segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Carta à Presidente [revista e ampliada]

Senhora Presidente,
Gostaria de sugerir, na qualidade de cidadão, que orientasse o próximo Superintendente da Suframa a buscar a construção de um capitalismo amazônico, sem descuidar da consolidação do PIM. Precisamos superar as contradições internas da ZFM, lastreadas pela dependência à atração de investimentos e seus respectivos pacotes tecnológicos! Superar no sentido dialético. Portanto, não nego sua importância relativa para nosso crescimento econômico.
A propósito, registro que apesar de não ter votado na sua proposta de governo, aprovo-a considerando suas ações contra a corrupção, que de resto representa obrigação do poder público, combinada com ações organizadas da sociedade civil. Mesmo tendo historicamente votado no PT, não entendo que o culto à personalidade seja uma ferramenta de consolidação da democracia. Falo da corrente política que se convencionou intitular de "lulismo". Por outro lado, a alternância de poder oxigena o processo democrático.
Além da condição de servidor ativo do Estado brasileiro a serviço na Suframa, tenho uma visão crítica e independente quanto à ZFM, que, de plano, o considero um projeto e não um modelo. Neste sentido, é que faço a sugestão objeto desta mensagem. O grande obstáculo para a construção de um capitalismo amazônico é nossa enorme dependência à economia que o PIM determina, combinada com as necessidades políticas de curto prazo. Portanto, um desenvolvimento minimanente autônomo e interdependente é um projeto de longo prazo. Precisamos de uma política de estado com um horizonte de 100 anos!
Seu governo poderá aprofundar os mecanismos e ferramentas de desenvolvimento associados a conceitos modernos quais Sistemas Locais de Inovação vis a vis Arranjos Produtivos Locais vis a vis Hélice Tríplice em prol do que chamo de forma restrita de AMAZONIDADES adaptado de Armando Mendes que desenvolveu esse conceito com caráter amplo. De caráter restrito porque tem a ver apenas com a realização de produtos no mercado a partir de insumos e saberes da floresta, todavia com capital e tecnologia endógena. Assim, devemos entender o conceito amplo de Armando Mendes como vinculado à cultura amazônica em sua totalidade.
O presidente Lula fez alguns avanços nos marcos regulatórios das ALCs que poderiam ser adaptados para todos os locais amazônicos, mas continuam inócuos por força dos vazios na nossa matriz capitalista, isto é, faltamos estrutura e estratégia empresarial, além de uma ambiência de inovação em sinergia com o empreendedorismo, especialmente o científico-tecnológico. Todavia, a legislação em si ainda é bastante tímida para potencializar mecanismos e ferramentas associados à moderna economia evolucionária. Precisamos avançar!!!
Coroando minhas investigações e reflexões de vinte anos, iniciadas no início dos anos 1990, publiquei neste 2011 um pequeno ensaio que já disponibilizei para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Entendo que essa transparência ilustra minhas intenções puras em benefício dos amazônidas da Amazônia!
Sigamos em busca da Luz sempre na Luz para além da Luz aonde sempre existiu e sempre existirá Luz! Antônio José
Ps.: Se houver conveniência poderei reenviar o Pequeno Ensaio em prol da Construção de Capitalismo Amazônico a partir de Manaus, o qual, de todo modo, pode ser capturado na página http://www.antoniojosebotelho.com/

domingo, 27 de novembro de 2011

Raciocinando por fora do pensamento único: evidências subjetivas de uma esquizofrenia histórica

Esse título poderia ser: “As lições do aprendizado tecnológico Coréia para Manaus”. Ou no máximo: “O processo de industrialização de Manaus e da Coréia: a esquizofrenia de um e a lucidez de outro”. Mas, prefiro o impacto, prefiro levantar a poeira, mesmo correndo o risco de que, ao fim e ao cabo, o esquizofrênico seja eu próprio.

Portanto, a idéia é comparar, por mais esdrúxulo que posso parecer, o desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia do Sul [simplesmente Coréia a partir daqui] com o de Manaus.

Para tanto, há uma necessidade de relativizar as diferenças que absolutizariam o processo de comparação. Isto é, tudo sugere impossibilidades para fins dessa comparação: a) Coréia é um país e Manaus é uma cidade do Norte do Brasil; b) a sociedade coreana é confuciana e a manauara é cristã; c) a nação coreana passou por várias guerras e invasões e Manaus sempre desfrutou de paz; d) o PIB da Coréia [US$ 1,1 trilhão em 2006] é quase-infinitamente maior do que o de Manaus. Certamente, outras razões poderiam ser listadas, até o fato de há muito já se compara a Coréia com o próprio Brasil.

Mas, por outro lado, podemos e devemos comparar a Coréia com Manaus porque ambas tiveram seus processos de industrialização e de aprendizado tecnológico no mesmo período de existência do Projeto ZFM, ainda que admitida margem de uma década como vantagem inicial para a Coréia. A Coréia começou sua industrialização a partir do início da década de 60 do século passado e Manaus a partir da década de 70. Todavia, essa não será a grande diferença como se verá adiante. A lógica da comparação é quanto ao fato da indústria eletroeletrônica, um dos carros-chefe do faturamento do PIM, ter atraído empresas-marcas mundiais-globais coreanas [por exemplo, Samsung e LG] em detrimento da incapacidade de Manaus criar empresas com capital e tecnologia locais nesse setor, apesar de todas as vantagens oferecidas ao capital produtivo.

A sistemática da comparação será a de registrar em forma de nota de roda pé toda passagem da história do desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia que estabeleça confronto com a pertinente história de Manaus, além das considerações assentadas ao final dessa reflexão. A lógica é estabelecer contraditórios-criativos [entenda-se como pontos passíveis de se transitar da esquizofrenia para a lucidez] entre as duas histórias, tantas quantas possíveis frente à experiência deste autor de quase 25 anos de profissionalidade junto ao Projeto ZFM. Nas notas de roda pé estão lançadas sementes para a superação do estado esquizofrênico do nosso modelo de desenvolvimento, considerando a busca por uma autonomia mínima e adequada.

Dados, Informações e Conhecimento [D&I&C] da Histórica do Desenvolvimento Industrial e Tecnológico da Coréia [1]

De plano, registre-se que o indicador utilizado pela Coréia para medir a evolução da sua industrialização é o Produto Nacional Bruto [PNB], em paralelo como o Produto Interno Bruto [PIB]. [2] A disponibilização do PNB oferece uma visão dos esforços da capacitação empresarial e tecnológica [no caso, coreana]. E, por via de conseqüência, um campo visível para atuação eficaz [no caso, do poder público coreano] a partir da formulação de políticas públicas visando uma autonomia industrial e de inovação minimamente adequada. A idéia clara foi afastar o fantasma da dependência com a política do “é possível” aproximar-se, e até mesmo atingir, a fronteira tecnológica, portanto, integrar o seleto grupo dos países mais industrializados [G-7] do planeta.

Em 1960, o PNB da Coréia era de apenas US$ 2 bilhões, evoluindo para US$ 377 bilhões em 1994 e US$ 873 bilhões em 2006. Portanto, se considerarmos que na virada da década de 50 para a de 60 do século passado a Coréia, devastada pela guerra, tinha perdido quase-toda a sua estrutura produtiva, [3] basicamente japonesa, que fora evadida com a conquista de uma nova “independência” [entre vírgulas porque o Estado coreano é milenar, aliás, outra grande diferença frente ao próprio Brasil], pode-se perceber o quanto evoluiu suas empresas, considerando que a participação do PNB no PIB, em 2006, é de 82%. É importante ratificar para o objetivo dessa reflexão, que o foco do avanço industrial [a participação do setor industrial na economia coreana atingiu quase 40% na década de 90 do século passado contra menos de 10% na década de 50] e tecnológico [por força do vigor e da presença das empresas coreanas no jogo global] foi o desenvolvimento do capital e da tecnologia coreanas.

Nesse período histórico, as empresas coreanas partiram da busca para a capacidade da imitação para a capacidade da inovação. Foram três os estágios trabalhados para configurar as capacidades necessárias para a rápida industrialização da Coréia: a) a aptidão para a produção, que garante a operação eficiente dentro dos parâmetros da tecnologia original [adquirida; transferida] e a manutenção dos bens de capital existentes, de acordo com a programação normal; b) a aptidão para investir requeridas ao estabelecimento de novas instalações de produção [tanto em nível econômico quanto de engenharia]; e c) a aptidão para inovar que consiste em criar e levar adiante novas possibilidades tecnológicas através da prática econômica.

A rápida industrialização da Coréia emergiu, então, da capacidade da imitação, enquanto atividade legal [e certamente ilegal – vide adiante parágrafo sobre direitos de propriedade intelectual], no contexto evolutivo das aptidões para a produção, para o investimento e para a inovação. A capacidade para a imitação oportunizou o desenvolvimento da capacidade para a inovação, entendendo-se consolidadas as aptidões vinculadas aos empreendimentos.

As imitações reprodutivas visavam à geração de cópias de produtos com novas características de desempenho. Todavia, a imitação não ocorre no vácuo, requer, portanto, esforços de aprendizado tecnológico e investimentos em P&D, ainda que em escala rudimentar. Há uma escala de progressividade, onde acumulações de competências oportunizam novas combinações de elementos tecnológicos padronizados. A engenharia reversa foi a principal estratégia, junto com a aquisição de tecnologias [fábricas com contratos “chaves na mão”] e a compra de licenciamentos [patentes de tecnologias maduras]. A formação de recursos humanos, tanto para fins empresariais e de gestão, quanto para fins de engenharia e desenvolvimento, oferecem os ingredientes para o círculo virtuoso, contexto da rápida industrialização da Coréia. Ressalta-se, mais uma vez [e sempre], que tudo esteve como está no caso da Coréia, em torno de empresas nacionais de capital coreano [grandes empresas, os chaebols], buscando a apropriação de tecnologia coreana, de aproximação da fronteira tecnológica [a não-atenção devida às MPE´s constituía na primeira metade dos anos 1990 um desafio para o refinamento do Sistema Coreano de Inovação - SCI].

Na medida em que a Coréia foi se aproximando das fronteiras tecnológicas [por exemplo, dos setores de eletrônica e de biotecnologia, que por motivos diferentes interessam a Manaus], as habilidades e atividades necessárias à engenharia reversa foram sendo transformadas em atividades de P&D avançadas. As redes internas, no chão de fábricas, e externas, entre atores do SCI, valem dizer, interações efetivas das empresas com outras organizações [fornecedores; clientes; institutos locais de P&D e universidades], começaram a se consolidar. As empresas coreanas [vale destacar sempre, de capital nacional coreano] começaram a se transformar em indústrias inovadoras e, ao mesmo tempo, em indústrias de imitações criativas [superando as imitações reprodutivas dos anos 60 e 70 do século passado]. Assim, o surto de inovações nos setores automobilístico, eletrônico e de semicondutores [selecionados pelo foco das políticas públicas coreanas para fins de aprendizado tecnológico] durante a década de 90 do século passado foi alcançado na Coréia com a intensificação das atividades de P&D internas às empresas e pela participação em parcerias estratégicas, refletindo o desejo de se tornar membro da comunidade dos países altamente industrializados.

