômica de minérios. Disse que economia de enclave industrial deveria ser entendida como toda aquela que é posta em um espaço subperiférico que roda com capital e tecnologia exógenos atraídos mediante vantagens competitivas estáticas, onde os lucros retornam aos donos do capital residentes em outras placas e a tecnologia do chão de fábrica é inteiramente assimétrica com o chão da academia local, constituindo a passagem para uma economia autossustentada a construção de vantagens competitivas dinâmicas que oportunizarão não só a consolidação das firmas existentes mas, sobretudo, o desenvolvimento do empreendedorismo local a partir da emergência de empresas de base tecnológica, cujos produtos estabeleçam sintonia com os insumos e a cultural local [amazonidades], enquanto processo de inserção positiva e inteligente no contexto globalização contemporânea, assegurado o consumo local-regional-nacional.
Há, portanto, uma característica dificultadora no processo de industrialização de Manaus. É que ele se dá com uma rígida dependência entre a política industrial de substituição de importações e a ferramenta de política industrial de atração de investimentos. Ou seja, a dimensão patrimonial das firmas não foi, e, de certo modo, ainda não é, prioridade absoluta na formulação de políticas públicas, considerando a dependência que Manaus vive economicamente relativamente ao Projeto ZFM. O atual conceito de PPB [Processo Produtivo Básico], instrumento de operacionalização da concessão dos incentivos fiscais especiais relativos ao Projeto ZFM, que tanto brigamos para que sejam editados, na realidade, reproduz essa dependência aos resultados das políticas industriais e tecnológicas de alheios e de alhures, na medida em que definimos operações industriais mínimas, moldadas por máquinas e equipamentos, insumos, partes e peças componentes, produtos idealizados por força da capacitação tecnológica de outros locais que não Manaus. A expressão dessa dependência pode ser facilmente constatada nos projetos industriais que são aprovados pelo CAS.
É atrás dessa competência que estamos correndo desde os anos 1970, quando, por exemplo, instalamos o primeiro curso de Engenharia Elétrica em Manaus. Nesse sentido, nas três décadas seguintes formamos nos primeiros mestres e doutores e montamos nossos primeiros laboratórios para a produção de algum conhecimento associado ao paradigma tecnoeconômico vigente. Correndo atrás para ofertar soluções tecnológicas às demandas tecnológicas do PIM, relação até hoje ainda assimétrica, isto é, não conseguimos estabelecer um chão acadêmico que dê conta do enraizamento das indústrias forâneas sem a recorrente ratificação [determinando a dependência] das vantagens comparativas estáticas, ditas por especialistas como espúrias no contexto da teoria evolucionária, do Projeto ZFM. Cabe uma pergunta fundamental: qual o PPB, do setor eletroeletrônico, que foi alterado no sentido de se produzir “mais com menos”, portanto, configurando maior produtividade do PIM?
Não queremos aqui negar o aspecto positivo do PPB, que ofereceu fôlego à lucratividade das firmas instaladas no PIM frente à abertura da economia nacional nos idos dos anos 1990, inclusive, nos desdobramentos da sua implementação, oferecendo espaço para novos entrantes. Mas destacar seu lado negativo quanto ao desenvolvimento da inovação tecnológica, na medida em que não damos mais atenção e importância aos programas de regionalização, o que fragiliza os investimentos de P+D vinculantes. Por outro lado, durante o período em que prevaleceu o conceito de IN, mediante progressivos esforços de regionalização, seus números foram crescentes. Tal esforço técnico foi politicamente maculado pela “indústria de componentes”, artificialmente induzida via vantagens espúrias. Sem falar que a adoção do PPB implicou na redução significativa dos níveis de produção, de pelos menos 25% no IN geral do PIM, pois foi exatamente aí que residiu na possibilidade de um maior fôlego. E o que é pior, Manaus não conseguiu construir uma cultura empresarial com capital local que apostasse na trajetória tecnológica que emergiu com o atual paradigma tecnoeconômico. Se há alguma, não tem representatividade expressiva junto ao faturamento do setor eletroeletrônico do PIM. Ou seja, o processo de capacitação tecnológica tardia continua evidente e premente. O mesmo raciocínio valeria para o setor de duas rodas vis a vis a engenharia mecânica. Talvez fosse interessante estudar a possibilidade de combinar PPB, enquanto mecanismo de industrialização, com Índice de nacionalização [IN], enquanto mecanismo de inovação tecnológica.
