quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

CRÔNICA DE UMA VIAGEM

À sombra do Tio Sam: impressões sobre o passado, evidências do presente e perspectivas para o futuro

Falo especificamente da visita que fiz, sozinho, à Havana e Varadero, em Cuba, e à capital panamenha, agora em dezembro. Basicamente, foram dois úteis em cada cidade: 6 e 7, na capital cubana; 9 e 10, na cidade veraneio cubana; e 12 e 13, na Cidade del Panamá. Corre o ano de 2014 da era cristã.

De plano, registro que, para escrever essa crônica, além das impressões, evidências e perspectivas colhidas in loco, não só decorrente da observação direta, mas resultante de diálogos com motoristas de táxi, condutores de charretes, balconistas de hotéis, vendedores de lojas e livreiros, li e revisitei a publicação CUBA, da Folha de São Paulo, de 2009, a CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA DE CUBA, da Editora Política / La Havana, de 2013, e uma revista de turismo oficial do Governo do Panamá. Claro, impressões, evidências e perspectivas albergadas pelo filtro da história acumulada nos 54 anos desta forma ordinária, aqui com destaque para o atributo anarco-burguês sob o manto ióguico, a partir da consciência de que a verdadeira liberdade secular é impossível sob o exercício de toda e qualquer autoridade política e da possibilidade de uma consciência associada a uma Solução Última autocontida e ao mesmo tempo vertida numa Realidade Absoluta transcendente e ao mesmo tempo imanente à dualidade representada pelas manifestações cósmicas caracterizadas pela impermanência das coisas e dos fatos, os quais, consignados nos espaços-tempos históricos, tornam-se vazios e pequenos juntos ao poder e à potência do aqui e do agora.

Havana é um mundo apartado do mundo que conhecemos. Em linhas gerais, o povo até que é alegre, mas sente-se nele o desejo da ambição, o desejo de consumir. O que é da natureza do homem, considerando seu atual estágio de evolução espiritual. Dois motoristas reclamaram comigo que não recebem pelo que trabalhavam. Ou seja, o mundo liberal não tardará, na minha opinião, a tomar conta desse território, como já o fez com a ex-URSS e está fazendo com China, por exemplo. Estou convencido que o Ser articula permanentemente a lógica da competição e da acumulação como ferramenta do jogo cósmico, lastreado pela lei de causa e efeito, convergente com a atual evolução espiritual da humanidade.

Ao passear a pé, observamos que os prédios e carros caindo anos pedaços convivem na ordem de 80% contra 20% de modernidade. No centro histórico, quase fui devorado pelos prestadores de serviços turísticos. Parede a postura dos vendedores ambulantes de Fortaleza, assediando os turistas nas praias e passeios públicos, oferecendo redes e rendas cearenses. Em ambos, predomina a necessidade por uma melhor qualidade de vida. O carro que me levou do aeroporto para o hotel, também caindo aos pedaços, desligava toda vez que parava num sinal. Mas o motorista foi supergentil ao me abordar logo na saída da sala de desembarque, me levando para fazer câmbio de dólares em CUC, moeda cubana para turista, numa relação vantajosa para a economia, portanto, sem lastro econômico para valer mais do que a moeda global. No caminho para o hotel ofereceu várias vezes uma chica para animar o passeio, artimanha adotada por quase todos que operam na área turística. Houve um gaiato que, frente a minha resistência, ofereceu um chico. Relevei.

O hotel sugere um palácio transformado, até que de primeira, mas tudo velho, com pisos descascados, dutos do ar-condicionado seguramente contaminados de bactérias e as paredes rendendo homenagens aos comandantes do processo revolucionário que instalou a família Castro no poder. Tirei algumas fotos do hotel que é grande com quarto espaçoso, mas que precisaria de uma boa manutenção. Tem piscina grande com vários ambientes, bem como sala de ginástica e quadra de tênis. Dispõe também de espaços para eventos externos. À noite, pausava para tomar uma cervejinha cristal, a melhor de Cuba para os cubanos, no lobby bar do hotel, ouvindo piano, antes de subir, cedo, para dormir. Na manhã do último dia em Havana, optei por nadar na bela piscina do Hotel. No início da tarde do último dia, fiz o traslado hotel-hotel para Varadero de ônibus. Lá esperava o mar caribenho. Mas houve novidade.