A grande estratégia do Estado coreano foi a combinação harmoniosa entre políticas industriais e políticas tecnológicas. As primeiras entendidas e adotadas como o lado da demanda da tecnologia. As segundas entendidas e adotadas como o lado da oferta da tecnologia. Percebemos, nessa combinação estratégica, a clara intenção da conquista da fronteira tecnológica, enquanto pré-requisito para o desenvolvimento industrial da Coréia [uma postura de Estado, cuja natureza autocrática de governo mostrou-se favorável, mas resta admitir que a flexibilidade organizacional, tanto de governo quanto empresarial, seja melhor arranjo para a era da inovação]. [4]

Nas políticas industriais de cunho desenvolvimentista prevalecentes até a década de 1970, orientadas para criar as condições favoráveis ao crescimento industrial e à transição de um estágio para outro, o governo coreano utilizou uma complexa rede de instrumentos políticos para definir metas de crescimento das empresas. Os objetivos fundamentais concebidos foram: i) a promoção deliberada de grandes empresas como propulsora do aprendizado tecnológico, por meio de um conjunto sistemático de subsídios e incentivos, e ii) a promoção de uma industrialização orientada para a exportação, promovendo crises [criativas e não-destrutivas] no setor privado com vistas à consecução de metas.

A combinação estratégica dos dois objetivos não excluiu a prática da política da substituição de importações para a criação de demanda de transferência de tecnologia estrangeira. A utilização do protecionismo para resguardar o mercado interno dos ramos industriais criados sem vantagens competitivas estáticas também foi outra combinação estratégica. Todas as frentes concebidas, de certo, estavam sob monitoramento do setor público, que pressionava o setor produtivo com metas ambiciosas de exportação, base da avaliação das atividades industriais.

As crises criativas criadas com as metas ambiciosas de exportação obrigaram as empresas coreanas a investir pesadamente em aprendizado tecnológico e a adquirir, assimilar e aperfeiçoar tecnologias estrangeiras para poderem sobreviver num mercado internacional altamente competitivo. Em conseqüência, as empresas inseridas nos ramos de Industrialização Orientada para as Exportações [IOE] aprenderam e cresceram muito mais rapidamente do que as empresas inseridas nos ramos da Industrialização por Substituição de Importações [ISI]. [5]

Assim, por meio das penalidades e dos incentivos do governo coreano, o valor total das exportações da Coréia cresceu de US$ 175 milhões, ou 5,8% do PNB em 1965, para US$ 1.132 milhões, ou 12% do PNB em 1971. Com uma taxa média de crescimento anual de 36,5%, a Coréia passou de 101° lugar entre os países exportadores em 1962, para o 14° em 1986. Em 2007, atingiu a 11°posição no ranking mundial com um valor total US$ 372 bilhões, representando um crescimento de 2.025% em relação a 1965. Uma marca realmente espetacular.

Antes de começar a registrar os pontos relevantes das políticas tecnológicas empreendidas na Coréia para fortalecer o lado da oferta da tecnologia à sua rápida industrialização, cabe abordar a questão dos direitos de propriedade intelectual, enquanto principal argamassa entre o capital e a tecnologia coreanos [aliás, de todo capital e tecnologia nacionais]. Sabe-se que a imitação através da engenharia reversa de produtos estrangeiros existentes foi o principal suporte de industrialização dos países em processo de catching-up [dito num português mais claro, países de industrialização tardia ou recente e em busca da condição de países altamente industrializados com autonomia tecnológica] até meados da década de 1980. Nessa trajetória, muitos países se recusaram a respeitar as leis de propriedade intelectual até a conquista da auto-suficiência, fato histórico para o Japão em 1976, quando dominou a produção de seus próprios materiais vis a vis seu sistema de patentes. Hoje, os Estados Unidos tornaram-se os guardiões dos direitos de propriedade intelectual-internacional, forçando os países menos preparados a respeitá-los. Não à toa, portanto, o SCI estabeleceu desafios para inovações avançadas junto à fronteira tecnológica, face ao endurecimento do jogo de fornecimento e transferência de tecnologias. [6]

As políticas tecnológicas, além de criar aptidões para a oferta de tecnologia, procuraram fortalecer os vínculos entre demanda e oferta tecnológica vis a vis a industrialização coreana. As perspectivas dos fluxos de tecnologia – sua transferência [envolvendo investimentos estrangeiros diretos (IED) + licenças de tecnologias estrangeiras (LTE) + importação de bens de capital (IBK)] e difusão associadas às atividades de P&D locais – permitem perceber como a Coréia conseguiu se aproximar da fronteira tecnológica.

A transferência de tecnologia estrangeira para a Coréia, entre 1962 a 1993 se deu fundamentalmente com dois grandes fornecedores: o Japão e EUA. O primeiro, no que concerne aos IED, evoluindo de US$ 8 milhões, no período 1962-66, para US$ 441 milhões, no período 1992-93, com pico no período 1987-91, quando a monta totalizou US$ 2.122 milhões. A curva do segundo é semelhante, respectivamente, de US$ 25 milhões para US$ 720 milhões, com pico no mesmo período de US$ 1.478 milhões. Ou seja, a década de noventa demonstra realmente a contextualização de que a Coréia inicia sua fase de maior independência industrial e tecnológica. Tal perspectiva se confirma com as duas outras variáveis, que igualmente se comportam com a mesma curva: i) o Japão contribuindo para LTE com uma evolução que vai de US$ 5 milhões até US$ 619, com pico de US$ 1.384. Já os EUA, de US$ 8 milhões até US$ 871 milhões, com pico de US$ 2.122; ii) o Japão contribuindo para IBK, de US$ US$ 148 milhões até US$ 25.337, com pico em US$ 54.461. Já os EUA, de US$ 75 milhões até US$ 18.832, com pico de US$ 33.098. Os valores que complementam as três categorias de transferências de tecnologia estrangeira são pertinentes a outros países e variam entre 20% a 30% dos valores totais. Registre-se, que valores absolutos e relativos, a estratégia da IBK preponderou nos anos demonstrados.

O volume dos IED e a sua proporção em relação ao total de empréstimos estrangeiros foram significativamente inferiores na Coréia em comparação aos de outros países de industrialização recente. Por exemplo, o estoque de IED na Coréia em 1983 era equivalente apenas a 7% dos investimentos no Brasil. Isso mostra uma explícita política de promoção de independência administrativa da Coréia com relação às empresas multinacionais. [7] Devido a isso, diversamente do que ocorreu no Brasil e ocorre no PIM, o investimento estrangeiro teve impacto mínimo na economia coreana. Contrariamente, a Coréia fomentou a transferência de tecnologia nos primeiros anos por meio da compra de fábricas prontas com contrato “chave na mão”, que geravam as LTE associadas à assistência técnica necessária para treinar engenheiros locais para operarem as fábricas, e da IBK, o que ainda foi visto como obstáculo para a indústria local desses bens, protelando o seu desenvolvimento. Por outro lado, as IBK tornaram-se a principal fonte de aprendizado das empresas coreanas por meio da engenharia reversa.

Em resumo, a Coréia restringiu os IED, mas promoveu a transferência de tecnologia por outros meios, como a IBK, nos primeiros anos de sua industrialização. O capital foi adquirido sob a forma de empréstimos estrangeiros. Essa política, formulada para manter a independência administrativa das empresas coreanas em relação às multinacionais, foi efetiva para forçá-las a tomar a iniciativa e a desempenhar um papel central no aprendizado – ou seja, na aquisição, assimilação e aperfeiçoamento das tecnologias importadas, em vez de ficar dependendo inteiramente de fontes externas. [8]

Por sua vez, o sistema de apoio à difusão tecnológica coreano, composto de agências do governo, agências públicas patrocinadas pelo governo e agências privadas sem fins lucrativos, visando à efetiva apropriação das tecnologias importadas, foi considerado tão importante quanto como a própria aquisição da tecnologia estrangeira. As intervenções do governo criando as instituições necessárias deram origem a um processo de aprendizado local das empresas, resultando numa efetiva aquisição dos conhecimentos disponíveis em outras partes da economia.

Em 1962, o governo coreano criou um centro de informações científicas e tecnológicas. Em 1966, fundou um instituto público de pesquisa para atuar como agente de difusão. Em 1973, promulgou a Lei de Promoção de Serviços de Engenharia, a qual estipulava que, dentro do possível, todos os projetos de engenharia deveriam ser solicitados a empresas locais, contratados como principais fornecedores e tendo parceiros estrangeiros como participantes minoritários. Em 1980, o governo coreano introduziu uma ampla rede de sistemas de apoio técnico governamentais, públicos e privados [sem fins lucrativos] para promover a difusão das tecnologias na economia, em particular entre as pequenas e médias empresas [o não-vigor desse segmento foi considerado um gargalo para o desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia pelo menos até os anos 1990]. Em resumo, já na década de 1980, a Coréia desenvolveu uma elaborada rede de sistemas de apoio técnico para a difusão de tecnologias, os quais têm se desenvolvido de forma dinâmica em resposta às mudanças nos diversos ramos industriais.

As políticas industriais e tecnológicas implementadas entre 1960 e 1990 podem ser divididas em dois grandes períodos: i) décadas de 1960 e 1970; e ii) décadas de 1980 e 1990. A política industrial do primeiro período foi fundamentalmente baseada na promoção deliberada das grandes empresas orientadas para a exportação. Por sua vez, a política tecnológica restringiu os IED e as LTE, priorizando as IBK e promovendo, em paralelo, as agências, institutos e centros de pesquisa públicos. Já no segundo período, as políticas industriais fundamentalmente buscaram a proteção dos direitos de propriedade intelectual combinada com a mudança de ênfase para P&D, associadas à formação de amplas redes de difusão combinada com a promoção das atividades de P&D nas empresas. Adicionalmente: a) foi mantida a orientação para a exportação; b) foi adotada inversão da prioridade em relação a IBK vis a vis IED + LTE; c) foi adotada a liberação financeira e do comércio exterior e a promoção das PME, dentre outros.

Portanto, a ambiência do segundo período, no que concerne ao aprendizado tecnológico, estava posto para a realização de pesquisas e desenvolvimento locais, superando o cunho “desenvolvimentista” do primeiro período, abrindo caminho para o desenvolvimento em bases mínima e adequadamente autônomo.

As empresas coreanas adquiriram e assimilaram tecnologias estrangeiras no primeiro período principalmente através de engenharia imitativa. Em seguida, no segundo período, o governo coreano passou a dedicar maior atenção às atividades locais de P+D, visando dar conta da presença progressiva de indústrias intensivas em tecnologia, basicamente por meio de dois mecanismos principais: investimentos diretos em P+D [infra-estrutura de C&T e atividades nos institutos de pesquisa públicos] e pacotes de incentivos indiretos [estímulos financeiros e tributários ao setor produtivo] [9].