Diferentemente de Manaus, a Coreia do Sul, como esta forma ordinária já atestou em outra reflexão, aproveitou as oportunidades da transição entre o paradigma anterior e o atual, mediante a formulação de políticas industriais e tecnológicas, elaborados a partir dos anos 1960 com foco na dimensão patrimonial, para desencadear uma efetiva aproximação da fronteira tecnológica, culminando com a emergência de firmas qual Samsung, que em 2009 foi líder mundial de faturamento, exatamente no segmento pertinente à trajetória tecnológica da microeletrônica, superando outras firmas gigantes dos países ditos centrais. Portanto, os investimentos encetados pela Coreia visando acoplamento ativo ao atual paradigma tecnoeconômico foram feitos previamente, duas décadas antes do início do marco concernente apontado nos anos 1980. Não bastasse isso, dizem os especialistas que hoje já é líder nos investimentos para o desenvolvimento de tecnologias verdes. Ou seja, está realmente à frente dos tempos: nem à direita; nem à esquerda, mas simplesmente politicamente à frente.
É importante registrar que toda a configuração de entendimento dos primeiros quatro paradigmas tecnológicos estiveram estruturados sob a égide das teorias clássica e neoclássica, que adotam a tecnologia como algo exógeno, dado, ao sistema capitalista. Considerando a natureza competitiva do sistema capitalista, essa condição é inadequada e insuficiente para a formulação de políticas públicas dos locais que se industrializam tardiamente e que por via de consequência de capacitam tecnologicamente também de forma tardia. Alternativamente, o atual paradigma tecnoeconômico já dispõe de investigações e análises sob a égide da teoria evolucionária, que procura associar a conquista de capacidades e habilidades técnicas como ferramenta fundamental para o progresso e mudança técnica.
Bem, se perdemos a batalha do processo de nos capacitarmos tecnologicamente em tempo real para oferecer soluções tecnológicas às demandas do PIM; se perdemos a batalha do estabelecimento de uma cultura empresarial consentânea, podemos ganhar a guerra junto ao autodesenvolvimento, aproveitando a transição do atual paradigma tecnoeconômico para o próximo, que caminha a passos largos e que os especialistas estão entendendo convergente à nanobiotecnologia. E esse acaso tem tudo a ver com a Amazônia, com os amazônidas e com as amazonidades. E, claro, com as externalidades do Projeto ZFM, que às duras penas vamos apropriando. Essas externalidades é que estão oferecendo a base para que Manaus possa se acoplar no próximo paradigma tecnoeconômico como agente de transformação. Isso também é importante perceber.
Penso que indiretamente a teoria evolucionária já nos influenciou, fazendo-nos perceber que para que sejamos capazes de promover ativamente e não apenas participar passivamente do progresso técnico e da mudança técnica, Manaus deveria fazer investimentos numa ambiência favorável à inovação tecnológica. O Sistema Manaus de Inovação, sem considerar seu atraso de 14 anos, emergiu, ainda que com apenas uma das pernas necessárias para a sua sustentação e profusão no longo prazo, isto é, a de natureza pública. Ao passo dessa evolução histórica, já tardia, mas ainda em tempo para montarmos no cavalo alado do próximo paradigma tecnoeconômico como agentes de transformação, precisamos jogar nossas fixas no empreendedorismo científico-tecnológico, como esta forma ordinária tem defendido. Sem perder de vista a necessidade do estabelecimento da cultura do capital de risco.
Ou seja, os laboratórios instalados e os capitais humanos formados devem investigar e pesquisar orientados e determinados para a realização de amazonidades no mercado. Essa será a segunda perna necessária e indispensável para o autodesenvolvimento, ajustado às grandes tendências tecnológicas, vinculadas ao paradigma tecnoeconômico [nanobiotecnologia sustentável], criando, por força do acaso amazônico, uma trajetória tecnológica alternativa, um capitalismo amazônico, que está alcunhado por esta forma ordinária de growing up.
É com bons olhos que vemos a instalação do Laboratório de Síntese e Caracterização de Nanomateriais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM. Inaugurado no dia 20.04.12, sugere estar adequadamente montado. Parece ser o primeiro do gênero da região Norte. E deverá operar sob a lógica da prestação de serviços tecnológicos e do empreendedorismo científico-tecnológico, além da de geração de papers, pois sob a orientação institucional da UFSCar, uma referência nacional no quesito de integração universidade-empresa e na perspectiva da produção de negócios. Porém, devemos deixar claro que precisamos ocupar os espaços possíveis de desenvolvimento industrial e de inovação tecnológica, especialmente derivados da biotecnologia, sem perder de vista, claríssimo, a nanotecnologia. Manaus anda de motocicleta, quer pegar um foguete, mas não domina um velocípede. Temos que estabelecer uma governança para a adoção de metas e desafios associados a uma política industrial e tecnológica consentânea e de longo prazo, convergente ao processo de growing up, a um capitalismo amazônico. Assim, reforça-se a sugestão da criação de um Conselho Político Estratégico em prol das amazonidades, em prol do autodesenvolvimento sustentável.