Não tirei muitas fotos, para dar atenção ao passeio. Todos com quem tive contato querem conhecer o Brasil. Um cubano disse que gostaria muito de ir para a copa, mas creio que não podem e/ou não tem dinheiro. Bem, nem tudo é ruim em Cuba. Destaco que não há analfabetos. Já em 1962, apenas 3 anos após a revolução, o analfabetismo havia sido erradicado. E o SUS deles talvez seja um dos melhores do mundo e certamente melhor do que o brasileiro. Destaco essas duas variáveis por constituírem, na minha opinião, as duas principais dimensões de uma nação no longo prazo. Num horizonte de 100 anos, por exemplo.

As pessoas em Havana tem uma postura ativa em relação a vida pois sabem o que lhes afligem, a falta de liberdade. Já nos países desenvolvidos e emergentes do mundo capitalista o povo nem imagina a alienação que lhes acomete. O  americano, por exemplo, não tinha noção do poder negativo que sua nação determina ao mundo, percebido, segundo alguns especialistas, quando se deu os atos de terrorismo intenso e ao mesmo tempo horrendo liderados por Osama bin Laden. As pessoas simples de Manaus, da Amazônia e do nordeste brasileiro, e mesmo nas  regiões mais dinâmicas do Brasil, de uma forma geral mal sabem ler e escrever e fazer as operações mais simples de matemática. Cuba é uma potência nos esportes, considerando seu porte como nação e seus recursos, e faz parte da fronteira da biotecnologia, por exemplo, mesmo considerando o tamanho de sua economia e a opção política do país.

Não encontrei o Fidel, mas se o tivesse encontrado teria dado um cascudo, no sentido de que oriente o Raul a abrir Cuba para o mundo, atraindo investimentos, sem perder de vista, sem deixar de perseguir o autodesenvolvimento com capital e tecnologia próprias. Teria argumentado, sobretudo, sobre a necessidade da alternância de poder político para oxigenar o tecido social. Cuba ainda vive a revolução em todos os cantos da cidade, com cartazes, fotos e slogans expostos, embora nada comentem sobre Fidel ou Raul. Os dois recebem uma espécie de silêncio honroso. Che sim, é reverenciado.

Logo no primeiro dia em que cheguei à tarde passeei de charrete pontuando os principais prédios da  Habana Vieja e Centro de Habana e Prado, quais a Catedral de San Cristóbal e o Capitolio. Ao longo dos dois dias seguintes visitei todas as Plazas, de la Catedral, de Armas, de San Francisco e Vieja, seus prédios e ruas ao redor delas. As praças são típicos arranjos urbanos inerentes à colonização espanhola. Nesse passeio, feito de charrete, fui convocado pelo condutor a comprar charutos de cooperativas, com a promessa que seriam tão bons quanto os vendidos em casas oficiais, além de mais baratos, pois vendidos pela metade do preço. Aceitei. Perguntei ao condutor da charrete se Fidel teria abandonado Che na Bolívia, para não lhe fazer frente, pelo que simplesmente disse: "sobre isso nada sei!". E ponto final, assenti.

Ao passear pela Praza das Armas, depois de conhecer o centro de artesanato cubano, comprei um exemplar, da primeira edição de 1968, do diário do Che, que relata sua experiência fracassada na Bolívia, o qual presenteei a um amigo estudioso da temática e admirador desse personagem histórico. Na realidade, nessa praça, conheci, de minha parte, a maior feira livre de livros usados a céu aberto, sebo a céu aberto. Esse cenário reflete a autorização dada pelo governo cubano, no início dos anos 1900, para o florescimento de pequenos negócios. A propósito, sugiro o filme Habana Eva, que relata a história de uma jovem mulher, que conhece um novo amor e as oportunidades dos negócios, rompendo com o velho e tateando o novo.