Em 1966, o governo coreano criou o Instituto de Ciência e Tecnologia da Coréia (ICTC) na qualidade de um centro técnico integrado e multidisciplinar para apoiar o aprendizado tecnológico nos diversos ramos industriais. Para poder acompanhar a crescente sofisticação e diversidade das novas tecnologias dos anos seguintes, o governo criou vários institutos de pesquisa a partir do desmembramento do ICTC. Cada um deles projetado para desenvolver aptidões em profundidade nas áreas de alta prioridade industrial, dentre elas eletrônica, incluindo semicondutores, maquinaria, produtos químicos, dentre outros. O Pólo Científico Taedok, fundado em 1972, possuindo catorze institutos de pesquisa governamental e três instituições de ensino universitário, conseguiu atrair mais de onze laboratórios de P&D empresariais. Na primeira metade dos anos 1990, outras dezoito empresas planejavam estabelecer seus laboratórios de P&D nesse Pólo, o que pode ter transformado-o numa região de alta tecnologia na Coréia. Mas não tinha conseguido tornar-se, pelo menos até aquela época, num parque industrial efervescente, com pequenas e médias empresas de base tecnológica. Ainda em 1975, a criação do Instituto Avançado de Ciência da Coréia, um centro de pós-graduação orientado para a pesquisa em ciências aplicadas, oferecendo programas de mestrado e doutorado, qual, acrescido de outro em 1995, formam quase a metade dos pesquisadores com doutorado em ciências e engenharia da Coréia.

Além dos esforços de realização de P&D nas universidades e institutos públicos, e na área militar, deve-se destacar o apoio indireto do governo às atividades de P&D voltadas à produção. O governo coreano, como já dito acima, ofereceu vários incentivos fiscais e financiamento preferenciais para as atividades empresariais de P&D nas décadas de 1960 e 1970. Mas, a combinação de uma taxa de juro alta e a falta de uma compreensão clara da necessidade de investimentos nessa área, uma vez que as tecnologias estrangeiras eram facilmente adquiridas, assimiladas e disponibilizadas a partir de diferentes fontes, refletiu numa escala de resultados. Foi somente no início da década de 1980 que os empréstimos preferenciais para P&D tornaram-se o principal meio de financiamento das atividades privadas de pesquisa. Os incentivos fiscais têm sido outro mecanismo indireto para disponibilizar fundos para a atividade de P&D das empresas. Os principais são: i) os direcionados para a promoção de investimentos em P&D nas empresas; ii) as tarifas reduzidas sobre a importação de equipamentos e suprimentos para P&D; iii) as deduções de despesas de P&D anuais não-capitalizadas e dos custos de desenvolvimento de recursos humanos do Imposto de Renda; e iv) a isenção de impostos territorial e predial sobre os imóveis utilizados para atividades de P&D. Os incentivos incluem um programa de redução de impostos, o Fundo de Reserva para o Desenvolvimento Tecnológico, por meio do qual a empresa pode destinar até 3% [4% para os setores industriais de alta tecnologia] do montante de suas vendas num determinado ano para ser empregado em atividades de P&D nos três anos seguintes. [10]

Outros incentivos fiscais têm sido aplicados na Coréia para: i) a redução dos custos de aquisição de tecnologia estrangeira; ii) para promoção das empresas de base tecnológica; iii) a redução dos custos com a comercialização de tecnologias nacionais; iv) a redução de custos com a introdução de novos produtos; e v) a promoção das empresas de capital de risco. Além disso, o governo coreano tem introduzido programas de apoio indireto às atividades de P&D específicas do setor industrial, como o para tornar alguns produtos coreanos selecionados de classe mundial. Em 1992, o governo coreano iniciou a Programa de Apoio à Difusão Tecnológica para estimular pesquisadores dos institutos públicos a deixarem seus empregos e estabelecerem novas empresas de base tecnológica [algo semelhante veio acontecer no Brasil 15 anos, depois com a promulgação da nossa Lei de Inovação]. Em 1993, o governo introduziu o Programa para Comercialização de Novas Tecnologias, oferecendo financiamentos preferenciais para o desenvolvimento local de atividades direcionadas para P&D e comercialização de novas tecnologias.

De uma forma geral, não há como desenvolver produtos intensivos em tecnologia sem investimentos em P&D. Portanto, não à toa, mas para justificar a conquista da industrialização coreana com base numa ambiência de inovação, o investimento em P&D aumentou de US$ 2 milhões para US$ 10 bilhões em 1994. Se do início do primeiro grande período [1960-1970] até o primeiro quarto do segundo [1980-1985] do curso das políticas industriais e tecnológicas predominava a participação percentual do governo no total dos investimentos, variando de 97% até 61%, nos ¾ finais do segundo grande [1980-1990] predominou a participação do setor produtivo naquele total, indo de 75% para 84%. A participação desses investimentos, nesse período [1960-1990] partiu de 0,26% para 2,61% do PNB. O número de pesquisadores atingiu 117.446 em 1994, destes 59.281 [exatamente 50% do total] estavam trabalhando no setor privado, nos 1980 centros de P&D empresariais. Uma evolução espetacular, considerando que em 1965 não havia nenhum centro de P&D empresarial na Coréia do Sul, e que, portanto, a quase-totalidade dos pesquisadores [97%] estava trabalhando nos institutos e centros de pesquisa públicos. Não há dúvida quanto ao sucesso da política de inovação coreana, considerando a premissa de que a mesma ocorre no mercado a partir da realização econômica da empresa.

Não bastasse essa trilha, o governo coreano, buscando melhorar os índices de competitividade internacional, lançou, já no meado dos anos 1990, a “política de globalização total”, cujo comitê, integrado por ministro e vinte e três representantes do setor privado, definiu doze tarefas principais, incluindo a reforma do sistema educacional e ensino de línguas e estrangeiras, o desenvolvimento de recursos humanos para indústrias que emergirão das tendências tecnológicas e a aceleração da disponibilidade de informações para a sociedade. Claro, que ao passo do ambiente político, o aprendizado tecnológico coreano percorreu condições ambientais, tanto educacionais e quanto sociocultural, favoráveis que moldaram o sucesso da rápida industrialização da Coréia do Sul. Este é um pressuposto que nos à percepção de não existem receitas de bolo, mas a comparação entre histórias é necessária.

A oportunidade e conveniência da comparação estão representadas especialmente quanto ao substrato da lógica do sistema capitalista, como se está tentando salientar e realçar constantemente ao longo dessa reflexão, qual seja, de que os conjuntos de políticas industriais e tecnológicas devem ser tomados, necessariamente, a partir da dimensão patrimonial das empresas da sociedade, da região ou do país objeto de planejamento.

É exatamente a partir da dimensão patrimonial que parte a estratégia do desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia, na medida em que insere o processo de aprendizado dinâmico na empresa coreana no centro das estruturas analíticas. A partir desse centro, claro e explícito, é que se constrói a estrutura institucional [meio ambiente institucional] necessária ao diálogo com a estrutura da trajetória da tecnologia [microambiente tecnológico global]. Concebidas corretamente essas estruturas, molda-se favoravelmente a estrutura de transferência de tecnologia para o benefício último dedicado ao aprendizado tecnológico do fulcro central que é exatamente o conjunto das empresas nacionais coreanas.

O aprendizado tecnológico das empresas coreanas, adotando a Coréia como um país em processo de catching-up, diferentemente dos países avançados, [11] partiu da fase de aquisição, passando pela assimilação e atingindo a capacidade de aperfeiçoamento das tecnologias transferidas, e até mesmo de geração de novas tecnologias. Ao final desse processo de aprendizado tecnológico [que se impõe permanente] é que as empresas coreanas conquistaram [ou conquistarão] a capacidade tecnológica para a geração de novas tecnologias [ou inovações], quer sejam em nível radical, na forma fluída, quer em níveis incrementais, na forma madura, passando pela forma transitória de consolidação. Nessa seqüência invertida à dos países avançados [vide nota de roda pé n° 11], o fluxo e refluxo de I&D&C via transferências de tecnologia é permanente e intensivo em todas as fases, isto é, quer na fase de aquisição combinada com a madura, quer na de aperfeiçoamento combinada com a fase fluída, passando pela fase de aperfeiçoamento combinada com a de consolidação. [12] Portanto, ocorre uma integração das duas trajetórias tecnológicas, pois os países em processo de catching up que adquirem, assimilam e chegam a aperfeiçoar com sucesso as tecnologias estrangeiras maduras, repetem o processo com tecnologias mais avançadas na fase transitória disponíveis nos países desenvolvidos. Com a progressividade da acumulação da capacidade tecnológica podem ter sucesso para gerar novas tecnologias na fase fluída e desafiar empresas nos países desenvolvidos [esse é um ponto fundamental que só é possível se a dimensão patrimonial for encarada]. Ou seja, quando um número significativo de ramos industriais atinge esse estágio, o país pode ser considerado desenvolvido.

Até agora, somente o Japão pode ser considerado o único país em processo de catching up a chegar a essa fase no século XX. Essa estrutura permite compreender o ambiente tecnológico global dinâmico e em constante mudança, no qual as instituições e as empresas têm que operar [as empresas amazonenses terão que ser constituídas e enfrentar esse desafio, especialmente nos setores eletrônica e biotecnologia].

A estrutura do ambiente institucional deve ser desenhada de forma a moldar adequadamente o capital social dos locais tendo em vista o desafio do desenvolvimento industrial e tecnológico minimamente autônomo. A aquisição de capacidade tecnológica é um processo de aprendizado complexo em todos os níveis da sociedade. Para as empresas de países [ou de locais, no caso Manaus] em processo de catching up, podem existir várias fontes de aprendizado tecnológico. Basicamente, podem ser classificadas em três grupos: i) a comunidade internacional; ii) a comunidade nacional; e iii) os esforços internas das empresas [empresas de capital local, diga-se sempre]. Complementarmente, cinco fatores mais importantes que influenciam o progresso de aprendizagem: i) o ambiente de mercado e de tecnologia; ii) as políticas públicas; iii) a educação formal; iv) a sociocultura; e v) a estrutura organizacional. As interações das empresas com essas fontes e a influência dos fatores nesse processo interativo é que constituem a “receita de bolo” de cada país, de cada região ou de cada local que deseja se vê mínima e adequadamente desenvolvido. [13]

No que concerne ao desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia, deseja-se ratificar a lógica comparativa para o benefício de Manaus, isto é, a partir dos esforços internos das empresas, admitindo que Manaus possa ter e/ou deverá ter empresas de capital amazonense nos setores da eletrônica e da biotecnologia, por exemplo, combinado com políticas públicas. Como tudo pode acontecer?