Esta forma ordinária já argumenta desde outras oportunidades a lógica do estabelecimento de um alvo móvel que deve partir de uma base tecnológica [já disponível] para uma dada fronteira tecnológica [que deverá ser desejada], mas esse alvo deve estar consubstanciado por firmas de capital local realizados de amazonidades no mercado. Ou seja, podemos e devemos dar pequenos saltos tecnológicos, fundadores de uma trajetória tecnológica alternativa, porque vertida ao autodesenvolvimento, ao capitalismo amazônico, ao growing up, às amazonidades, enfim, rumo ao próximo paradigma tecnoeconômico.
Lembremo-nos que os desafios nanobiotecnológicos deverão ser processados sob a égide, sob a ética da sustentabilidade. Os ingredientes deste desafio são a tecnologia limpa, investimentos verdes e consumo inteligente. Complementarmente, quanto a Manaus, são o empreendedorismo científico-tecnológico, ainda bastante incipiente, combinado com o estabelecimento da cultura do capital de risco, esta passível de ampliação e refinamento, para dar vazão aos produtos, aos outputs, que já podem e devem ser cobrados pela sociedade civil organizada, do processo de inovação implantado em Manaus [leia-se Sistema Manaus de Inovação sob a liderança do sistema Sect/Fapeam e demais parceiros correlatos, quais: Inpa; Fucapi; Ufam; Uea; Capda; Institutos Privados; CBA; CT-PIM; dentre outros]. Precisamos de um mecanismo, uma sistemática para criar, para fazer emergir empresas de base tecnológica, equilibrando oferta tecnológica e demanda tecnológica.
Portanto, podemos e devemos isto sim dar saltos para tentar transpor o sarrafo industrial e tecnológico que impede o nosso autodesenvolvimento, focando no curto prazo e no médio prazo [década de 2011-2020] a biotecnologia e em paralelo e longo prazo [duas décadas; 2010-2030] a nanobiotecnologia, lastreados pelo domínio da microeletrônica. Ao passo das investigações e pesquisas orientadas para amazonidades, fomentando o empreendedorismo e o capital de risco. Só assim superaremos a sina da tardialidade, a sina da industrialização tardia e sina da capacitação tecnológica tardia. Que a década de 2011-2020 seja a década do empreendedorismo científico-tecnológico e do capital de risco. Que na década 2020-2030 estejamos atuando como agentes junto ao próximo paradigma tecnoeconômico.
Para finalizar, damos conta de uma outra boa notícia, apenas aparentemente desconexa, da realização, dia 25.04.12, do Workshop sobre “Gestão, Processos de Trabalho e Desenvolvimento regional”, pelo/no ICHL/Ufam e sob a coordenação do Programa de Doutorado Sociedade e Cultura, que trouxe para discussão uma experiência francesa de formulação de projetos cooperativos entre universidade-indústria na perspectiva da capacitação profissional e da inovação tecnológica. O interessante do contexto dessa iniciativa, em si corriqueira, que vai muito além da busca por mecanismos de integração universidade-indústria, foi estar consignado pelo aspecto da interdisciplinaridade, pois o grande público presente eram mestrandos e doutorandos de várias áreas [desenvolvimento regional; educação; sociologia; contabilidade e controladoria; sociedade e cultura na Amazônia; biotecnologia; engenharia de produção; ciências do ambiente e sustentabilidade na Amazônia], cujos pertinentes projetos de pesquisa começam a se olhar, começam a se paquerar, e quiçá comecem a ficar e a estabelecer relações de longo prazo em prol de amazonidades, em prol do autodesenvolvimento, em prol de um capitalismo amazônico, em prol do processo de growing up, visando o novo paradigma tecnoeconômico que se avizinha e a partir dele a construção de uma trajetória tecnológica alternativa. De quebra, nele ouvimos especialista oriundo do chão acadêmico, com passagem pelo chão de fábrica e agora no chão tecnológico afirmar que, na atual era digital, o PIM está relativamente menos capacitado tecnologicamente do que na anterior, a chamada era analógica. Tal afirmação comprova, mais uma vez, a lógica da capacitação tecnológica tardia [e nossas lentas providências para a sua superação]. Não podemos dormir no ponto. Precisamos desfazer o círculo vicioso da tardialidade com a lentidão, estabelecendo um círculo virtuoso da combinação sinérgica PPB versus IN, no quesito do enraizamento das firmas do PIM, e do empreendedorismo científico-tecnológico vis a vis capital de risco, no que concerne ao capitalismo amazônico.


