terça-feira, 25 de agosto de 2015

ESQUIZOFRENIA ZONAFRANQUINA


Dos delírios e aberrações esquizofrênicas zonafranquinas

Antes de demonstrar os obstáculos para o autodesenvolvimento, no sentido do embotamento da mente coletiva associado ao capital social de Manaus e do capital intelectual dos agentes do sistema de inovação, devemos ter nas mãos o que significa a palavra esquizofrenia. Do dicionário eletrônico Miniaurélio, extraímos o que segue:

Substantivo feminino.
Grupo de distúrbios mentais que, basicamente, demonstram dissociação e discordância das funções psíquicas, perda de unidade da personalidade, ruptura de contato com a realidade.
§ es.qui.zo.frê.ni.co adj. sm.

Portanto, o termo aponta para uma ruptura frente à realidade, além de transformar o substantivo feminino num adjetivo masculino. Fico agora à vontade para sugerir que a ZFM, tratada como modelo, como um fim em si mesmo, e não como projeto, como um meio para o autodesenvolvimento, nos desconecta com a natureza fundamental do capitalismo, estruturada na acumulação de capital e na apropriação de conhecimento, via competição, e não por meio da solidariedade. Ou seja, ou os locais caminham com as próprias pernas, criando suas próprias firmas, ou seus cidadãos permanecerão ou se tornarão sujeitos de segunda categoria. O conjunto de distúrbios da mente coletiva manauara está dissociado e em discordância com a lógica capitalista, permanecendo na esfera cadente, porque dependente, da atração de investimentos vis a vis da substituição de importações.

Adotar o mito do desenvolvimento unicamente à perna da atração de investimentos, reduz o crescimento econômico à uma questão contábil, na medida em que evitamos a importação de produtos para consumo no mercado doméstico, mas em contra partida ficamos dependentes de investimentos, metrificados pelos plantas industrias transferidos de alhures por alheios, e de tecnologia, metrificada pelos pacotes tecnológicos concernentes associados às licenças de produção, às assistências técnicas e à importação de insumos que constituem segredos estratégicos. Portanto, não é suficiente que as firmas e marcas globais atraídas para a ZFM sejam constituídas pelas leis brasileiras.

Na realidade, é bom que se diga que Manaus representa uma imagem em miniatura do Brasil, onde continuamos dependentes de tecnologia que geram produtos dinâmicos derivados da fronteira tecnológica. Ou seja, nacionalmente ainda não conseguimos nos libertar da dependência gerada com o Plano de Metas que construiu a diversificada plataforma industrial pátria, ainda que sejamos a uma das maiores economias do planeta. É fácil verificar essa dependência, quando se percebe que seguimos crescendo na onda das commodities e que não temos firmas e marcas globais na esteira das grandes tendências tecnológica da microeletrônica, por exemplo. Essa condicionalidade dependente caracteriza a nova hegemonia de poder global, não mais lastreada na posse do território, como da realização dos grandes impérios, mas na posse da tecnologia frente aos estados nacionais tardios e seus pertinentes processos de industrialização tardios.

Isto posto, podemos agora retornar ao objetivo fulcral desta reflexão que é apontar as aberrações e os delírios zonafranquinos, desde a perspectiva esquizofrênica. Para tanto, basta recorrer à qualquer listagem das 100 maiores indústrias do PIM. Adotei, fruto de uma busca rápida na grande rede, um levantamento da Revista Circuito de 2007, com base no ano 2006. Apesar estar desatualizada, serve para nossos propósitos, pois a essência do ano base 2014 não deve ter alterado o que desejamos demonstrar, mas apenas mostraria novos entrantes, reproduzindo seus capitais de origem e realizando a mais-valia global. Então vamos lá.

Nessa lista, entre as maiores marcas que faturaram ente US$ 500 milhões e US$ 2,8 bilhões em 2006, constavam apenas uma empresa considerada brasileira, pelo capital, que é a Recofarma, e apenas uma joint-venture onde uma das bandeiras era a brasileira, que é SEMP TOSHIBA. Todas as outras eram ou japonesa, ou finlandesa, ou norte americana, ou holandesa, ou sul-coreana. Provavelmente nessa lista hoje, devemos ter alguma grande firma e marca chinesa. Todos esses países desenvolveram em suas plagas pátrias políticas industriais e tecnológicas que privilegiaram as dimensões patrimoniais de suas firmas, tanto em nível de criação, quanto de consolidação de suas solvências nos mercados locais e internacionais. Consultando a Wikipédia, a enciclopédia livre da grande rede, consolidamos os seguintes dados e informações básicas sobre esses gigantes que se instalaram na ZFM.