Ainda que se admita que a capacidade tecnológica derive também das interações das empresas com a comunidade internacional e nacional, é no chão de fábrica o local em que se dá o mecanismo interativo entre a capacidade tecnológica existente propriamente dita numa empresa e sua experiência de produção e em atividades de P&D. Isto é, a capacidade tecnológica derivada das operações produtivas, [14] o aprendizado se dá pela prática, isto é, quanto mais prática adquirirem as empresas [de capital local, diga-se enquanto durar o sistema capitalista], mais capazes elas se tornarão de desempenhar as atividades que já dominam, permitindo, além disso, que elas reconheçam e explorem novas informações relevantes para determinados métodos de produção, a fim de melhorarem seus próprios processos [campo fértil para inovações incrementais de processo]. Mas, a capacidade tecnológica também é gerada como um subproduto das atividades de P&D de uma empresa. Quanto mais difícil o aprendizado, mais conhecimento precisa ser acumulado por meio de P&D para que o aprendizado efetivo possa ocorrer. Quanto mais difícil o ambiente de aprendizado, maior o impacto marginal das atividades de P&D na capacidade tecnológica. As atividades de P&D permitem que as empresas fiquem atentas para o significado de novos sinais externos e que explorem as informações disponíveis de forma mais eficiente. A capacidade tecnológica decorrente das atividades de P&D também permite que as empresas identifiquem tipos de associações e vínculos por elas nunca antes considerada, conduzindo à criatividade na pesquisa, no desenvolvimento e nas atividades de engenharia.

Claro deve estar que as interações com a comunidade internacional e nacional com os esforços internos às empresas se cruzam e se fortalecem entre si. As interações efetivas com aquelas comunidades facilitam os esforços internos, enquanto os esforços internos promovem interações com as comunidades externas, em ambos os casos por meio do processo de aprendizado tecnológico.

Como dito acima, os processos que envolvem as interações e o conseqüente aprendizado tecnológico sofrem a influência de cinco fatores: o ambiente de mercado, a educação formal, a sociocultura, [15] a estrutura organizacional e as políticas públicas.

Conforme sugerido acima, dos fatores colocar-se-á as circunstâncias vinculadas às políticas públicas [16]. O governo pode [certamente deve] exercer um impacto significativo no processo tecnológico através de medidas diretas e indiretas tais como políticas industriais e tecnológicas, especificamente vinculadas ao desenvolvimento industrial e tecnológico.

Essas políticas afetam, estimulando as interações entre as empresas com a comunidade internacional ao regular o afluxo de tecnologias estrangeiras. Igualmente afetam, estimulando as interações com a comunidade nacional na medida em que influenciam a disponibilidade e eficácia das instituições de ensino e pesquisa. Afetam, estimulando ainda as interações entre empresas e das empresas com o mercado por modelarem as organizações industriais. Ou seja, essas políticas públicas definem os ambientes macroeconômicos em que as empresas têm que funcionar, atingindo direta e indiretamente o processo de aprendizado tecnológico. [17]

A dinâmica do aprendizado tecnológico a partir dos esforços empresariais [empresas de capital manauara, insiste-se] deve ser cruzada com a base de conhecimentos existentes. A melhor estratégia é a combinação de uma alta intensidade de esforço com uma alta base, o que oportunizaria uma capacidade tecnológica crescente em níveis acelerados. Mesmo considerando uma baixa base de conhecimento, mas desde que associada com um intenso esforço de busca de aprendizado tecnológico, que caracteriza uma perspectiva de baixa, mas crescente capacidade tecnológica é melhor do que um baixo esforço empresarial frente à dinâmica do aprendizado. As combinações com uma baixa intensidade de esforço é sempre desvirtuoso, pois leva a condições de decréscimo na dinâmica do aprendizado.

A dinâmica do aprendizado tecnológico, por sua vez, estabelece correlação com os modos de transferência da tecnologia para as empresas [mais uma vez e sempre, empresas de capital local] em processo de catching up. Claro, quanto mais intenso o esforço junto a uma elevada base de capacidade tecnológica maiores serão as oportunidades de se efetivar a transferência de tecnologia, cuja lógica, ao fim e ao cabo, será conquistar aproximações junto à fronteira tecnológica dos diversos setores, desafiando as empresas dos países avançados. Claro, o modo de transferir tecnologia através das fronteiras nacionais é determinado pela capacidade de absorção do comprador. Se o comprador tiver capacidade suficiente, ele pode adquirir de forma efetiva a tecnologia estrangeira sem custos de transição, e fabricar cópias por meio de engenharia reversa, iniciando todo o circuito evolutivo até atingir o estágio de criação de tecnologias. Basicamente são quatro os modos: i) mecanismos formais, tais como IED, LTE, fábricas com contrato “chave na mão” e consultorias; ii) comércio de commodities na forma de transferência de maquinário padrão; iii) mecanismos informais tipo assistência técnica de compradores e de fornecedores estrangeiros, e iv) mecanismos informais tais quais engenharia reversa, observação, revistas e periódicos técnico-comerciais, engenharia reversa avançada. [18] Quando determinados setores industriais dos países e/ou de suas regiões alcançam estágios adiantados de capacidade tecnológica, a fusão/aquisição e alianças estratégicas também constituem mecanismos essenciais de transferência de tecnologia, onde as empresas locais precisam gerar novas tecnologias na fronteira do conhecimento.

As empresas coreanas do setor industrial de semicondutores, por exemplo, em seu processo de aprendizado tecnológico, na medida em que precisavam avançar ou que precisavam fortalecer suas capacidades tecnológicas, compravam empresas estrangeiras em dificuldades financeiras, mas com conhecimento acumulado, e montavam centros empresariais de P&D em países desenvolvidos, buscando em ambos os casos acelerar a dinâmica do aprendizado. [19]

Existem várias questões que implicariam num aprofundamento do estudo do processo de aprendizado tecnológico das empresas coreanas que não serão objeto dessa síntese-reprodução. A principal delas está vinculada com a disposição dos fornecedores de tecnologias de continuarem a licenciar ou não patentes para o desenvolvimento industrial e tecnológico da Coréia. De qualquer sorte, tal expectativa somente será pertinente quando Manaus fizer a “tarefa de casa”, isto é, configurar o seu próprio conjunto de empresas que tornarão mínima e adequadamente autônomo o seu próprio desenvolvimento industrial e tecnológico. Portanto, é claro que o mundo hoje não é mais o mesmo de quarenta anos atrás, mas até por isso mesmo, fica a sensação de tempo perdido, com uma estratégia esquizofrênica.

O que rola e pode rolar em e por Manaus?

Linsu Kim, nos finalmente de seu livro Da Imitação à Inovação, faz uma série de argumentações sobre implicações do processo de aprendizado tecnológico da Coréia. Aborda implicações para os recipientes e fornecedores de tecnologias, implicações para a administração empresarial e para as políticas públicas, e implicações para o futuro da Coréia e para outros países em processo de catching up, para fechar com o paradoxo de Ícaro. Mas, desejo para finalizar a minha reflexão ater-me a apenas um aspecto das implicações para outros países [no caso Manaus], exatamente o sub-tópico que o Kim intitulou de “aspectos que podem ser imitados”.

O entendimento de que a estratégia foi esquizofrênica parte da premissa de que há evidências de que o processo de catching up de Manaus, cujo processo de industrialização começou com atividades como montadoras, expandindo para operações mais complexas, seria quase-semelhante com o processo da Coréia, que partiu da engenharia enquanto estágio inicial do trinômio P&D&E, preparando-se para esforços mais avançados de desenvolvimento e pesquisa, caso tivesse sido [a estratégia] assentada numa percepção explícita da dimensão patrimonial das empresas beneficiadas com o Projeto ZFM.

Creio ter chegado a hora de se estabelecer o contraditório-criativo ao termo [forte] proposital e largamente utilizado nesta reflexão: esquizofrenia. Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição revisada e ampliada da Nova Fronteira, significa, dentre outras coisas, “afecção mental caracterizada pelo relaxamento das formas usuais de associação de idéias” e “perda de contato vital com a realidade”. Por que então esse termo foi utilizado? Porque há anos que entendo que o capital social de Manaus está escravizado [no sentido de que não se percebe a oportunidade e a conveniência da criação de empresas amazonenses como uma estratégia portadora de futuro] pela lógica da atração de investimentos, deixando-a de adotar como forma complementar de um desenvolvimento industrial e tecnológico mais amplo. Vale dizer que as outras formas, quais sejam criar e consolidar empresas [de capital local, sobretudo] deveria dividir energia [tempo + dinheiro + inteligência] com aquela forma.

Ora, qual é a tipologia de organização política do Planeta Terra? O Planeta Terra está estruturado em Estados nacionais. Qual é o sistema de produção e distribuição de bens e mercadorias que predomina albergado por esses Estados nacionais? É o sistema capitalista. E em qual pilar fundamental esse sistema capitalista está assentado? Na propriedade privada [dono do capital], é claro. Pois bem, dentro desse contexto, a propriedade intelectual [dono da tecnologia] se aglutina com a propriedade privada dando forma ao desenvolvimento industrial e tecnológico dos países, de suas regiões e locais, que se querem ver mínima e adequadamente autônomos. Essa perspectiva ganha contornos mais ainda esquizofrênico se incluirmos a discussão na dimensão da ciência política, onde o conceito de soberania, em sua dinâmica a partir do globalismo, evoluiu além da simples posse política de um território ocupado por nacionais, para se albergar no poder político com base no uso do território com capital e tecnologia nacionais. Essa dinâmica no contexto da Amazônia fica ainda mais exponenciada. Esse é o nosso maior desafio para o século XXI [o ministro Mangabeira que o diga].

Dizem os especialistas que a esquizofrenia não tem cura em seus estágios avançados. Mas creio que Manaus pode reverter sua estratégia esquizofrênica estabelecendo uma estratégia equilibrada [lúcida] com saúde plena do seu capital social. Vale dizer, passaríamos a adotar as três vertentes [criação, atração e consolidação de empresas] com vigor, com a mesma energia. Essa possibilidade é tanto maior na perspectiva de uma trajetória tecnológica alternativa, a partir do acaso amazônico, tomando como meio o Projeto ZFM. Essa foi a tese fundamental desse autor defendida na brochura de título imanente, citada na nota de roda pé n° 6 e 12. Isto é, contrariamente ao que defendeu Linsu Kim em seu livro de que o processo de catching up dos países em desenvolvimento deve ter um sentido inverso ao conquistado pelos países desenvolvidos, locais emergentes como Manaus pode e deve construir sua própria trajetória tecnológica a partir da criação, da geração de tecnologias. Considera-se, para tanto, que Manaus já dispõe de ciência e tecnologia suficiente para transformar insumos e saberes da floresta em bens e serviços realizáveis no mercado em permanente processo de inovação. É pensar alto e grande; é adotar a política do “é possível” adotada na Coréia. Mas para tanto alguns ajustes precisam ser feitos para superar a esquizofrenia e se conseguir a saúde mental [plena, equilibrada e lúcida] do capital social de Manaus. É, portanto, absolutamente necessário ter lucidez para conduzir o desenvolvimento industrial e tecnológico de Manaus a partir da organização política vigente no Planeta Terra.