[1] Ver o Capítulo Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas, de Renata Lèbre La Rovère, contido no livro Economia da Inovação Tecnológica, organizado por Victor Pelaez e Tamás Szmrecsányi, publicado pela Editora Hucitec e Ordem dos Economistas do Brasil, em São Paulo, em 2006.

quarta-feira, 28 de março de 2012

RATIFICANDO O PROCESSO DE GROWING UP


Tenho utilizado esse conceito criado ao longo da minha erudição sobre o Projeto ZFM para rivalizar com o conceito de cathing up. Este último é referência na literatura mundial sobre o desenvolvimento industrial e tecnológico. O meu representa uma ousadia cabocla-tupiniquim – sujeito gaiato este, hein? – para sugerir a oportunidade histórica que Manaus tem para construir um capitalismo que tenho adjetivado de amazônico, de ordem superior, com capital e tecnologia própria e respeito ao meio ambiente e à ecologia. Então, juntando os cacos...

E por que temos uma oportunidade histórica? Porque o mundo está em guerra contra as mudanças climáticas e as armas que o chão amazônico dispõe são as amazonidades. Então, a partir da ética sustentável, temos alguma chance de construir nosso autodesenvolvimento sustentável lastreado pela realização de produtos no mercado a partir de insumos e saberes da floresta.

Mas como seria possível tal façanha considerando o determinismo econômico que a fronteira tecnológica construída pelos países centrais impinge aos países retardatários? Exatamente com a idealização de uma trajetória tecnológica alternativa incorporando as externalidades positivas do Projeto ZFM, em nível das transferências de tecnologia e o capital intelectual que emerge com o Sistema Manaus de Inovação.

Devemos ter consciência dos abismos que representam tanto a perspectiva do cathing up quanto a intenção do growing up. E elas se configuram exatamente pelo desequilíbrio entre oferta tecnológica e demanda tecnológica, admitindo que o desenvolvimento industrial, minimamente autônomo e interdependente, se dá em equilíbrio com o desenvolvimento tecnológico. O cenário relativo ao PIM está representado pela maior demanda tecnológica, pois as plantas industriais aqui instaladas são frutos de políticas industriais e tecnológicas idealizadas e realizadas em outros locais, tanto centrais quanto emergentes. Há, portanto, uma assimetria sociotécnica entre o chão de fábrica e as salas de aula e os laboratórios do chão acadêmico local. O pior elemento dessa assimetria é que há um vazio na dimensão patrimonial das firmas relativamente ao capital local no contexto da ZFM/PIM, na medida em que o crescimento econômico, relativo à indústria de transformação, é liderado por grandes marcas globais.

O cenário relativo às amazonidades, por seu turno, é igualmente assimétrico, porém com natureza inversa. É que existe em Manaus certa acumulação de saber científico e tecnológico, constituindo uma oferta tecnológica que pode ser vertido ao autodesenvolvimento sustentável, leia-se amazonidades. Porém, há também um vazio de firmas locais com poder econômico e estratégico que gere demanda tecnológica para a busca do equilíbrio com a oferta tecnológica existente em Manaus, que resulta do capital intelectual do Sistema Manaus de Inovação.

Por que escolher a construção de uma trajetória tecnológica alternativa, que constitui uma abstração àquele determinismo econômico, para lastrear um capitalismo amazônico, para consubstanciar um processo de growing up? A resposta está numa confluência sinérgica vinculada ao desenvolvimento sustentável, associando-a, ainda, ao fato de que a organização social do planeta está estruturada em Estados nacionais, que albergam o sistema capitalista que predomina no planeta, aonde as firmas nacionais acumulam lucros e apropriam conhecimento.

O importante, do ponto de vista da “negação” do processo de cathing up como estratégica de desenvolvimento, é que ao longo do século XX apenas o Japão se emparelhou na fronteira tecnológica, seguido mais recentemente pela Coreia do Sul e atualmente pela China, que promete um emparelhamento que deverá desconstruir a pax americana. E o planeta tem quase 200 países. Então, pode-se concluir que o processo de cathing up além de cruel, é impossível de ser trilhado sem firmas com capital local. O fato é que precisamos ter nossas empresas, precisamos ter nossa tecnologia, precisamos ter nossas marcas, atuando em nível global. Podemos e devemos ter um modelito coboclo-tupiniquim, considerando todas as variáveis que conformam o autodesenvolvimento sustentável. Esse modelito é o processo de growing up. Sua gestão seria realizada pelo que tenho denominado de Conselho Político-Estratégico em Prol das Amazonidades para o Desenvolvimento Industrial e Tecnológico do Amazonas.

Tempo atrás, numa primeira aproximação ao conceito, idealizei um esquema para visualizar a forma como os países centrais se desenvolvem e como os retardatários tentam se emparelhar, comparando tais trajetórias a uma trajetória alternativa, consubstanciada por amazonidades. Minimamente reformulado, é o que segue:

Trajetória Tecnológica dos Países Desenvolvidos (Fronteira Tecnológica)

Fonte: Combustíveis Fósseis



Trajetória Tecnológica dos Países em Desenvolvidos (Industrialização Tardia & Capacitação Tecnológica Tardia)

Fonte: Combustíveis Fósseis




Assim, cantaram e cantam em verso e prosa suas aldeias em escala global, determinando toda uma cultura, que, por sua vez, reproduz o pertinente processo de dominação e hegemonia política e econômica. Há, portanto, um hiato tecnológico muito mais difícil de ser percorrido do que a construção de uma trajetória tecnológica alternativa.