1.      A líder de faturamento é a Honda, que manteve sua razão social do tempo do seu estabelecimento na ZFM, Moto Honda, em associação com firma importadora local. Seu slogan é ‘o poder dos sonhos’. Realmente, esse é uma grande lição na forma de sutra: para ir longe, para ir além, temos que sonhar, idealizar, projetar e executar. E não apenas copiar, na realidade, nesse caso nem mesmo copiamos. Foi criada em 1948, portanto, num ambiente pós-guerra, de reconstrução do Japão, por Soichiro Honda. Sua sede é em Tóquio. Possui 167.231 empregados. Seus produtos são: automóveis, caminhões, motocicletas, motonetas, quadriciclos, geradores, robótica, equipamentos marinhos, jatos, equipamentos para jardins. É um gigante!

2.      A Nokia foi criada em 1865 por Fredrik Idestam. Seus produtos são: torre de dados 4G-3G, sistemas, bancos e switches wireless. Em 2013, disponha de 97.000 empregados. Seu lucro em 2014 foi de € 6,5 bilhões. Em 2007, a Nokia era líder mundial na fabricação de aparelhos de telecomunicações móveis, com cerca de 40% do mercado mundial. Não à toa, foi líder de investimentos em P+D em decorrência da Lei de Informática. Em 2013, a divisão de sua linha de produção foi adquirida pela Microsoft. A Microsoft é uma empresa transnacional estadunidense com sede em Redmond, Washington, que desenvolve, fabrica, licencia, apóia e vende softwares de computador, produtos eletrônicos, computadores e serviços pessoais. É uma firma contemporânea criada em 1975, cujos proprietários estão arrolados como dois dos sujeitos mais ricos do planeta. São ambas gigantes.

3.      Recofarma é uma empresa brasileira, ainda que totalmente de propriedade da COCA-COLA DO BRASIL sediada no Rio de janeiro e pertencente à multinacional The Coca-Cola Company. Atua na área de produção de bebidas, sendo a fabricante de todas suas marcas pertencentes a esse poderoso grupo econômico, entre elas o refrigerante mais vendido do mundo, a Coca-Cola. Em 2011, a Recofarma se tornou a maior exportadora do Amazonas, com uma geração de US$ 120 milhões de divisas na venda de concentrados. A Recofarma é a 3ª maior fabricante em volume de produção da Coca-Cola no mundo. De fato, embora tenha em sua formação algum capital nacional, a tecnologia que utiliza está amarrada talvez ao maior segredo industrial da história da humanidade. A situação, certamente, é a mesma junto ao Grupo Simões, firma de capital local que atua com franquia da multinacional, produzindo refrigerantes. Portanto, não seria o que é ­ não seriam o que são ­ se não fossem as licenças para produzir um produto que representa uma das maiores marcas contemporâneas, que por ironia disputa com a marca Amazônia. Mas esta não gera riquezas no chão amazônico para os amazônidas na forma de amazonidades.

4.      A Philips aparece em quarto lugar na ordem de faturamento no PIM em 2006. Tem origem holandesa, tendo sido criada em 1891. Seu lucro em 2010 no mercado de eletrônica de consumo, lâmpadas e sistemas médicos foi de US$ 1,9 bilhão. Em 2011 contava com 119.000 empregados. Já em 2007 operava na ZFM numa parceria estratégica com a LG, que desponta na sexta posição na ordem de faturamento no PIM, em 2006.

5.      Na quinta posição está uma gigante sul-coreano, a Samsung. A Samsung foi fundada em 1936 por Lee Byunq-chul. Em 2013 tinha 489.000 empregados, quando acumulou US$ 22,1 bilhões em lucros, produzindo e vendendo smartphones, TVs, câmeras fotográficas, CDs, DVDs, discos rígidos, drives óticos, home theaters, impressoras, dentre outros, desde um faturamento de US$ 529.5 Bilhões. É um bom exemplo para nós que devemos trilhar a vereda do autodesenvolvimento, pois sua evolução se deu após a idealização de uma política industrial e tecnológica por parte da Coréia do Sul no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, portanto, praticamente coincidindo com o período histórico da ZFM. Isso deveria nos dizer alguma coisa.

6.       A LG, como já dito, vem em seguida. Trata-se de uma co-irmã da Samsung em termos de fruto da mesma política de desenvolvimento nacional. Portanto, é outra gigante multinacional sul-coreana, possuindo fábricas instaladas nos 4 continentes. Foi fundada em 1958 por Koo In-Hwoi. O montante do seu faturamento anual está acima de US$ 500 bilhões de dólares.