No entorno dessa praça tem prédios da época da colonização espanhola, com destaque para o Palacio de los Capitanes Generales e para o Castillo de la Real Fuerza. Belíssimo local aonde almocei comendo uma lagosta debaixo de uma tenda olhando a praça cheia de árvores. Depois do almoço, comprei 3 CDs de jazz cubano, sendo aquele embalado pelo saxofone de Carlos Miyares o melhor deles. Em sequência, claro, fui passear pela Malecón, orla marítima ou beira mar de Havana, uma espécie de Vieira Souto cubana. Sua imagem, realmente, não é bonita. A visão do horizonte é o mesmo de todo litoral. Na realidade, é uma pena, pois segue a mesma lógica dos carros, com prédios velhos e fachadas feias para os padrões arquitetônicos ocidentais. No máximo 20% delas estão conservadas, como já disse.

Acho que o processo social instalado com a revolução cubana de 1959, ano e mês do nascimento deste turista, não dá muita trela para essa estória de colonização com a mesma característica, por exemplo, dos chilenos e, especialmente, dos peruanos. Os chilenos são orgulhosos em relação a sua superação, os peruanos amargurados em relação aos desatinos proporcionados pela ela, mas os cubanos simplesmente a ignoram. Talvez enquadrem a ação dos espanhóis históricos na mesma lógica anti-imperialista com que tratam seus atuais algozes. Mesmo que os autóctones tenham sido exterminados pelos espanhóis, como informou o guia turístico do traslado Havana-Varadero.

Visitei os Museus da Revolução, de Belas Artes e de História Natural de Cuba. No primeiro, tirei uma foto de uma imagem em tamanho natural feita de cera do Comandante Camilo, importante personagem da Revolução Cubana, ao lado do seu ícone, o Comandante “Che” Guevara. No de História, me chamou a atenção a referência de autores, pesquisadores e cientistas, do extinto bloco comunista. Crianças, com seus pais, visitavam esses Museus; no de Belas Artes, eram incentivadas a desenhar com a orientação de um professor, simplesmente sentadas ou deitadas de bruços no chão. Muito legal, perceber que as crianças em Cuba precisam da companhia e da orientação de seus e professores como em qualquer outro lugar deste Planeta. Ainda no de Belas Artes, contemplei por longos minutos um belíssimo quadro de cegos caminhando um apoiado no outro em rede de mãos e ombros. Essa seria a lógica da solidariedade enquanto substrato de organização social em contraponto ao imperativo da competição. Uma utopia!

O Museu de História Natural, claro, não chega nem aos pés do de Ottawa, localizado na capital canadense, que conheci no início dos anos 2000. Mas os cubanos fazem o que podem mesmo com muito pouco. Individual e coletivamente muito pouco é acumulado para gerar reinvestimentos contínuos, pois a lógica de mercado não prepondera, sendo outra estrutura de velores. Nesse dia, revisitei alguns pontos dos passeios anteriores, como a elegante e aconchegante feira de livro na Plaza das Armas. Almocei num restaurante típico na Plaza Vieja.

Registro que vi poucos chineses e japoneses, especialmente os primeiros, que tomavam conta do aeroporto de Paris, em conexão, quando visitei Praga, Budapeste e Viena no primeiro semestre deste ano. Eles apareceram mais em Varadero. Insta registrar um grande atributo de Havana: não tem engarrafamento e o heroico esforço de manter carros americanos e russos velhos rodando, a partir de motores e pneus desenvolvidos em Cuba. Deveria constituir um estudo de caso de uma tese de doutorado em engenharia mecânica pois os caras são bons. Já deve haver. Contudo, na segunda quinzena de dezembro, ficamos sabendo, aqui no Brasil, da autorização do governo cubano para importação de carros. Talvez isso possa contribuir para no futuro, Cuba ter sua própria indústria automobilística, se não seguir o exemplo chinelo. Imagino que dispõem de capacitação tecnológica mínima, pois os carros americanos e russos rodam há mais de 40 anos, na medida em que os cubanos desenvolveram seus próprios motores e pneumáticos.