A construção de um capitalismo amazônico, a partir do acaso amazônico via amazonidades, tem a oportunidade de romper com esse determinismo industrial-tecnológico. O acaso amazônico está na possibilidade da construção de capitalismo em paralelo com os países desenvolvidos, mesmo a despeito de um menor capital social disponível em Manaus e na região. A fronteira tecnológica e os locais que se emparelham a ela dispõem de mais cientistas e engenheiros por milhão de habitantes do que Manaus. Entretanto, a criatividade manauara deverá estar a serviço desse propósito, de rompimento daquele determinismo, alinhada à vontade política de longo prazo de novas elites governantes, institucionais e empresariais. Essa nova ponte será estruturada em amazonidades. Do ponto de vista objetivo, a não reversão do processo histórico de construção da sociedade manauara com base em capital e tecnologia exógena determinará a permanente dependência do Projeto ZFM.

Esquematicamente, poder-se-ia visualizar da seguinte forma a lógica do capitalismo amazônico com base em amazonidades:

Trajetória Tecnológica Alternativa: acaso amazônico

Fonte: Desenvolvimento Sustentável combinado com amazonidades


Aí reside a perspectiva da informação e do conhecimento a ser gerado pelo Sistema Manaus de Inovação e pelas externalidades do Projeto ZFM na lógica de uma trajetória tecnológica alternativa, a partir do acaso amazônico, enquanto construção de um capitalismo amazônico, na medida em que, se a industrialização dos países desenvolvidos se deu do produto para o processo, a dos ainda em desenvolvimento se dá do processo para o produto. Hoje, quando os países em desenvolvimentos se aproximam da finalização de suas plataformas industrializadas, os países desenvolvidos afastam-se do produto para a lógica dos projetos, isto é, hoje o maior valor agregado está na terceirização de produção de marcas mundiais, estabelecido os mercados, para a geração de inovações tecnológicas contínuas. Portanto, produzindo aquele determinismo econômico que os países em desenvolvimento não conseguem se livrar.

Em sequência, visualizamos outra alegoria para representar a lógica da concepção do “acaso amazônico”, que contempla uma cadeia de valor, apropriando uma dada ideia para realiza-la no mercado, num processo sistêmico de criação:



O processo de invenção tem fluxo e refluxo, pois exige a incursão de melhorias e inovações perpétuas. A construção de um capitalismo amazônico geraria uma profusão de amazonidades. O acaso amazônico seria nossa arma para combater as mudanças climáticas, pois estaria condicionado à lógica da sustentabilidade, isto é, a realização de produtos e serviços no mercado a partir de insumos e saberes renováveis.

Poderíamos, ainda, adotar outro esquema para perceber as concepções de fronteira tecnológica, cathing up, growing up:



Ou seja, o processo de growing up, via amazonidades, se daria a partir da oferta tecnológica existente em Manaus, a qual serviria a demanda tecnológica pertinente, que seria criada a partir do empreendedorismo científico-tecnológico, que deve ser efetivamente induzido junto com fundos de capital de risco, que deverão ser disponibilizados para fazer frente à construção do capitalismo amazônico. A fronteira tecnológica inerente seria estabelecida através de saltos tecnológicos na medida em que as amazonidades passassem a se constituir no substrato de uma cultura sob a égide da sustentabilidade.

Finalmente, podemos visualizar, ainda, por meio de uma alegoria um indicador para medir no tempo os avanços de Manaus na construção de um capitalismo amazônico. Trata-se do que tenho denominado de Produto Bruto Manauara [PMB], constituído de firmas locais com tecnologia local realizando amazonidades no mercado, em franca concorrência com a indústria de transformação hich tech do PIM, medido pelo PIB. Vejam só o tamanho da encrenca:



Adotei o ano de 2003 como base desse desafio para sinalizar que algo já está em curso com a criação e institucionalização do sistema SECT/FAPEAM. Como tenho tido, apenas devemos acelerar o passo e aprofundar os mecanismos de gestão. Portanto, falta foco, enfrentando o problema de frente e formando consciência coletiva. Por isso, não à toa renovo a cada oportunidade a ideia do Conselho Político-Estratégico em Prol das Amazonidades, citado acima, como barracão de obra e ao mesmo tempo trincheira da construção do capitalismo amazônico. A ferramenta de gestão seria o indicador acima delineado, apontando a visão de futuro desejado, qual seja, de que em 2112, Manaus teria superado a sua dependência em relação ao capital e a tecnologia exógena determinada pelo Projeto ZFM. Nesse canteiro de obras, que se confunde com o próprio chão amazônico, a ordem seria a observância da ética sustentável.