7.      A sétima posição é da SEMP TOSHIBA. Consta no sítio da empresa que a Semp Toshiba é uma marca brasileira de equipamentos eletrônicos fundada em 1942 na cidade de São Paulo por Affonso Brandão Hennel. A empresa contava com 3.220 empregados no final de 2011. Informa, ainda, a Wikipédia que em 2010 lucrou R$ 2,2 bilhões e que em 2011 faturou R$ 1,6 bilhão, o que representa um aparente paradoxo, que mereceria ser aprofundado. Talvez apenas talvez seja resultado da concorrência com os gigantes sul-coreanos. Ao vir para a ZFM na década de 70 do século passado firmou a parceria estratégica com a Toshiba, unindo o domínio tecnológico japonês com a capacidade de produção da firma e marca nacional. Portanto, é um ilustre representante do capital nacional no grupo dos oito maiores faturamentos do PIM em 2006.

8.      Finalmente, o oitavo maior faturamento do PIM em 2006 é mais uma firma e marca de capital e tecnologia japonesa, que é a Yamaha. A Yamaha foi fundada por Torakusu Yamaha em 1955. Em 2005 contava com 39.300 empregados, tendo faturado US$ 12 bilhões e lucrado US$ 900 milhões nesse mesmo ano, produzindo motocicletas, motonetas, scooters e quadriciclos. Sem dúvida, outro gigante nipônico.

O capital e da tecnologia estrangeira presente na lista das maiores empresas instadas no PIM não para por aí. Seguem-se: Sony; Benq, Gillete, Panasonic, Jabil, Bic, Kodak, Pepsi-Cola, Showa, Thomson, Nissin, ... Enfim, se todo o faturamento dessas gigantes mundiais fosse totalizado, certamente seria maior do que o PIB brasileiro. Só os faturamentos dos dois gigantes sul-coreanos, Samsung e LG, ultrapassam a monta de US$ 1 trilhão. E reproduzem seus capitais realizando a mais valia global em qualquer local deste planeta que lhes seja favorável e amigável como aqui na ZFM. Pois só a Samsung, de cuja firma e marca sou fã pelo que representa ao se tornar líder mundial desbancando firmas tradicionais estadunidenses, afirma em seu site que se fosse um país seria o trigésimo quinto mais rico do mundo. É brincadeira, quando afirma que ¼ do seu capital intelectual tem grau acadêmico do doutor? Considerando que seu contingente operário é de 489.000 funcionários, temos que 122 mil são profissionais pesquisadores doutores! Esse número é quase igual ao total de doutores no Brasil, que segundo o censo do CNPq de 2014, é de 140.272. Como a região Norte ainda não superou a marca histórica de dispor de menos de 5% do total nacional, podemos afirmar que o Amazonas dispõe de 1,5% desse total, que é de 2.078 doutores. E ainda teríamos de verificar quantos desses estão efetivamente trabalhando nos chãos de fábrica de firmas locais e mesmo nos laboratórios do chão acadêmico, na medida em que talvez a maioria se lance nas relações de poder em busca de posição e status, deixando de atuar em pesquisas, para as quais foram treinados e formados. Isso é insignificante frente ao poder e à potência da Samsung para fins de desenvolvimento tecnológico e de realização de melhorias e inovações. Mas é o que temos; temos que otimizar e potencializar, fazendo mágicas e encantos. Não à toa a Apple briga nos fóruns internacionais quanto a posse de patentes da tecnologia touchscreen, após a Samsung ter tido limitado seu acesso às licenças e patentes que visavam o desenvolvimento de tecnologia por meio de engenharia reversa avançada. A evolução da Samsung alcançou inicialmente a cópia de produtos e processos transferidos de empresas estrangeiras, depois focou a busca melhorias e inovações incrementais conquistando mercados internacionais, e agora seu desafio são as inovações transformadoras e revolucionárias para consolidar e ratificar sua posição de líder mundial. Claro do ponto de vista da liderança econômica.