Ou seja, na perspectiva deste autor, a industrialização dos países desenvolvidos se deu do produto para o processo, a dos ainda em desenvolvimento se dá do processo para o produto, que converge para os argumentos de Linsu Kim. O viés quanto aos argumentos de Linsu Kim, é que, hoje, apesar do entendimento comum de que os países em desenvolvimento podem se aproximar da finalização de suas plataformas industrializadas, este autor entende que os países desenvolvidos afastam-se do produto para a lógica dos projetos, isto é, hoje o maior valor agregado está na terceirização de produção de marcas mundiais, estabelecidas os mercados emergentes, para a geração de maiores inovações tecnológica. Linsu Kim, que acredita na possibilidade dos países em processo de catching up tornarem-se desenvolvidos, corroborou, contudo, para o entendimento desse autor argumentando as exigências quando a propriedade intelectual, que perpassa pela resistência óbvia em conceder licenças de tecnologia por parte dos detentores de patentes [vide nota de roda pé nº 18]. Portanto, a produção de um determinismo econômico, que os países em processo de catching up não conseguem se livrar é permanente. Assim, o acaso amazônico tem a oportunidade de romper com esse determinismo. Conforme já antes mencionado, somente o Japão conquistou a condição de país desenvolvido, segundo Linsu Kim, o que, se não valida, leva-nos a refletir sobre a real oportunidade de o acaso amazônico oferecer veredas para uma trajetória tecnológica alternativa [o ministro Mangabeira que o diga]. [20]

Linsu Kim sinaliza quatro aspectos do processo de catching up da Coréia que podem ser imitados: i) o estabelecimento de uma liderança transformadora, com uma orientação e uma forte determinação para promover mudanças [a Coréia teve uma forte liderança governamental]; ii) a emulação das políticas industrias e tecnológicas [a Coréia adotou a política industrial como demanda e a política tecnológica como oferta do processo de aprendizado tecnológico das empresas coreanas – negritei de propósito]; iii) a expansão dos sistemas educacionais [a Coréia preparou-se educacionalmente de forma antecipada para a conseqüente industrialização]; e, iv) a construção de crises para acelerar o processo de aprendizado tecnológico [a Coréia provou ser uma experiência útil].

Acredito que uma governança sinérgica do Sistema Manaus de Inovação [SMI] pode se constituir numa liderança transformadora [primeiro aspecto a imitar] para capitanear o processo nosso desenvolvimento industrial e tecnológico. Especialistas locais, Guajarino de Araújo Filho, Niomar Pimenta e Dimas Lasmar, em recente artigo intitulado “A Emergência de um Sistema de Inovação no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governança”, publicado em junho de 2008 na Parcerias Estratégicas, publicação semestral de número 26 do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE, concluem do ponto de vista da oferta, à página 278, que “a emergência de elementos essenciais a um sistema local de inovação é algo concreto e perceptível para quem acompanha o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado do Amazonas ... e ainda com a vantagem de estar se intensificando nos últimos dez anos”. No corpo das ponderações, os especialistas salientam, à página 274, o importante lado da demanda, representada pelo grande laboratório PIM, a existência de “um robusto parque industrial, com empresas de grande e pequeno porte capazes de concretizar um esforço conjunto para a inovação. Envolvendo conexões corporativas internacionais, domínio de práticas de classe mundial em gestão, além da capacidade técnica para interlocução, o PIM possui amplo potencial para apresentação de demandas e execução de projetos de inovação”. Os especialistas observam, finalmente para o que interessa ao fulcro dessa reflexão, que a concatenação entre ofertas e demandas deve ser fortalecida para o desenvolvimento de uma ambiência propícia à inovação em Manaus.

Em 2005, com a publicação da segunda edição do Redesenhando o Projeto ZFM, este autor já sinalizava para a tendência de formação do SMI, quando descreveu, minimamente, no ensaio “Indústria Eletroeletrônica de Consumo do PIM: gargalos, tecnologias, competências, tendências, ameaças e oportunidades”, o conjunto sistemático pertinente que compreende a ação cooperada e em confiança de muitas instituições locais, regionais e nacionais: a Suframa, a Agência de Fomento do Estado do Amazonas [AFEAM], o Banco da Amazônia [BASA], o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico [CNPq], a Financiadora de Estudos e Projetos [FINEP], dentre outras, oferecendo suporte financeiro para a execução de P&D e o empreendedorismo; a Universidade Federal do Amazonas [UFAM], o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia [INPA], o Instituto Genius, a Fundação Paulo Feitoza, a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica [Fucapi], o Centro de Biotecnologia da Amazônia [CBA], o Centro Tecnológico do PIM [CT-PIM] dentre outras, isoladamente, em parceria e/ou integradas ao setor produtivo realizando P&D e formando capital humano para ser empregado no setor produtivo e na esfera pública; programas públicos da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas [SECT/AM], da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas [Fapeam], do Ministério de Ciência e Tecnologia [MCT], da Suframa, dentre outros, direcionados a subsidiar a geração e adoção de novas tecnologias, enfim, instituições de caráter regulatório e corpo legislativo para criar e garantir a aplicação de leis e cumprimento das regras que definem os padrões tecnológicos, direitos de propriedade intelectual e normas; laboratórios de metrologia, qualidade industrial públicos e privados; oferta de serviços tecnológicos e de difusão; tecnologia industrial básica tais como metrologia, calibração, ensaios e análises, certificação de processos e produtos; regimes de propriedade industrial, design, etc. como a Fucapi, a Fundação CERTI e o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual [INPI]; incubadoras de empresas tecnológicas como o CBA e o Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial [CIDE]; institutos de certificação; empresas que investem em P&D e na aplicação de novas tecnologias, como a MAP Cardoso; cadeias de fornecedores das empresas inovadoras, como as desenvolvidas pela MOTO HONDA e NOKIA; bancos, instituições financeiras e investidores que aplicam em fundos para financiamentos de capital de risco garantindo a execução dos projetos ligados à inovação, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES]; entre outras instituições públicas e privadas.

O viés que deve ser explicitado é quanto às duas linhas possíveis de atuação. Primeiro deve se dedicar atenção e foco às empresas de capital local, determinando que a oferta tecnológica esteja vinculada à pertinente demanda tecnológica. Na percepção do fulcro dessa reflexão, dedicar esforços de aprendizagem às empresas forâneas é esquizofrenia, pelo num primeiro estágio de evolução, considerando a escassez de recursos humanos e financeiros, combinada com infra-estrutura, e, ainda, adicionada do fato de que boa parte dos problemas é solucionada pelos centros de pesquisa das próprias empresas. Não quero dizer que nossa oferta tecnológica não daria conta de algumas das demandas tecnológicas do PIM. Não! Quero dizer que devemos privilegiar as empresas locais no que concerne à dinâmica de aprendizado tecnológico. Não devemos nos esquecer que a presença de empresas forâneas em Manaus se deve aos fatos combinados da política de atração de investimentos imanente ao Projeto ZFM com o resultado positivo das políticas industriais e tecnológicas dos países de origem dessas empresas. Como já dito antes, enquanto permanecíamos obcecados pela função atração de investimentos, a Coréia fazia seu “dever de casa”, que oportunizou a criação e a consolidação de empresas globais do porte da Samsung e LG, considerando novos entrantes no Projeto ZFM na segunda metade dos anos 1990.

Nos Indicadores de Desempenho do PIM, versão 02.09.08, de responsabilidade da Suframa, os produtos com faturamento em 2007 acima de US$ 500 milhões, que constituem 45% do faturamento total do PIM de US$ 25,6 bilhões, são: i) motocicleta, motoneta e ciclomoto, com US$ 5,2 bilhões; ii) televisor colorido, com US$ 2,1 bilhões; iii) telefone celular, com US$ 1,6 bilhão; iv) televisor de tela LCD, com US$ 1 bilhão; v) monitor de tela LCD – uso em informática, com US$ 0,8 bilhão; e, vi) compact disc – inclusive cd-rom, com US$ 0,8 bilhão. Desafio o leitor a apontar qual desses produtos é produzido por empresa de capital amazonense. Se nenhuma planta industrial é manauara é esquizofrenia buscar oferecer soluções tecnológicas para pacotes tecnológicos forâneos, antes [grifei para excluir a perspectiva xenófoba] de constituir uma base dinâmica de industrialização com base em capital local, não só para fornecer às empresas globais, mas para concorrer com elas. É esquizofrenia desejar que empresas de capital e tecnologia amazonense sejam globais como o são, por exemplo, as empresas coreanas Samsung e LG? Ou é lucidez desejar lastrear a sustentabilidade do crescimento econômico com capital e tecnologia própria?

Desafio, também, o leitor a responder por que o Fundo e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas não foram criadas entre 1989 e 2002, na medida em que a Constituição Estadual de 1988 já sinalizava para essa estratégia. Quanto tempo não se perdeu do ponto de vista do aprendizado tecnológico com essa postura passiva e omissa? Esperar 14 anos para se iniciar a construção do Sistema Manaus de Inovação não seria um grande sintoma de nossa esquizofrenia? No início da atual administração municipal, este autor propôs, via e-mail, ao prefeito Serafim Corrêa a estruturação de uma secretaria de tecnologia e inovação. Em recente discurso quando recebia homenagem na Câmara Municipal de Manaus, João Bosco Botelho, lançou a idéia de uma universidade municipal. Um dia elas serão implantadas. Espera-se que venha contribuir para o aprendizado tecnológico da Manaus.

No site da Secretaria de Planejamento não encontramos o conceito de política industrial explicitamente posto. Encontramos a Lei de Política de Incentivos Fiscais [Lei n° 2.826, de 29.08.03], [21] sua regulamentação [Decreto n° 23.994, de 24.12.03] e o documento institucional intitulado “Resultados da Lei n° 2.826/2003”, elaborado após oito meses de aplicação da nova legislação estadual de incentivos fiscais. Nesse site não há comunicação com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, como há desta com a Fundação de Amparo à Pesquisa, e vice-versa. Nos sites da Sect e Fapeam encontramos os respectivos programas e ações pertinentes à política de ciência e tecnologia do Amazonas. Da Diretoria Técnico-Científica da Fapeam recebemos via e-mail o documento intitulado “Apoio da Fapeam à Inovação Tecnológica”. [22] Tais idiossincrasias sugerem que as políticas industriais e tecnológicas do Amazonas estão “de costas” umas para as outras. Adicionalmente a essa percepção, consultei via e-mail os Secretários da SEPLAN e da Sect e o Diretor-Presidente da Fapeam quanto ao conhecimento da política de seu par e quanto ao grau de interdependência entre as pertinentes políticas. Até o final dessa reflexão, não obtive resposta. Farei uma segunda versão, caso obtenha com sucesso essas informações. [23]