É importante ressaltar que há um conflito entre a tese do growing up com o referencial adotado pelo estado da arte encenado pelo conceito de cathing up. O conflito está no sentido de que na realidade não se tem como fugir do que foi acumulado pela ciência, pela tecnologia e pelo conjunto total de inovações radicais e incrementais que a humanidade produziu, mas que países e firmas se apropriaram na forma de produtos, processos, serviços, marcas, patentes, lucros e conhecimento acumulados. Esse conflito é de somemos, pois está claro que na construção de um capitalismo amazônico consubstanciado por amazonidades o capital social de Manaus deve se apropriar das externalidades do Projeto ZFM. É como se virássemos a fronteira tecnológica de cabeça para baixo. E sabemos que as inversões funcionais oportunizam e robustecem novas visões, clareando novas veredas. Mas com o compromisso de avançar para a lógica do autodesenvolvimento, do caminhar com as próprias pernas, adotando como mote o acaso amazônico em sinergia com a ética sustentável como resposta civilizatória às mudanças climáticas.

O importante é o capital social de Manaus perceber que a proposta do capitalismo amazônico, embora permeado de obstáculos e desafios, traz em seu bojo a oportunidade histórica de se criar um círculo realmente virtuoso e verdadeiro de desenvolvimento. Isso em concorrência com o círculo vicioso de crescimento econômico lastreado pela dependência industrial e tecnológica que o Projeto ZFM determina, condicionando um capitalismo de ordem inferior. Observe-se que essa dependência local em relação ao global é a mesmíssima dependência que a fronteira tecnológica determina em relação à industrialização tardia e capacitação tecnológica igualmente tardia concernente aos países retardatários e até mesmo emergentes, ainda que a economia comandada pela China esteja enforcando os mercados maduros e de consumo extravagante.

Comentamos acima da necessidade de se estabelecer o equilíbrio entre oferta tecnológica e demanda tecnológica para que a economia de determinado local, de cunho capitalista, se reproduza com as próprias mãos e pernas, sob a liderança das mentes locais. Pode-se alcançar esse “equilíbrio” conquistado pelos países centrais, lastreado pelo consumo de combustíveis fósseis, consumo alienado e tecnologia nociva, no mesmo compasso da destruição do meio-ambiente e das relações ecológicas e sociais. Mas podemos construir um “equilíbrio” autossustentável, considerando as especificidades que o momento histórico determina. Esse novo valor, essa nova ideologia é exatamente o desenvolvimento sustentável. E o arsenal de guerra são as amazonidades.

A guerra, todavia, não poderá ser vencida se Manaus não estabelecer condições adequadas para se jogar o bom jogo capitalista, um jogo de ordem superior. Vale dizer, se não se estabelecer a cultura do capital de risco e se não se fomentar o desenvolvimento de amazonidades por meio do empreendedorismo científico-tecnológico, Manaus continuará pisando na maionese, literalmente patinando em relação ao autodesenvolvimento, considerando a lógica capitalista. A construção de um capitalismo amazônico envolve o estabelecimento de uma cultura correlata que conduzirá o processo para além dos governos, para além dos partidos, para além da política menor, para além dos políticos de visão imediatista. Por isso, precisamos criar e institucionalizar o Conselho Político-Estratégico em Prol das Amazonidades para que haja continuidade no tempo longo de uma política de Estado, de uma política maior, de uma visão de futuro de longo prazo.

É de bom alvitre que se registre que não estamos falando aqui da alta ciência e da alta tecnologia; daquela que demanda US$ 1 bilhão para ser aplicado pela massa crítica nos laboratórios e chão de fábrica dos locais mais avançados durante 10 anos para que a inovação chegue ao mercado. Não! Sem macular o rigor acadêmico e método científico, estamos falando da baixa ciência e da baixa tecnologia que traduza as necessidades da população e do meio ambiente em invenções realizando amazonidades no mercado. Mas, mais uma vez e sempre: o foco é a dimensão patrimonial das firmas. E, de forma complementar, exatamente como exige a lógica sustentável: investimentos verdes + tecnologia limpa + consumo inteligente.

Claro, pensamos na fronteira tecnológica, mas pensamos em construí-la ao invés de buscar o emparelhamento. Construir significa estabelecer uma dada, ou melhor, uma sequência de fronteiras tecnológicas a partir de sucessivos e progressivos equilíbrios entre oferta tecnológica e demanda tecnológica, considerando a dimensão patrimonial das firmas como referência para a formulação das políticas industrial e tecnológica. A lógica do emparelhamento está esgotada por força da proximidade de uma nova inovação radical que a economia verde promoverá nos investimentos e negócios, gerando uma nova onda, doravante sustentável, de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Isso sem falar que a fronteira tecnológica joga duro com quem dela se aproxima, recrudescendo as facilidades de negociações pertinentes à propriedade intelectual, industrial e tecnológica, de direitos autorais de marcas e patentes. A lógica do emparelhamento faz parte do mito do desenvolvimento econômico e do progresso social concernente ao século XX que as mudanças climáticas estão redimensionando.