No segundo dia andei, andei e andei. Inclusive no Paseo del Prado, contemplando as fachadas de suas ruas paralelas e os leões que o pontuam. Fiquei exausto, mas contente. Finalizei toda Havana dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, expressões dos sítios Viejo, Centro e Prado, e ainda vi a urbanidade do século XX, Vedado e Plaza, este de ônibus de turismo. Nesse passeio de ônibus, contemplei o Memorial José Martí, perdendo a oportunidade de subir até o mirador no alto da torre, considerado o ponto mais alto de Havana, que oferece uma vista da cidade inteira. Na realidade, perdi muitas outras visitas como, por exemplo, a casa onde viveu Hemingway, chamada de Finca La Vigía, e o Parque Lenin, que ficam fora do Centro de Cuba. Não visitei também o Museo del Ron, apesar de ter comprado uma pequena garrafa de rum envelhecido 7 anos para presentear um amigo. Mas conheci a Real Fábrica de Tabacos Partagás. Charuto e rum são dois atributos cubanos. Visitei apenas duas Igrejas: a Catedral e a Basílica Menor de San Francisco. Esta última, oferece uma bela vista, a partir do seu campanário, da Plaza de mesmo nome que tem como destaque a sua Fuente de los Leones. Registro que, na minha opinião, o Estado cubano, na sua atual configuração, não dá muita bola, não dá muita trela para a Igreja enquanto instituição, pois seus prédios, na minha percepção, são abertos apenas “para turista ver”, expressão derivada da histórica “para inglês ver”.

De novo, Havana é belíssima! Mesmo pobre, não perde o ar aristocrata da primeira metade do século passado. Pena que seus bangalôs, habitados pelos trabalhadores revolucionários e seus descendentes com pouco recursos, não sejam mantidos e reformados. Constatei em Florença e, especialmente, em Veneza, que os prédios velhos são mantidos e reformados com suas fachadas originais para fins turísticos, porém, internamente dispõem de toda infraestrutura moderna. Todavia, sua atual elite política e seu povo é digna de todo reconhecimento histórico, pois se demandam por liberdade, portanto, sabem o que desejam, os cidadãos simples de Manaus, volto a dizer, não imaginam o quando são alienados pelo mercado no sistema de uma democracia de segunda categoria. Tenho forte convicção na solidariedade econômica e consciência humana correlata como sistema social mais elevado. Mas, a humanidade terá que desbastar ainda muito a pedra bruta que é seu coração, reprodutor de uma mente competitiva, suprida pela ambição de ter e acumular.

A viagem de Havana para Varadero durou mais de 4 horas de tanto parar em hotel para pegar e deixar passageiros. E eu fui a primeiro a entrar e o último a sair do ônibus. Nesse trajeto, fiquei bastante impressionado com o guia turístico cubano, que além de falar as línguas básicas de sua profissão, falava fluentemente russo, inclusive cantando músicas populares com turistas ucranianos. Fiquei emocionado com sua devoção ao cantar um hino que homenageia Che, que reverencia a presença permanente do Comandante nos corações e mentes dos cubanos. Após a chegada, jantei com um casal canadense e acho que os convenci, ainda que com meu fraco inglês, a conhecer o Amazonas na sua qualidade de última grande fronteira natural ao lado dos fundos oceânicos e da Antártica. Apesar desses aspectos positivos, considerei esse dia meia-sola, pela longa viagem de ônibus. Foi o dia 8.12.13. Tanto que não está listado como dia útil, ainda que tenha obtido mais alguma informação e algum conhecimento.

O hotel Meliá Marina Varadero é coisa de louco. Capital espanhol realizando a abertura da economia promovida pelo governo cubano por meio da expansão do turismo. Novíssimo em folha. Grande a beça. Acho que nunca estive num hotel em férias tão luxuoso. Fiquei deslocado do prédio central num condomínio que faz parte do complexo com carrinho e motorista disponível a qualquer hora, tanto para ir para o hall do hotel quanto para a praia, a partir do pátio das piscinas. Refeições café almoço e jantar; e drinks, como parte do pacote. Mas o hotel tem opções VIP.