Conforme vimos nos argumentos de Linsu Kim, o “casamento” da política industrial com a tecnológica é absolutamente fundamental [lembrando que a emulação das políticas industriais e tecnológicas é o segundo aspecto que pode ser imitado do processo de aprendizado tecnológico da Coréia segundo Linsu Kim]. No caso especial de Manaus, tomando a dimensão patrimonial como foco de atuação. Consultando os documentos capturados nos sites da Seplan, da Sect e da Fapeam, que podem ser obtidos facilmente através do Portal do Governo do Amazonas, não me foi possível identificar sinergias entre tais políticas, no que concerne à lógica do aprendizado tecnológico aplicado às empresas de capital amazonense-manauara. Desafio o leitor a apontar sinergias profundas nesse sentido, qual seja, da convergência entre o desenvolvimento industrial e tecnológico manauara estruturado na dimensão patrimonial, salvo um programa da Fapeam que busca ofertar soluções tecnológicas ao PIM [o que cai na vala comum da esquizofrenia se não observar a lógica da dimensão patrimonial], e os investimentos por parte das empresas em capacitação tecnológica como mecanismo compensatório aos incentivos fiscais, os quais, por seu turno, estão desconectados de diretriz maior, quanto à lógica do aprendizado tecnológico das empresas amazonenses. Nesse sentido, digno de registro é o Programa Pappe [de Apoio a Pesquisa em Micro e Pequenas Empresas] que aplica recursos para inovação em pequenas empresas amazonenses. Esse programa apesar de contar com uma Comissão de Enquadramento e Acompanhamento onde tem assento a SEPLAN e a Agência de Fomento do Estado do Amazonas [Afeam] representa muito pouco para uma integração virtuosa entre as políticas industrial e tecnológica do Amazonas. [24]

Em verdade a Lei n° 2.826/2003 constitui uma apologia à lógica da atração de investimentos, além de adotar o conceito de competitividade, minimizando-o, associado à estrutura de incentivos fiscais disponíveis, caracterizando, explicitamente a perspectiva das vantagens competitivas estáticas, em largo detrimento da busca das vantagens competitivas dinâmicas por força da competitividade via inovações tecnológicas. Também de forma assimétrica ao fulcro da lógica da dimensão patrimonial, no Capítulo III [do Título III, dos Incentivos Extrafiscais] que trata do Fundo de Fomento ao Turismo e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas – FTI, que objetiva contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do Estado, admite a aplicação de parte desses recursos para a “divulgação do modelo econômico do Estado e atração de novos investimentos”. O documento de análise institucional da SEPLAN citado acima confirma essa dimensão quando assegura que “com a nova lei de incentivos fiscais, houve um incremento na atração de novos investimentos fixos de aproximadamente 137,1%, comparativamente ao ano de 2003. A política de incentivos fiscais adotada pelo Governador Eduardo Braga, demonstra ser um mecanismo de desenvolvimento econômico vigoroso na atração de investimentos no Estado do Amazonas”.

Uma possibilidade de reversão seria reformular por inteiro a legislação, adotando os incentivos fiscais como apenas mais uma ferramenta de política industrial. Nessa estrutura os Títulos seriam dedicados às atividades industrial, comercial e rural. De plano, dedicar-se-ia Capítulo específico à criação de empresas locais, utilizando termos atuais como incentivo ao empreendedorismo científico-tecnológico, apoio às incubadoras, aos parques tecnológicos e às empresas de base tecnológica, e à busca de competitividade dinâmica via aprendizado tecnológico.

Existem pequenas sementes já embutidas na Lei n° 2.826/2003 que oferecem cruzamento sinérgico com os programas da política tecnológica do Amazonas. Especificamente falamos do Capítulo II [do Título III, dos Incentivos Extrafiscais] que trata do Fundo de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do Estado do Amazonas – FMPES, que também objetiva contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do Estado, cuja diretriz fundamental [oferecer tratamento preferencial às atividades produtivas de pequenos e mini-produtores rurais, microempresas e empresas de pequeno porte, que façam uso intensivo de matérias primas e mão-de-obra local] deve ser combinada com os programas Pappe [já citado], Pait [de Iniciação Tecnológica], PIT [de Inovação Tecnológica], RHAE [de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas em Apoio à Inovação Tecnológica] e Incubadora-AM [de Apoio a Incubadoras]. O cruzamento virtuoso entre tais ferramentas de políticas industriais e tecnológicas poderia evitar o índice de inadimplência dos projetos financiados pela AFEAM, administradora do FMPES. Apesar de esses programas convergirem para a lógica da inovação tecnológica, observa-se que são minoria frente aos 40 (quarenta) programas da Fapeam, cuja política privilegia mais a ciência do que a tecnologia. Se, de todo modo, o Amazonas superar a sina brasileira de não transformar plenamente seu conhecimento acadêmico em riqueza econômica, tanto quanto melhor.

Para tanto, penso que Manaus pode ser mais ousada com relação à formação de recursos humanos [lembrando que a expansão dos sistemas educacionais é o terceiro aspecto que pode ser imitado do processo de aprendizado tecnológico da Coréia segundo Linsu Kim] para dar conta do seu processo de catching up. Muita coisa tem sido feita, mas devemos antecipar como o fez a Coréia para sustentar a sua rápida industrialização, lastreada no aprendizado tecnológico.

Manaus vive uma crise permanente [lembrando que a construção de crises é o quarto aspecto que pode ser imitado do processo de aprendizado tecnológico da Coréia segundo Linsu Kim], mas não se apropria positivamente dela. Falo da necessidade recorrente de prorrogar o Projeto ZFM. Ao invés de nos posicionarmos num estado de alerta permanente, comemoramos recordes através de recordes, sem a legitimidade genuína pertinente a um crescimento econômico lastreado na endogenia [capital e tecnologia locais]. Ao contrário, e mais ainda, falamos em perenizar o Modelo ZFM, cujo fulcro é a da atração de investimentos. Simplesmente não pensamos e/ou executamos ferramentas e mecanismos de políticas industriais e tecnológicas para a criação, para a emergência de empresas locais. Mas, investigamos cientificamente como entender a preservação da floresta amazônica a partir do sucesso do Projeto ZFM, ou vice-versa, isto é, como justificar a manutenção do Projeto ZFM tendo em vista a preservação da floresta, dependendo da estrutura de valores da investigação. Daqui a algum tempo, se houver essa necessidade, os países que criaram suas empresas globais e que aqui se encontram operando, reivindicarão seus quinhões amazônicos pela grande conquista ecológico-ambiental, mas não política. Simplesmente nos esquecemos que o sistema colonial foi superado pelo sistema dos estados nacionais não sem uma fatura a ser paga pelas jovens países. A nova moeda de hegemonia é exatamente a tecnologia, cujos processos de catching up representam exatamente essa fatura, como a pilhagem representava a fatura no sistema colonial.

Portanto, a grande lição do processo de aprendizado tecnológico da Coréia é o tratamento preferencial dado à dimensão patrimonial de suas políticas industriais e tecnológicas. Isso é o que tem que ser observado pelo Amazonas. Se assim não for o esquizofrênico serei eu próprio como disse no primeiro parágrafo dessa reflexão.

Para ilustrar a grande oportunidade do acaso amazônico, das amazonidades enquanto trilhas de uma trajetória tecnológica alternativa, desejo registrar, finalmente, o artigo “A riqueza da biodiversidade amazônica e ensaios para a inovação”, de autoria de Dimas José Lasmar, [25] contido no livro Desenvolvimento Regional: idéias e estratégias para o Amazonas, publicado em Manaus, pela Fucapi, em 2007. Dimas Lasmar investigou empresas locais e estrangeiras instaladas em Manaus e inseridas no setor de fitoterápicos, fitocosméticos, segmentos do sub-setor de alimentos e fornecedores para esses sub-setores. Adaptando métricas de capacitação tecnológica baseadas em autores como Bell, Pavitt e Lall, e confrontando conceitos como Atividades de Inovação do Manual de Oslo com o de “Esforço Tecnológico” do Manual Bogotá, identificou atividades que, se evoluírem, deverão contribuir para a configuração de um ambiente propício ao estímulo a práticas de inovação. Na realidade, esse seu artigo deriva do trabalho de pesquisa da sua tese de doutorado intitulada “Valorização da biodiversidade: capacitação e inovação tecnológica na fitoindústria no Amazonas”, aprovada em 2005 pela UFRJ/Coppe. As suas conclusões e recomendações deveriam servir de base para a elaboração de uma política industrial e tecnológica aplicáveis às empresas locais, visando transformar essas empresas em empresas globais. Esse é o desafio!!!

Na reflexão citada na nota de roda pé n° 17 intitulada Elementos de Política Industrial de Cunho Neo-Schumpeteriano para uma Economia Estruturada em Quase-Firmas, reproduzi, sinteticamente, a concepção de Margarida Baptista para uma política industrial e tecnológica orientada para o desenvolvimento de capacitações dinâmicas e a internalização de redes relevantes de aprendizado. Requerem, como primeiro passo, o estabelecimento de um diagnóstico relativo à estrutura herdada, enquanto condição primordial para perseguir um alvo móvel. Os dois elementos básicos deste diagnóstico dizem respeito, de um lado, à dimensão setorial desta estrutura e, de outro, à sua dimensão institucional. É a partir deste diagnóstico relativo ao estado inicial da economia em causa, ou qualificação da estrutura herdada, que é possível delimitar o tipo de estratégia factível e adequada a curto e médio prazo, embora a partir de uma perspectiva de longo prazo, para atingir o alvo móvel. Contudo, estas duas dimensões devem ser qualificadas a partir da inclusão da variável patrimonial, uma vez que esta define novas e importantes condicionalidades para a política industrial e tecnológica, particularmente no que se refere a seu objetivo de desenvolvimento local de capacitações dinâmicas. Uma vez estabelecidos os principais elementos da caracterização da estrutura herdada, passa-se à avaliação de sua importância na identificação do tipo de cadeias produtivas e redes de aprendizado que devem ser objeto preferencial da política industrial e tecnológica. Assim, trata-se de conceber a política aproveitando o tipo de ativos específicos e capacitações individuais e coletivas tecnológicas, organizacionais e de aprendizado eventualmente já cumulados e internalizados na economia em causa. Esse é um caminho!!!