A oportunidade histórica da entrada do conceito dos sistemas locais de inovações na pauta e na agenda dos governos locais e dos Estados nacionais como mecanismo para potencializar suas economias, portanto, a utilização da combinação virtuosa das potencialidades das TICs, da lógica dos arranjos institucionais associados à hélice tríplice e aos sistemas produtivos locais não pode deixar de ser apreendidas em toda a sua plenitude pelo capital social de Manaus para o desafio do autodesenvolvimento. Devemos potencializar a cultura da inovação associada à cultura do empreendedorismo científico-tecnológico e à cultura do capital de risco criando a cultura das amazonidades. Renove-se o pano de fundo da ética, da égide sustentável que permeia a cultura da amazonidades.

É preciso registrar sempre que nada tenho contra as firmas globais que nos ajudam no crescimento econômico: recolhem impostos, remuneram nossa força de trabalho, compram serviços e produtos locais, e transferem tecnologia. Nossas portas devem estar sempre abertas para elas. Mas, não as considero firmas locais mesmo que sejam constituídas sob as regras legais brasileiras e possuam sede em Manaus. Devemos ter consciência que, em última análise, remetem lucros para o país de origem, compram máquinas e equipamentos de recorrentes inovações de alhures, estão protegidas por patentes alheias, recebem royalties pagos como nossos recursos, contratam assistência técnica da matriz, enfim, demandam insumos estratégicos do ponto de vista do segredo industrial e tecnológico de alhures. Em concorrência às grandes marcas e firmas globais que operam no PIM devemos criar um exército de pequenas empresas de base tecnológica para melhor qualificar o uso e a ocupação do chão amazônico. Neste sentido, estaremos apostando na possibilidade da criação de grandes firmas e grandes marcas amazônidas, igualmente globais.

Já tenho sugerido que precisamos prover de energia vital esse processo com uma espécie de nacionalismo amazônico combinado com uma vontade de poder político institucional que assegure a continuidade da dinâmica de construção de um capitalismo amazônico. Mas esses são conceitos e definições da literatura da ciência social que preciso estudar como estudei os da literatura do desenvolvimento industrial e tecnológico. Na realidade, tenho dialogado com um amigo do e no chão institucional sobre a questão, procurando estabelecer um compromisso de estudo e investigação das causas nacionais e locais que determinam nossa sina da tardialidade e da associada dependência frente aos pressupostos do desenvolvimento econômico, e de seus antídotos para fins do autodesenvolvimento.

Nessas ocasiões sempre me lembro de Visconde de Pombal, que gerou a primeira malha de incentivos fiscais para atrair investimentos para a Amazônia colonial; sempre me lembro de que D. Maria, a louca, mandou destruir todos os teares da Colônia para atender ao Tratado de Methuen, que beneficiava a indústria têxtil do Império Britânico em contrapartida do vinho português; sempre me lembro de que a Rei mandou salgar a casa e o local aonde Tiradentes nasceu e viveu para arrancar pela raiz a busca de possibilidades de maior liberdade política no Reino; sempre me lembro de que o momento de reconhecer a independência do Brasil representou abrir mão do estágio mais avançado que a Amazônia disponha em relação ao centro hoje mais dinâmico do país; sempre me lembro de que o gabinete imperial não só não incentivou como obstaculizou o empreendedorismo de Visconde de Mauá; sempre me lembro de que nossas elites preferiram desfrutar do fausto da borracha ao invés de construir as bases do autodesenvolvimento; sempre me lembro de que as drogas do sertão sempre foram objeto de comercialização ao invés de agregação de valor; sempre me lembro de que nossas elites nunca cobraram das elites nacionais o financiamento que o fausto da borracha proporcionou na formação industrial e tecnológica do centro dinâmico do país; sempre me lembro de que a indústria nacional de base nasceu por concessão do Tio Sam em troca de um espaço aliado avançado após momentos históricos de quase-identidade nacional com o Fuhrer e/ou com o Duce; sempre me lembro de que o Fundo Constitucional reservado ao desenvolvimento da Amazônia sob a gestão da SPEVEA/SUDAM nunca chegou a ser formado e aplicado; sempre me lembro de que a primeira política industrial do Brasil foi a de JK cuja natureza de industrialização tardia contrastava com a primeira política industrial do Tio Sam de Alexander Hamilton cuja natureza privilegiava a criação de firmas locais e o desenvolvimento de tecnologia endógena elaborada duzentos anos antes; sempre me lembro, enfim, que continuamos acomodados com a solução parcial, incompleta e, sobretudo, dependente do Projeto ZFM.

Ou seja, ou construímos uma visão de futuro associando-a ao autodesenvolvimento, ou continuaremos a ser o almoxarifado do planeta, espaço “avançado” de reprodução de capital estrangeiro e objeto de políticas públicas tratadas por sujeitos que não vivem na Amazônia.