Portanto, trata-se de um absurdo dizer que essas firmas e marcas são nossas porque estão instaladas no PIM, reproduzindo seus capitais sob o manto de vantagens competitivas estáticas, só porque estão constituídas por leis brasileiras. Igualmente trata-se de outro absurdo dizer que temos tecnologia quando o PIM substitui importações pátrias de produtos dinâmicos, quando em verdade essa tecnologia está embutida nos pacotes tecnológicos associados aos projetos industriais, que exigem apenas o cumprimento de operações mínimas no chão de fábrica para o gozo das vantagens competitivas estáticas. Numa oportunidade passada ouvi um decano federado à classe patronal amazonense dizer, talvez com endereço certo para este pensador, que a ZFM não tem problemas com investimentos. Claríssimo que não, mas mantém dependência industrial e tecnológica em níveis cada vez mais assombrosos, ao passo em que tarda em acumular e expandir capital industrial em prol do autodesenvolvimento. Então, o que elas são desde o ponto de vista do autodesenvolvimento? São nossas parceiras de crescimento econômico; aportando capital e aplicando tecnologia, geram trabalho, pagam salários, recolhem tributos e difundem técnicas de gestão. Não é pouca coisa, mas não é tudo o que precisamos para o autodesenvolvimento. Precisamos fazer a tarefa de casa!

Então: dizer que as firmas e marcas líderes em faturamento do PIM são nossas é o que digo constituem aberrações; dizer que a tecnologia associada a esse faturamento é nossa é o que digo constituem delírios. E o que significam as palavras aberração e delírio, segundo o dicionário eletrônico Miniaurélio, respectivamente?

Substantivo feminino.
1.Ato ou efeito de aberrar.
2.Defeito, distorção.
3.Anomalia, anormalidade. [Pl.: –ções.]

Substantivo masculino.
1.Psiq. Distúrbio mental caracterizado por ideias que contradizem a evidência e são inacessíveis à crítica.
2.Exaltação do espírito; desvairamento.

É importante fazer uma associação com os significados aqui reproduzidos de esquizofrenia, aberração e delírio, pois a postura esquizofrênica encerra distorções e desvarios, limitando e emperrando a crítica e, sobretudo, a idealização de alternativas econômicas, desde a realidade real das coisas e fatos econômicos. Há uma correlação, na medida em que aceitamos a ZFM como um processo com fim em si mesmo, não encarando o desafio histórico de frente, não só quanto à sua condição de projeto, mas, sobretudo, quanto à sua oportunidade de ser entendido e adotado como meio para o autodesenvolvimento. Para tanto, como já dito e redito, o capital social de Manaus precisaria idealizar, dimensionar e implantar uma política industrial e tecnológica com base na dimensão patrimonial das firmas locais. É muito mais factível e lógico tentarmos trilhar o mito do desenvolvimento buscando realizar amazonidades do que pensando em apenas consolidar as firmas e marcas estrangeiras sob o manto da ZFM, que encerra contradições e limitações insolúveis do ponto de vista do autodesenvolvimento. Isto é verdade mesmo que o nível do ambiente de inovação manauara, segundo determinada taxonomia elaborada por pesquisador qualificado da FGV, albergue iniciativas de melhorias e de inovações incrementais enquadradas num estágio pré-intermediário numa escala que vai até 7, onde se processam as criações e as invenções, isto é, a  própria proximidade com a fronteira tecnológica. Basta observar as assimetrias e anacronismos históricos existente entre o chão de fábrica do PIM e os bancos escolares e as bancadas laboratoriais disponíveis no chão acadêmico, depois de observada a origem do capital que lidera o seu faturamento:

1.      Qual o PPB que foi efetivamente reduzido sociologicamente de esforços de pesquisa e de investigação locais sob o lema de produzir mais com menos?

2.      Quais foram as contribuições da academia local para as rupturas de engenharia de processo de mecanismos semi-montados (SKD) para partes e peças totalmente desagregados (CKD)?

3.      Qual a participação do Sistema Manaus de Inovação na revolução tecnológica que transformou o tubo catódico em peça de museu e trouxe as novas tecnologias associadas ao LCD, PLASMA e associações correlatas, quais OLED?

4.      Qual, enfim, a participação de academia local no desenvolvimento das tecnologias e correlatas evoluções sequenciais de telefonia móvel ­ ...; G3; G4; G5; ...?

Na tradição védica há um texto sagrado clássico que se chama BHAGAVADGITA, que reproduz um diálogo de Krishna para Arjuna. Arjuna se vê com medo de guerrear a boa luta. Então, Krishna lhe fala palavras fortes e duras, gerando efeito positivo não só para a resolução do problema existencial de Arjuna, mas o impulsionando para o autoconhecimento. Malbaratando essa verdade védica inserida no contexto da liberdade e da imortalidade, podemos dizer que essas palavras − esquizofrenia; aberração e delírios – visam despertar o capital social de Manaus para o autodesenvolvimento em busca da liberdade política e independência econômica da Amazônia por meio das amazonidades, vale dizer, da construção de capitalismo amazônico, que transforme insumos e saberes da floresta em produtos e serviços realizados no mercado. Isso enquanto o capitalismo for o sistema que organiza a humanidade no seu atual estágio de evolução espiritual. É absolutamente indispensável que tomemos refúgio na lógica genuína do sistema capitalista, que acumula lucros e apropria conhecimento entre firmas, expressos em capital e tecnologia, e na lógica dos estados nacionais, que os contabilizam em suas contas de comércio exterior. Devemos ter coragem heroica para travar a boa guerra vertida ao mito do desenvolvimento, indo para além da reprodução de capital e tecnologia de alheios e de alhures. Anexo, um dx de esperança!