O complexo do hotel na realidade é monstruoso, especialmente para os padrões cubanos.
Tem quatro prédios no condomínio aonde fiquei hospedado, além do núcleo central. É visível obras de expansão, que talvez seja até mesmo do próprio projeto original, pois como disse acima o hotel é novíssimo em folha. Turistas do mundo inteiro podem aproveitar os espaços VIP tipo jantar reservado para brindes&brindes com champanhe, além da possibilidade de navegar pelo mar cubano do oceano Atlântico, via hobe cat ou mesmo num veleiro. Porém, em Varadero, o bom é simplesmente caminhar pela praia e depois nadar na piscina. Passear pelas lojas do hotel ou tomar um aperitivo, aguardando o almoço ou jantar.

Pode-se simplesmente decidir, como o fiz, não ir no centro, pois o hotel é longe. Precisei fazer caixa pois o custo do taxi para o aeroporto é caro. Para os menos abastados, então, só o hotel é uma atração em si. Atenção, Varadero não é considerado mar caribenho, embora a água seja cristalina. É mar do oceano Atlântico. Existem outras ilhas do lado sul que, sim, é considerado mar caribenho. Essa foi a novidade. Ignorância geográfica deste turista. Dos passeios pela praia de Varadero, trouxe conchinhas para a ricaneta.

Atenção aqueles que pensam em Havana como um vírus que deve ser evitado: Varadero tem aeroporto internacional. Então, quem quiser apenas a praia, num luxuoso hotel de primeiro mundo, evitando uma urbanidade “velha” e “decadente”, basta ir direto, tipo aeroporto de Manaus, direto para o hotel Tropical, para sair em busca de tucunarés pelos rios do chão amazônico.

Observei que no hotel Meliá, o capital investido mediante atração mantém um exército de cubanos empregados gerando renda; igualzinho em Manaus com o Projeto ZFM. Sem tirar nem por, guardadas as devidas proporções. Parece-me que Cuba ainda não abriu as portas para o capital industrial e comercial, mas apenas para o capital de turismo. Após o esvaziamento da presença soviética na economia cubana, a solução encontrada para sair do semi-isolamento foi o turismo, que se expande como gente grande. Já no final da década de 1990, o turismo havia se tornado o setor mais forte da economia de Cuba. Em 2000, 1.774.000 turistas de todo o mundo, e não só da Europa Oriental como nos tempos ao alinhamento soviético, visitaram Cuba.

Em Havana, vi apenas um supermercado, e longe de ser algo ao menos parecido com os de Manaus. Não vi nenhum shopping. Mas vi Galerias de Passeo. Talvez algo equivalente. Em Varadero, como disse acima, não estive no centro, pois o hotel, para este turista, foi uma atração em si mesmo, mas não deve ser diferente. Na estrada indo para Varadero desde Havana comprei um dentifrício cubano liquefeito. Nesse mercado não vi as velhas marcas dominantes, tipo Kolynos e Colgate. O esforço de sobrevivência é próprio, nacional, endógeno. É o que parece!

Penso que os cubanos não tem acesso às mercadorias globais de marca, não só por falta de disponibilidade de renda, mas, sobretudo, porque não é permitido. Portanto, a abertura comercial e a atração de investimentos são limitados. Mas, ainda assim, a minha impressão, é que vivem alegres, cantantes e dançantes, como desejo reforçar. Ainda que reclamantes por melhores condições para uma melhor qualidade de vida, pois o salário que o governo paga não é suficiente para se viver. Já se vê aí uma motivação liberal, pois profissionais com profissão definida são obrigados a labutar em outra área. Por exemplo, um engenheiro atuando também como motorista de táxi. Aliás, isso já foi exemplo no Brasil em tempos de maiores níveis de desemprego.

Encontrei duas pessoas, uma mulher, balconista do hotel em Havana, cujo marido em janeiro virá para o Brasil como médico; e um homem, condutor de carrinhos que levam e trazem turistas dentro do hotel de Varadero, que o irmão médico também virá.

Quando falava que era brasileiro diziam: Brasil, país-irmão! Penso que acham a atual orientação diplomática brasileira Sul-Sul favorável a uma maior aproximação entre os dois países, especialmente se se perceber que a presidente Dilma se sentou ao lado Raul Castro, na homenagem ao Nelson Mandela, cujo exemplo de desapego ao poder poderia inflamar os ânimos governistas cubanos.