Cabe aos amazônidas construir uma visão de futuro desejada, que não seja a eterna dependência de plantas industriais de alheios e de alhures! A construção é coletiva, decerto, mas cada indivíduo deve propor um tijolo. Do ponto de vista desta forma ordinária, a tese do growing up segue ratificada! Aqui growing up se confunde com trajetória tecnológica alternativa vertida as amazonidades enquanto projeto de construção de um capitalismo amazônico. A denominação growing up não deve ser entendida como um paradoxo; está posto apenas para rivalizar com seu concorrente cathing up. Amazonidades significa desenvolvimento com a floresta em pé, mas explotando o capital natural da Amazônia! Explotar significa tirar proveito econômico de determinada área, sobretudo quanto aos recursos naturais. Que essa explotação seja com capital local e tecnológica endógena!

Devemos, portanto, promover uma inovação político-institucional a partir da recombinação de variáveis de desenvolvimento para enfrentar a dependência ao capital e à tecnologia exógena e ao mesmo tempo enfrentar as mudanças climáticas. Essa inovação político-institucional transitará do dito, da materialidade hich tech insustentável para o inaudito, para a transcendência das amazonidades sustentáveis, como símbolo, como desafio, como compromisso de uma nova experiência civilizatória na Amazônia, cuja ideologia é exatamente a égide, a ética da sustentabilidade combinada com as exigências do autodesenvolvimento.

Hoje, todos no mundo inteiro estão falando em economia verde. Trata-se de uma exigência do planeta. Para a Amazônia, para os amazônidas, trata-se de uma oportunidade histórica imperdível, pois amazonidades converge para o contexto da economia verde. Apenas com uma especificidade adicional pertinente ao autodesenvolvimento, isto é, de que o mito do desenvolvimento se desdobre no chão amazônico com capital e tecnologia endógena realizando produtos e serviços no mercado a partir de insumos e saberes da floresta.

Malbaratando conceitos correlatos à inovação e a difusão tecnológicas que permeiam a lógica cathing up, podemos dizer que devemos pretender superar a path-dependence que a trajetória tecnológica hich tech determina na economia manauara ao confinar as iniciativas de negócios a um lock-in vinculante. Esse é um padrão alocativo que pode ser transformado e transvalorizado num outro padrão associado a uma trajetória tecnológica alternativa lastreada pelas amazonidades. Um novo padrão convergente à lógica da economia verde que as consciências coletivas nacionais, formatando uma consciência global, começam a impor aos agentes e atores políticos e econômicos de todos os locais do planeta. Os mecanismos e as ferramentas da economia evolucionária, e de suas pertinentes políticas industriais e tecnológicas, podem oferecer a oportunidade para essa transição obrigatória.

Caso contrário, aceleraremos os passos para a extinção da espécie humana junto ao desenrolar dos séculos e milênios e ainda perderemos a dinâmica econômica que o século XXI determinará, ou a ela chegaremos tardiamente como a história sugere ser a sina do chão amazônico.

Essa é a oportunidade histórica ímpar para a Amazônia como tenho dito, pois o cavalo alado está passando no chão amazônico pelos portais da história, junto às barbas amazônicas, aqui&agora. Ou seja, a perspectiva de futuro relativa a construção de um capitalismo amazônico, via growing up, sob a ótica da economia verde representa um lock-out [aqui, diferentemente do determinismo econômico derivado da economia clássica e neoclássica, representando necessariamente o sucesso da trajetória tecnológica alternativa], superando a inércia do capital social de Manaus quanto aos desafios do autodesenvolvimento sustentável, minimamente autônomo e interdependente. Para tanto, temos a faca e o queijo nas mãos, representado pelo Sistema Manaus de Inovação e pelas externalidades do Projeto ZFM. Falta vontade de poder, vontade política, visão de futuro e ações consentâneas e convergentes. Devemos trabalhar hoje, para desfrutar de verdadeiro orgulho no futuro. Hoje não há orgulho, há contentamento e acomodação, pois jogamos um jogo de natureza inferior, movidos por capital e tecnologia exógena e sem observância da ética sustentável. A natureza do capitalismo ainda é a mesma em qualquer local do planeta; a humanidade apenas começa a [re]qualificá-lo sob as exigências da ética sustentável.

Agora, a cultura da inovação tecnológica só será potencializada, a cultura do empreendedorismo científico-tecnológico somente será estabelecida e a cultura do capital de risco somente será induzida se, e somente se, a maioria ou pelo menos 50% do total de todas as pesquisas financiadas em Manaus e na Amazônia forem com considerações de uso, vale dizer, se forem orientadas, direcionadas para o mercado, para a explotação de amazonidades, realizando de forma sustentável produtos e serviços a partir de insumos e saberes da floresta. Precisamos, no mesmo diapasão, que nossa ciências econômicas estude e transmita ensinamentos da economia evolucionária, que nossas ciências da natureza e engenharias desenvolvam e apliquem conhecimentos para potencializar amazonidades e que nossa ciência sociais observe e investigue nosso nacionalismo amazônico. Nesse compasso, daqui a 100 anos, o que hoje é inaudito poderá estar dito.