Anexo: Da Esperança

O professor Frank Cruz defendeu sua tese de doutoramento, aprovada por unanimidade, com a realização da pesquisa intitulada O Efeito da Substituição do Milho pela Farinha de Apara da Mandioca em Rações de Poedeiras Comerciais em Manaus.

O trabalho, defendido em audiência pública realizada em 29.10.04, foi a primeira tese de doutorado em biotecnologia da Ufam e do Programa Multi-institucional de Pós-graduação em Biotecnologia financiado pela Suframa.

A reportagem denominada “Biotecnologia: resto de mandioca substitui o milho”, publicada no jornal A Crítica de 02.11.04, página C8, sintetiza o trabalho conforme trecho abaixo:

...Em sua pesquisa, o doutor Frank Cruz conseguiu trocar o milho, um produto importado pelo Estado, das rações para aves por um material produzido e encontrado em abundância na Amazônia – a farinha retirada dos restos de mandioca cortadas nas feiras de Manaus – sem alterar a qualidade do ovo produzido na região.

Os resultados da pesquisa mostram vantagens econômicas aos produtores do ramo de postura avícola...

Trata-se, portanto, de um exemplo recentíssimo de criação de uma amazonidade, à qual toda a atenção deveria ser dispensada. Temos dezenas, talvez centenas, quiçá milhares no futuro, de outras criações que mereciam igualmente o mesmo tratamento. Poder-se-ia fazer uma simulação da aplicação de uma política industrial e tecnológica à luz da do modelo estadunidense, que fez do Estados Unidos a maior potência econômica do planeta:

1.     Conceder prêmio pecuniário ao autor;

2.     Incentivá-lo a empreender a sua criação no mercado, financiando o investimento com taxa zero;

3.     Proteger a empresa nascente da competição predatória, inclusive estabelecendo barreira tarifária para a entrada de produto concorrente no Estado;

4.     Conceder subsídios até a consolidação do investimento;

5.     Estabelecer incentivos fiscais para todos os insumos e matérias-primas utilizadas na produção;

6.     Estabelecer novos prêmios e incentivos financeiros para o desenvolvimento de inovações tecnológicas de produto e de processo;

7.     Estabelecer outros prêmios e incentivos financeiros para a conquista de novos mercados; enfim,

8.     Oferecer capacitação de todo ordem (gerencial; tecnológica; mercadológica; etc.) para o sucesso do empreendimento.


Nota: Trata-se de um fragmento da segunda edição do Redesenhando o Projeto ZFM: um estado de alerta! uma década depois, publicada em 2006. Representa mais uma demonstração inequívoca que com amor próprio e galhardia poderíamos trilhar o mito de desenvolvimento pela vereda do autodesenvolvimento. Mais um exemplo de combinação virtuosa de catching up, na medida em que o pesquisador idealizou máquinas e equipamentos – trituradores e secadoras, por exemplo – de tecnologia universal, com a perspectiva do growing up, que se utiliza de um insumo amazônico enquanto trajetória tecnológica alternativa, trazendo benefícios para a ética da autossustentabilidade; ex ante, mitigando impacto ambiental utilizando a casca da mandioca como insumo, e ex post, reduzindo déficit na balança com a importação de milho. Mas, infelizmente, decorridos quase 11 anos desde a defesa da tese, não se tem notícias de que esse conhecimento tenha sido transformado na forma de negócio, e, como tal, acolhido e protegido por determinada política industrial e tecnológica amazonense que privilegie o capital e a tecnologia local. Não sabemos nem mesmo se essa transformação foi tentada.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