Seria eu o esquizofrênico? Do ponto de vista da Ciência Política, creio que não. Do ponto de vista do globalismo econômico, talvez. Ainda assim, creio que a Coréia tem muitas lições a serem apreendidas por Manaus, até porque, com o seu aprendizado tecnológico desenvolvido desde a década dos 1960, está mais próxima da condição de país desenvolvido do que o próprio Brasil. Jeffrey Sachs em “A importância de manter o rumo”, ensaio publicado na Veja 40 anos de setembro de 2008, à página 183, confirma essa visão quando diz que "o quarto pré-requisito para o êxito no século XXI será a capacidade de uma sociedade no que diz respeito à ciência e tecnologia. Essa é uma lição que os países asiáticos aprenderam com uns vinte anos de vantagem sobre a América Latina. A competitividade global não é mais conquistada simplesmente por meio da venda de recursos naturais ou da montagem de bens manufaturados, mas pela aplicação de ciência e tecnologia às necessidades humanas e às oportunidades de mercado". A tese das amazonidades constitui ao mesmo tempo o acaso amazônico [necessidade] ajustado à lógica do desenvolvimento sustentável [oportunidade], que pressupõe tecnologia limpa, investimentos verdes e consumo inteligente. E isso deve ser feito com capital e tecnologia própria. Trata-se, em verdade, de uma questão de lucidez!!!
[1] Essa narrativa, na forma de uma síntese-reprodução dos pontos fundamentais para o objetivo dessa reflexão, e de modo geral a idéia da própria reflexão, está baseada no livro Da Imitação à Inovação: a dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia, de Linsu Kim, publicado pela Editora Unicamp, em Campinas/SP, em 2005. Os dados mais atuais divulgados por Kim são de meados da década de 90 do século passado. Portanto, os dados do início dos anos 2000 são de responsabilidade deste autor e foram obtidos em setembro de 2008 nos sites www.indexmundi.com e www.geocities.com .
[2] Aqui cabe o primeiro contraditório-criativo entre as duas histórias. O Estado do Amazonas não dispõe de indicadores estruturados em PNB, isto é, não conhecemos “o que” e “o quanto” as empresas amazonenses [de capital e tecnologia local, diga-se sempre] produzem em Manaus.
[3] Se a Coréia perdeu quase toda a sua estrutura produtiva, Manaus de igual forma nada tinha de produção industrial, cuja economia experimentava o extrativismo. Portanto, essa é mais um indicador que favorece a relativização para fins da comparação pretendida [diferentemente, o Brasil já estava em processo de industrialização, que começou na era Vargas com a implantação de algumas indústrias de base, o qual foi ratificado na era JK com a substituição de importações lastreada pela indústria automobilística].
[4] No Brasil historicamente a política industrial esteve dissociada da política tecnológica. Atualmente, no segundo governo do atual governo, manteve-se esse anacronismo, pois representam planos de ação de Ministérios independentes. A primeira versão das políticas do primeiro mandato da atual governo até sugeria uma aproximação interdependente necessária e possível, mas a atual equipe ministerial não entendeu assim, fracionando-o. No Amazonas, em Manaus, a situação é ainda pior, pois a política industrial dá a impressão que se resume, há décadas, numa “colcha de retalhos” de concessão de incentivos fiscais complementares ao Projeto ZFM. Por sua vez, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia parece ter vida política própria, onde avança a passos largos tentando recuperar o tempo perdido, conforme este autor apresenta os dados e informações da atuação institucional pertinente.
[5] Aqui cabe mais um contraditório-criativo com o histórico do Projeto ZFM, isto é, na medida em que este teve fulcro de política ISI [especialmente até o final dos anos 1990] e de forma imanente associada à concessão de vantagens competitivas estáticas, constitui estratégica exatamente oposta à da Coréia, vez que esta concedeu incentivos e subsídios à exportação. Claro que deve estar reforçado o fato de que aqui não há empresas manauaras, mas empresas forâneas, o que torna a dependência tecnológica exponenciada. Dito de outra forma perdeu-se a oportunidade histórica de adotar o mercado nacional dinâmico [fundamentalmente o Sudeste brasileiro] como estratégia de desenvolvimento industrial e tecnológico de empresas locais como expectativa de política IOE.
[6] Aqui cabe outro contraditório-criativo, posto que a lógica da atração de investimentos [que no limite mostra-se perversa, como este autor já argumentou no livro Redesenhando o Projeto ZFM: um estado de alerta! (uma década depois)] impediu o desenvolvimento de engenharia reversa por absoluta esquizofrenia frente aos pacotes tecnológicos envolvidos com os projetos industriais aprovados junto ao Projeto ZFM. Na década de oitenta do século passado, a inteligência local do setor público tentou o que se chamava de Programa de Nacionalização, que partia de certa forma da explosão do produto. Mas ora, como fazer imitação se não havia empresas locais [frise-se de capital e tecnologia manauara]? Como buscar o aprendizado [por empresas não-existentes], se todas as necessidades tecnológicas estavam incorporadas às plantas industriais aprovadas? E o mais grave ainda, como será a partir de agora com a imposição do sistema internacional dos direitos de propriedade intelectual sob a guarda do Tio Sam? Somente construindo AMAZONIDADES como tem defendido este autor no livro Trajetória Tecnológica Alternativa: o acaso amazônico (um enfoque a partir do Projeto FM). O Programa de Nacionalização caiu no vazio com a mudança de paradigma do conceito de Índice de Nacionalização para Processo Produtivo Básico, e mais ainda, quando se percebeu outra esquizofrenia, isto é, quando se percebeu que a indústria “nascente” de componentes representava tão somente o fracionamento de processos produtivos já existentes de empresas forâneas já instaladas no PIM.
[7] Aqui outro contraditório-criativo, pois chegamos ao cúmulo do absurdo, considerando a organização política do planeta estruturada em estados nacionais que albergam o sistema capitalista com fulcro na propriedade privada, de chamar as multinacionais instaladas no PIM de “nossas empresas”. Como este autor tem dito em outras reflexões, elas são no máximo nossas parceiras de crescimento econômico.
[8] Aqui o contraditório-criativo está vinculado à cultura nacional, que impacta a concepção de políticas públicas, na medida em que ao invés de ratificar a natureza endógena do conceito de empresa nacional, modificamo-lo, via Emenda Constitucional na era FHC, para facilitar o processo IED [vide reflexão deste autor Ameaças e Oportunidades do Processo de Inovação, disponível no site www.argo.com.br/antoniojosebotelho ].
[9] Aqui o contraditório-criativo registra a defasagem temporal entre as estratégias nacionais, brasileira e coreana, na medida em que a Política de Inovação no Brasil se inicia num longo período de discurso pró-inovação que dura praticamente uma década, até a promulgação da Lei de Inovação no meado dos anos 2000, a qual ainda levará alguns anos para ficar “azeitada”. Claro, essa conquista traz impacto ao processo de aprendizado tecnológico de Manaus, primeiro porque o Amazonas foi o primeiro Estado da federação a editar sua Lei de Inovação. Segundo porque, apesar da longa espera de 14 anos para a criação do Fundo e Fundação de Amparo à Pesquisa local, esse mecanismo já nasce na era pós-pró-discurso inovação, ganhando tempo em relação às expectativas nacionais. Contudo, o problema persiste: cadê as empresas amazonenses? Cadê o empreendedorismo local? Cadê a estratégia empresarial local? Enquanto isso, as empresas globais coreanas do setor eletrônico “aterrissam” em Manaus, na qualidade de novos entrantes do Projeto ZFM na década de 1990. Impressionante!
[10] Aqui temos mais um contraditório-criativo, fazendo uma comparação direta com a Lei de Informática aplicada no PIM. Pode-se mais vez entender como uma esquizofrenia na medida em que aqui os recursos coletados de empresas multinacionais não ficam disponíveis para o desenvolvimento local diretamente, mas podem ser aplicados pelas próprias empresas multinacionais [inclusive as de bandeira coreana] em seus projetos de inovação [considerar que toda P&D tenta resolver um problema, o qual pode resultar numa solução no mercado]. É claro que contribuem para a construção de uma ambiência positiva, mas no estágio de desenvolvimento em que Manaus se encontra tais recursos deveriam ser dedicados a criar capital e tecnologia local, em troca dos benefícios fiscais especiais que essas empresas usufruem para a reprodução de seus capitais. A incapacidade de se criar outpus [patentes; royalties; aumento de faturamento e redução de custos] ao sistema de recursos criado com a Lei de Informática, depois de uma década de operação, constitui indicativo adicional para essa esquizofrenia, o qual deveria privilegiar aberta e explicitamente o desenvolvimento local [essa tese tem que ser permanentemente ratificada].
[11] Os países avançados desenvolvem-se ao longo de uma trajetória tecnológica composta por três estágios: i) a fluida [do surgimento], onde ocorrem novas tecnologias [inovações radicais ou transformadoras]; ii) a transitória [que visa consolidação], na qual transcorre a busca do projeto de produto dominante e do método de produção em série desse produto; e, iii) a específica [ou madura], quando o produto já está altamente padronizado [inovações incrementais]. Ao longo dessa trajetória, à medida que se avança para as inovações incrementais, a difusão tecnológica predomina. É nessa oportunidade que se dão as transferências de tecnologias. Portanto, o gap tecnológico se instala entre países em processo de catching up e países avançados porque, fundamentalmente, nesses últimos a taxa de inovação de produtos, de caráter mais radical do que incremental, é altíssima.
[12] Este autor idealizou no livro Trajetória Tecnológica Alternativa: o acaso amazônico (um enfoque a partir do Projeto FM) um desafio para as AMAZONIDADES, partindo da criação de produtos na lógica da sustentabilidade, o qual avançou em reflexões posteriores com o argumento de tal desafio, na realidade, pode constituir-se num novo marco civilizatório.
[13] Pode-se ler, simplesmente, Sistema Local de Inovação.
[14] Aqui há mais um contraditório-criativo, na medida em que se tem dito que Manaus desenvolveu tecnologia de processo. Mas a pergunta fundamental é: qual a dimensão patrimonial dessas empresas? Se forem forâneas, não se deve computar como desenvolvimento manauara, ainda que seja operada por trabalhadores amazonenses. Não podemos nos esquecer, ou não melhor, não devemos nos esquecer que no sistema capitalista a apropriação do lucro se dá em nível do dono do capital.
[15] A influência do ambiente sociocultural amazonense talvez seja o mais perverso relativamente ao processo de aquisição da capacidade tecnológica, enquanto motor do seu desenvolvimento industrial e tecnológico, pois este ao abranger crenças, normas e valores da sociedade, impõe a sina da atração de investimentos imanente ao Projeto ZFM como uma solução libertadora e definitiva, quando na realidade, deveria ser adotada como um meio para a independência econômica e liberdade política do Amazonas, uma oportunidade para a criação, para a emergência de empresas de capital local. Certamente um contraditório-criativo fundamental.
[16] Por estar mais afeto à área profissional deste autor, na qualidade de servidor ativo do Estado brasileiro a serviço no Projeto ZFM desde abril de 1984.
[17] Aqui mais um contraditório-criativo na medida em que todo o ambiente favorável à inovação que está sendo construído em Manaus ainda não serviu para alavancar a emergência de empresas amazonenses, com vigor necessária para poder caracterizar o seu processo de catching up. Ao contrário, as plantas forâneas dispõem de maiores possibilidades, claro e evidente, de se apropriarem das condições favoráveis para processarem inovações via capacitação tecnológica incorporada a partir da experiência com a produção, especialmente, e em menor escala com atividades de P&D. Há toda uma infra-estrutura, toda uma formação de recursos humanos e todo um conjunto de recursos financeiros disponíveis para a construção do Sistema Manaus de Inovação [SMI]. Na realidade, todo o foco deveria estar centrado nas empresas de capital local, porque as empresas forâneas já trazem a tecnologia em forma dos projetos industriais aprovados no contexto do Projeto ZFM. Vide reflexão deste autor intitulada Elementos de Política Industrial de Cunho Neo-Schumpeteriano para uma Economia Estruturada em Quase-Firmas, disponível no site www.argo.com.br/antoniojosebotelho , elaborada a partir do livro Política Industrial: uma interpretação heterodoxa, de Margarida Afonso da Costa Baptista, publicado pela Unicamp em 2000, na qual se demonstra a tese da autora quanto ao estabelecimento de um alvo móvel constituído de empresas de capital local com vistas ao seu desenvolvimento industrial e tecnológico. Nesta nota de roda pé Dimas Lasmar observou que “medidas como o novo PPB de cosméticos, ao contrário de criar a condição para o surgimento de empresas amazonenses, enquadra os benefícios atrelados ao Modelo ZFM, repetindo a atração de empresas “forâneas” [capital e tecnologia prontas]”. Concordo com a observação e registro preocupação complementar deste autor contida na reflexão “Marcos Regulatórios: evidências históricas e contemporâneas de dependência política para o desenvolvimento industrial e tecnológico”, da segunda versão do Redesenhando o Projeto ZFM de que o parágrafo primeiro, do artigo sexto, de Decreto-Lei n° 1.435/75, ao determinar vantagens competitivas estáticas para a produção de insumos amazônicos a serem fornecidos para criações derivadas da biodiversidade concorrente com a amazônica, portanto, localizada em outras regiões, limita a criação de amazonidades, para as quais restam as sementes da atual Lei de Incentivos fiscais do Amazonas [vide comentários do próximo tópico].
[18] Termo criado por Linsu Kim para designar a estratégia empregada pelas empresas coreanas de usar a engenharia reversa de produtos estrangeiros altamente sofisticados com patentes válidas como meio para obter as licenças de uso dos mesmos depois que os detentores estrangeiros das patentes se haviam recusado a concedê-las.
[19] A sina da atração de investimentos contribui para uma atitude não-expansionista do desenvolvimento industrial do Amazonas, que passa apenas a receber novos entrantes que retroalimentam a dinâmica do PIM. As próprias empresas coreanas contribuíram nesse sentido, quando a partir da segunda metade dos anos 1990, a Samsung e a LC aterrissaram em Manaus, ampliando as oportunidades de reprodução dos seus capitais, conforme já dito antes.
[20] Dimas Lasmar comentou nesse trecho: “É arriscado negar a importância do catching up, mas se deve considerar o caso amazônico como atrelado a outros modelos complementares baseados na vocação regional. Ao invés de romper, não seria bom observar em como conciliar as alternativas: 1. ZFM catching up; 2. Economia regional, um novo modelo, mas apoiado nas competências da ZFM: gerencial, canais de distribuição e de investimento como parceiro...?”. É claro que devemos nos apropriar com conhecimento aportado em Manaus por força do Projeto ZFM, mas este autor tem convicção que as amazonidades é parte invisível do grande iceberg que constitui as oportunidades de desenvolvimento, onde as evidências do PIM representa a parte visível. Em geral, a parte submersa de um grande iceberg é muitíssimo maior do que a sua parcela que está acima da superfície da água.
[21] Agradeço ao assessor da SEPLAN Isac Jr. pelas sinalizações quanto à vinculação das diretrizes de política industrial da Lei n° 2.826/2003 ao programa de governo da atual administração estadual.
[22] Pelo que agradeço ao assessor Luiz Carlos.
[23] Dimas Lasmar comentou nesse trecho: “Essa fragilidade é histórica que pode ser superada com a criação do Conselho Estadual de C&T”. Este autor adiciona que talvez o ideal seja a criação de um Conselho de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico, onde as políticas possam estar interdependentes e não subordinadas uma à outra.
[24] Dimas Lasmar comentou nesse trecho: “Falta governança entre as políticas e instituições públicas, até quem sabe pela inexistência do Conselho de C&T”.
[25] Agradeço a revisão desta reflexão feita pelo Dimas Lasmar. Registro que as sugestões não incorporadas estão em forma de nota de roda pé.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Engenharia de produção + economia evolucionária + economia política + filosofia política = Capitalismo amazônico[1]
Capitalismo amazônico > [amazonidades + growing up] ∕ [economia de enclave + capacitação tecnológica tardia]
Gostaria de reforçar a necessidade de uma visão paraláctica[2] de que devemos nos posicionar sob ângulos diferentes sobre o corpo de conhecimento nos quais nos ancoramos para entender o processo de inovação no sistema capitalista. Tais perspectivas emergem em locais com o mosaico insumo x produto dos sistemas de inovação plenamente estabelecido do ponto de vista do capitalismo, exigindo apropriação do conhecimento e acumulação de lucros. Sabemos que exige mais, como, por exemplo, alienação, mas vamos ficar por aqui para continuar o raciocínio. Pense sobre a longa frase acima. Ela não é trivial e muito menos banal.
Sob outra perspectiva, vale dizer que os sistemas locais de inovação não são planos, isto é, apresenta desigualdades fundamentais entre si, tanto absolutas quanto relativas, o que sugere relevos de ambiência de inovação com profundas rachaduras e pontos altíssimos. Assim, analisar a emergência do Sistema Manaus de Inovação sem se posicionar em ângulos diferentes dos especialistas que elaboram conceitos a partir da análise de locais com essência capitalista, é repetir uma visão de dependência, colonizada. Num sentido ilustrativo, o sistema de inovação manauara está mais para um sistema público do que público-privado.
Quero dizer que não podemos reproduzir aqui em Manaus uma visão ingênua de um país tardiamente industrializado dependente de capital e de tecnologia para conduzir seu desenvolvimento. Não podemos nos iludir dizendo que Manaus faz inovação no contexto do PIM.
Acredito firmemente que pessoas líderes comunitários e formadores de opinião qualificada podem contribuir para essa inflexão abordando o contexto manauara em suas contradições internas, desde que incorporem uma visão em paralaxe. Desde que observem os locais sob angulações diferentes.
Quero dizer que nosso discurso institucional e político, em minha opinião, ficam devendo quando não aborda explicitamente a dimensão patrimonial das firmas do PIM, encarando como possível a inovação frente ao poço em que se encontram a oferta e a demanda tecnológica dos projetos industriais aprovados com seus intrínsecos pacotes tecnológicos.
Essa, em minha opinião, é o ponto fulcral para nosso desenvolvimento minimamente autônomo e interdependente. Precisamos criar firmas locais que possam jogar o jogo capitalista, o jogo da inovação tecnológica.
Todo o capital social de Manaus deveria perceber e adotar a perspectiva carente da dimensão patrimonial em relação ao PIM e ao sistema PÚBLICO de inovação que emerge em Manaus. Ou seja, não temos firmas locais – com capital – que possa estabelecer equilíbrio da sua demanda com a oferta tecnológica que se está construindo com a estruturação de massa crítica e laboratórios de P+D. Nesse engano, nessa ilusão apenas corremos atrás com a capacitação tecnológica tardia tentando suprir as necessidades tecnológicas do PIM. Ainda que essa estratégia venha a dar certo nos próximos 50 anos – e ainda não deu com os 44 anos de vigência do Projeto ZFM – estaríamos jogando um jogo em sentido contrário à lógica capitalista que acumula lucros e apropria conhecimento nas firmas nacionais.
Portanto, precisamos ACUMULAR PRIMITIVAMENTE CAPITAL!!! Minha tese é fomentar e incentivar com toda energia [tempo + dinheiro + conhecimento] EBTs vertidas às AMAZONIDADES!!! Essa deveria ser nossa trilha para os próximos 100 anos sob a égide de uma política de estado!!!
Há uma voz parlamentar que alimenta esse discurso nacionalista. Falo do deputado estadual Luiz Castro que já anda falando dessa necessidade, qual seja de construirmos uma política industrial para criar investimentos, além da disponível malha de incentivos fiscais para atrair investimentos [que é oportuna, mas não suficiente].

Mas, qual o patrimônio a que me refiro? É físico, financeiro ou humano?

O capital dominante. Aquele que subsume o trabalhador, aprisona o trabalho, mercantiliza a força de trabalho e torna o processo de trabalho meio de produção de mais-valia e, portanto, de reprodução do próprio capital. Poderemos até quebrar essa visão marxista, dizendo que desejamos a construção de capital sustentável.
Mas, precisamos de capital de toda ordem, sobretudo, econômico, cujo poder de compra – financeiro –proporciona todas as dimensões da firma NACIONAL que joga o jogo capitalista. Portanto, que constrói instalações e compra máquinas & equipamentos (dimensão física), que adquire e/ou desenvolve inovações (dimensão humano-tecnológica), enfim, que realiza investimentos (a própria dimensão econômica). Precisamos ter donos do capital com estruturas e estratégias empresariais globais, se apropriando da ambiência de inovação que está sendo construída em Manaus.
Claro que não existe autonomia absoluta, mas se deve buscar uma interdependência minimamente autônoma.
Na realidade, estamos falando sobre o determinante do conceito de cluster intitulado de estrutura e estratégia empresarial, cuja visibilidade está representada pelo diamante de Porter.
Precisamos construir em Manaus essa figura que chamo convergentemente de capitalismo amazônico, que, por sua vez, envolve vários vieses enquanto trajetória tecnológica de um novo marco civilizatório sob a égide da sustentabilidade lastreada por AMAZONIDADES realizadas então por capital & tecnologia local, endógena, fechando o circulo virtuoso que precisa ser construído.
Nessa perspectiva "macroeconômica" vinculada aos SLIs (lógica neoschumpeteriana - economia evolucionária) que o pesquisador Cláudio Nogueira tem várias sugestões que convergem, aqui acolá, para as argumentações do pesquisador Jonas Gomes, mas igualmente a perspectiva "microeconomica" completamente ou minimamente preenchida pelas firmas locais de capital & tecnologia própria, endógena. Precisamos entender que deve haver conexão entre tais perspectivas, isto é, o chão de fabrica tem que ter simetria socio-técnica com o chão acadêmico e institucional para que haja equilíbrio entre oferta e demanda tecnológica. Essa convergência, inclusive, aprofundaria as oportunidades da hélice tríplice.
Portanto, do ponto de vista nacionalista, o chão de fabrica deve ser de capital local. Isto não deve implicar xenofobismo, mas apenas autonomia relativa frente ao jogo político do capitalismo – economia política. Falo de um nacionalismo amazônico, pois precisamos qualificar a ocupação e o uso do chão amazônica sob a lógica da soberania nacional, da acumulação de lucros, da apropriação do conhecimento e da inovação tecnológica, sob a égide da sustentabilidade. Precisamos, portanto, de um exército de firmas locais de base tecnológica.
Caso isto não aconteça continuaremos colônia como se percebe que acontece em decorrência da dependência que a natureza intrínseca do Projeto ZFM determina, atraindo firmas maduras de outros países.
As EBTs, que podem ser tratadas e trabalhadas pelos SMI, representam uma possibilidade de equilibrar oferta & demanda tecnológica segundo AMAZONIDADES. PMEs é uma tendência do século XXI aonde o empreendedorismo será tão importante quanto a inovação o foi para o século XX.
Em prol da liberdade política e da independência econômica dos amazônidas - sentido de uma filosofia política.
[1] De responsabilidade de Antônio José Botelho. Reflexão surgida das discussões com Cláudio Nogueira, especialista em clusters de alto conhecimento, e com Jonas Gomes, especialista em qualidade, que tem escrito sobre mazelas do Sistema Manaus de Inovação [SMI].
[2] Paralaxe pode ser entendida como uma correção para se ler adequadamente uma realidade aparente frente a uma realidade racional.