SOBRE A NATUREZA REAL DA ZFM

ZFM: projeto ou modelo?
É instigante a persistência do pensamento único, especialmente do chão institucional, em adotar no seu discurso o conceito de modelo para categorizar a ZFM, padrão cognitivo que se estende, sobretudo, para as elites de governo e de políticos. Em minha opinião, representa, subliminarmente, o medo de perder o combustível do processo de industrialização de Manaus, lastreado por vantagens competitivas estáticas. Talvez venha à memória coletiva a perda do fausto vivido na época em que fornecíamos borracha natural para a nascente indústria global, que evoluiu para a borracha sintética. Tudo evolui se enfrentarmos os desafios.
Se percorrermos o marco regulatório, não encontraremos nenhuma alusão ao conceito que representa a palavra modelo, nem mesmo a identificamos explicitamente. E o que ela significa? Do dicionário eletrônico Miniaurélio, extraímos os seguintes significados:
Substantivo masculino.
1. Representação de algo a ser reproduzido.
2. Representação, em pequena escala, de algo que se pretende reproduzir em grande.
3. Protótipo de um objeto.
4. Pessoa que posa para artista plástico ou fotógrafo.
5. Pessoa ou coisa que serve de exemplo ou norma.
6. Protótipo de peça de vestuário, ou de outros produtos de consumo (como carro, televisão, etc.), a ser(em) fabricado(s) em série.
Substantivo de dois gêneros.
7. Manequim (3).
De plano, podemos excluir, considerando o que observamos ao longo dos 48 anos de existência da ZFM, e muito especialmente, a observação direta ao longo dos 31 anos de serviço na Suframa, a instituição que a administra, as explicações associadas aos itens 3, 4, 5, e 7. Os dois primeiros itens vertidos à verbalização “representar” ficam de fora, primeiro porque nunca se pretendeu e não se pretende reproduzir a ZFM em qualquer outro lugar; segundo porque, embora o faturamento do PIM seja sempre crescente ao longo da história, as firmas já nascem grandes e fortes, tanto industrial quanto tecnologicamente falando, portanto, não há o que reproduzir. Ao contrário, a briga é por manter sua excepcionalidade em Manaus, evitando concorrência com qualquer outro local pátrio a todo custo. Já o item 6 aponta marginalmente para a possibilidade industrial da atração de investimentos, ou seja, aprova-se projetos para a produção em escala de TVs, por exemplo. Mas são delírios e aberrações esquizofrênicas, pois todas as possibilidades sugerem dependência e limitações do ponto de vista do auto-desenvolvimento. Eu sei, eu sei. Atrair para substituir importações, reproduzindo processos e produtos. Mas só isso escraviza, enquanto que a perspectiva desafiadora do Projeto liberta. Temos que seguir em frente! Vejamos por quê e como.
Por outro lado, frente à perspectiva de modelo, o marco regulatório, mesmo não citando a palavra “projeto” para categorizar a ZFM, de forma inequívoca, o representa. De forma clara, inicialmente com a expressão do artigo primeiro do seu Decreto fundador, abaixo transcrito:
Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram os centros consumidores de seus produtos.
Ou seja, há um objetivo a ser alcançado, o que pressupõe o conceito de projeto. Vejam o que diz o mesmo dicionário sobre a palavra projeto:
Substantivo masculino.
1. Plano, intento.
2. Empreendimento.
3. Redação preliminar de lei, de relatório, etc.
4. Plano geral de edificação.
Não há dúvidas, que a ZFM aponta para um empreendimento, cuja intenção é a criação de uma dinâmica econômica no interior da Amazônia. Explicitamente há um plano de Estado com início, meio e fim. O prazo inicial de 30 anos, estabelecido com o artigo 42 do Decreto fundador, após sucessivas prorrogações, foi estendido até 2073 com a Emenda Constitucional 83/2014:
Art 42. As isenções previstas neste decreto-lei vigorarão pelo prazo de trinta anos, podendo ser prorrogadas por decreto do Poder Executivo, mediante aprovação prévia do Conselho de Segurança Nacional.
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 92-A:
"Art. 92-A. São acrescidos 50 (cinqüenta) anos ao prazo fixado pelo art. 92 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
Os recursos financeiros vertidos ao empreendimento ZFM que, por sua vez, se associa ao desafio vinculado ao autodesenvolvimento, pode ser, essencialmente, representado pela autonomia administrativa e financeira da Suframa e seus respectivos Planos Estratégicos, expressos por políticas e diretrizes, programas e ações. O artigo 10 do Decreto fundador assegura a perspectiva autárquica. As antigas Portarias institucionais que regulamentavam o preço público cobrado pela prestação de serviços e agora a Lei n.º 9.660/2000,[1] que institui a TSA, em especial os seus artigos quinto e sexto, que pontam para a perspectiva da gestão independente:
Art 10. A administração das instalações e serviços da Zona Franca será exercida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) entidade autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, com sede e foro na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.
Art. 5º. Os recursos provenientes da arrecadação da TSA serão creditados diretamente à Suframa, na forma definida pelo Poder Executivo.
Art. 6º. Os recursos provenientes da TSA serão destinados exclusivamente ao custeio e às atividades fins da SUFRAMA, obedecidas as prioridades por ela estabelecidas.
Ora, e o que significa autarquia? De novo recorremos ao Miniaurélio para buscar esclarecimentos:
Substantivo feminino.
1. Poder absoluto.
2. Governo dum Estado por seus concidadãos.
3. Entidade autônoma, auxiliar da administração pública.
§ au.tár.qui.co adj.
Portanto, a Suframa enquanto órgão federal possui condição jurídica absoluta e autônoma, enquanto entidade auxiliar do poder central, para a realização do empreendimento vinculado à ZFM. A liga, que une os recursos financeiros ao ideário de autodesenvolvimento, é, como já dito, os Planos Estratégicos elaborados ao longo da existência da Suframa, hoje expresso pelo aprovado junto ao CAS em 2010, que consolida toda a experiência visionária para além da ZFM. Considera-se para fins da atuação da SUFRAMA, as seguintes áreas estratégicas: [2]
I. Desenvolvimento Organizacional;
II. Gestão de Incentivos Fiscais
III. Logística;
IV. Tecnologia e Inovação;
V. Atração de Investimentos;
VI. Inserção Internacional;
VII. Capital Intelectual e Empreendedorismo; e
VIII. Desenvolvimento Produtivo.
Ou seja, como meio tem-se o desenvolvimento organizacional, como sarrafo e meta operacional, a gestão de incentivos fiscais, como instrumentos complementares a logística, a atração de investimentos e a inserção internacional, que impulsionam o ideário do autodesenvolvimento nas dimensões da tecnologia e inovação, do capital intelectual e empreendedorismo e do desenvolvimento produtivo. Essas áreas estratégicas se desdobram num conjunto de pencas de ações, que se executadas, expressariam a contribuição da Suframa/ZFM para a consecução do ideário do autodesenvolvimento. No entanto, escudados na tese do modelo, do medo frente ao desafio civilizatório, continuamos justificando os sucessivos prazos de prorrogação da ZFM com a carência de infra-estrutura e a dependência industrial e, sobretudo, tecnológica associada ao PIM, na esteira da atração de investimentos. Registre-se que as metas associadas ao centro comercial e agropecuário, por motivos diferentes, não acompanham as evidências do centro industrial, consignados como meta do Decreto fundador.
É evidente que esse esforço não está restrito ao chão institucional, mas deveria se espraiar por todas as missões dos agentes do governo, da academia e do próprio setor produtivo, consolidando uma visão de futuro desejado por parte da sociedade, por parte do capital social de Manaus, do Amazonas e da própria área de atuação da Suframa. No Anexo, apontamos uma iniciativa individual, mas o desafio é coletivo. O ideário deve ser coletivo.
Festejamos o produto do PIM/ZFM, mas não nos damos conta de sua natureza dependente. Se olharmos para todas as histórias centrais de desenvolvimento industrial e tecnológico identificar-se-á nos pertinentes planos e estratégias nacionais a preocupação com a dimensão patrimonial das firmas. Claro, a atração de indústrias e a transferência de tecnologias são ferramentas e instrumentos importantes de política industrial e tecnológica. Mas devem ter prioridades nessas políticas a emergência e a consolidação de uma estrutura empresarial e de inovações própria, local, endógena. Não basta que a firmas estrangeiras sejam abertas sob as leis nacionais.
Ao longo da nossa reflexão sobre o Projeto ZFM, ao passo em que ganhávamos experiência profissional e acumulávamos conhecimento intelectual no chão institucional, fomos progredindo do entendimento da necessidade de consolidar o PIM, via provimento de competitividade sistêmica, para a convicção do desafio do autodesenvolvimento, igualmente via provimento de competitividade sistêmica, mas com foco genuíno, único, ímpar. Nesse processo, idealizamos conceitos e propomos estratégias associadas. Destaco o principal intitulado de growing up em contraponto ao que os especialistas chamam de catching up, isto é, ao invés de apenas nos associarmos à trajetória tecnológica forjada pela fronteira tecnológica associada ao sistema global de inovação, deveríamos buscar utilizá-la, complementando-a com uma trajetória alternativa lastreada por amazonidades, entendida como a realização de insumos e saberes da floresta na forma de produtos e serviços no mercado local, regional, nacional e global. Essa visão, essa trilha, essa vereda, esse ideário amalgamado pela ética da autossustentabilidade. Como conseqüência desse conceito principal, identificamos o empreendedorismo científico-tecnológico, ou inovador como preferem os especialistas, como a principal estratégia para alavancar a correlata experiência civilizatória, adotando o chão amazônico como laboratório. O empreendedorismo científico-tecnológico, consolidado o Sistema Manaus de Inovação, a serem potencializados nos próximos 100 anos, enquanto ferramenta de superação do Projeto ZFM, a partir da cultura do capital de risco, entendido o capitalismo como processo organizador da sociedade mundial, é a chave-mestra do autodesenvolvimento. A partir daí acumular-se-ia mais e mais lucros e apropriar-se-ia de mais e mais conhecimento, a serem transformados em mais e mais negócios. A idéia não é negar a ZFM, mas superá-la, mediante construção de um capitalismo amazônico estruturado com vantagens competitivas dinâmicas.
Entendemos, portanto, que a adoção da ZFM pela categoria de um Projeto de Estado representa uma atitude guerreira, que desafia a condição intrínseca de impermanência das coisas no processo histórico evolutivo. Sobretudo, representa a perspectiva do caminhar com as próprias pernas, sem descuidar da interdependência local-global. Fazendo um paralelo com o autoconhecimento, poderíamos dizer que a adoção da ZFM pela categoria de um modelo representa viver somente sob a perspectiva do complexo mente-ego, com os objetos dos sentidos alimentando e nutrindo nossa existência, sem associá-lo com a busca da autorrealização desde a consciência. Malbaratando esse paralelismo, persistir no tratamento da ZFM sob a lógica de modelo significa viver sob o espectro do irreal; assumir sua perspectiva de Projeto seria viver na dimensão do real. O desafio do autodesenvolvimento representa a ponte que nos conduziria do irreal para o real.

Anexo:
Uma amazonidade, dentre centenas ou até mesmo milhares de oportunidades de negócios
O professor Antônio Mesquita, da Universidade Estadual do Amazonas, investigou como tese de doutorado em Engenharia de Recursos Naturais, a transformação do açaí em painéis sustentáveis, que denominou de ecopainel. O ecopainel é produzido a partir da fibra de açaí, com a utilização de uma resina de óleo de mamão. O processo de fabricação do ecopainel consiste na retirada das fibras dos caroços para secagem em uma estufa. Elas são moídas e depois misturadas com resina. Após a mistura, é realizada uma pré-moldagem e prensagem. Um colchão de fibras do açaí resinada é obtido, para ser processado numa prensa hidráulica, permitindo a fabricação do painel. Portanto, há aplicações tecnológicas de química e de engenharia de materiais para a inovação tecnológica. Portanto, há associação e combinação virtuosas entre a ciência estabelecida, na forma de tecnologia disponível para a produção de madeira compensada e correlatas melhorais e inovações incrementais, com a busca do progresso sociotécnico pela inovação contínua, na forma de utilização de recursos naturais alternativos e sustentáveis. No caso, catching up associado com growing up. A ideia fundamental é o aproveitamento de recursos naturais como materiais para a produção de uma amazonidade, isto é, a transformação de insumos e saberes da floresta em produtos e serviços a serem realizados no mercado. Trata-se, portanto, de uma alternativa real vertida ao autodesenvolvimento, inserida num processo sustentável à montante e à jusante, pois poderá beneficiar comunidade do chão amazônico na forma de associações e cooperativas, poderá mitigar impactos ambientais com o resgate do caroço de açaí que iria para o lixo, bem como representa uma boa perspectiva para fabricação de móveis sustentáveis. O ecopainel já tem carta-patente. E está em estudo a elaboração de um Plano de Negócios, com o objetivo de sua realização econômica. É nessa hora que o governo deveria se aproximar e facilitar essa realização econômica, financiando, incentivando e protegendo uma firma nascente. No curto e médio prazo, promovendo a emancipação econômica de negócios sustentáveis. No longo prazo, promovendo a construção de um capitalismo amazônico, vale dizer uma estrutura empresarial local inserida num ambiente de inovações permanentes, como fruto e resultado de uma política industrial e tecnológica heterodoxa, que privilegiaria a dimensão patrimonial da firma local. A tese foi defendida em dezembro de 2013. Iniciativas como essa, devida e efetivamente realizadas no mercado, deveriam ser exponenciadas!





[1] Necessariamente reformulada junto a sua natureza tributária e excepcionada junto à lógica da Conta Única da União.