Varadero é um mundo a parte de Havana. Aberto que está aos investimentos globais na área do turismo. Fiquei hospedado no Meliá, como disse, empresa de capital espanhol. Fazia paradas no Fiesta, nome dado ao lobby bar, aberto 24 horas, em homenagem à primeira novela do Hemingway, que conta a estória de americanos e ingleses perdidos na França e na Espanha. Sabia da resistência francesa ao modo american life de viver, mas a da espanhola é novidade.

Na realidade, existem muitas resistências e é isso que faz a potência da democracia burguesa e do sistema capitalista, e, por conseguinte, do Estado moderno, pois eles se reproduzem constantemente para sobreviver a partir dos questionamentos e críticas. Escrevi, a tempos, um artigo que intitulei “Nem a democracia burguesa, nem a ditadura do proletariado”. Apenas para dar o tom dessa crônica, hoje intitularia “Nem a democracia burguesa, muito menos a ditadura do proletariado”. Mas o conteúdo, com recortes anarquistas, permaneceria intocável. Se não fosse Karl Marx, o sistema capitalista não seria tão robusto hoje quanto o que é. Aliás, o marxismo, ao vencer a luta histórica com o anarquismo, tornou-se corresponsável pelo sucesso do capitalismo, na medida em que a doutrina da autoridade política, substrato do instituto Estado, foi mantida intacta. Isso é que facilita a vida de populistas e dos ditadores, e, claro, da família Castro. Peças e figuras caricatas desde sempre nas plagas sul-americanas.

Talvez caiba aqui uma palhinha sobre o ex-ante e o ex-post do movimento de 1959, muito sucintamente. Vou tentar. Primeiro, a revolução em si está contida numa série de outras manifestações históricas, inclusive, de sindicatos de produtores e uniões de estudantes, que perceberam a perversidade e a tirania dos governos cubanos para com a população desde os primeiros momentos da República até a ditadura de Fulgência Batista, passando pelo regime de Gerardo Machado, que matou o intelectual marxista Julio Antonio Mella, exilado na Cidade do México. Esse período evidencia, portanto, Cuba como um quintal estadunidense onde predominava o prazer glamoroso da música, dos drinks, do sexo, do jogo, das drogas. Cuba era conhecida como a “ilha dos prazeres”, o que, em absoluto, significa que hoje os cubanos estejam esterilizados. Batista enriquecia os amigos e empobrecia a população. O país mantinha-se estagnado. Se continua estagnado após mais de cinco décadas de socialismo, pelo menos a lógica dos prazeres foi superada, sem falar que o povo hoje é alfabetizado e tem boa saúde. Esses fatos evidenciam que o motor da revolução foi a consciência construída ao longo das seis primeiras décadas do século XX quanto às miseráveis condições de vida do povo e a repressão social crescente, abertamente violenta.

Fiz uma pergunta básica a um motorista de táxi, no sentido de sentir sua opinião. Perguntei se Che estaria contente, se aprovaria a administração da Família Castro, se estivesse vivo. Assegurou que sim. Claro que isso não aponta para uma opinião geral. Existem dissidentes que até afirmam ao contrário, que em Cuba a saúde e a educação não são como estamos dizendo aqui, para sustentar o discurso da falta da liberdade e, portanto, da necessária mudança política. Para superar a dúvida, seria necessário uma investigação comparada. Comparar não só com países centrais e emergentes, mas com experiências surreais como a do Haiti. Uma viagem de turismo não é suficiente para alimentar essa discussão. Nesse sentido, registro que tenho minhas dúvidas frente a posição do motorista, considerando o próprio compromisso do Che com a lógica libertária, pois preferiu viver o combate vivo, o processo revolucionário permanente, para livrar o jugo do trabalho da potência do capital. Che seguramente abriu mão de se manter instalado no poder implantado em Cuba, após 1959, depois de ter exercido alguns cargos de importância, qual presidente do Banco Central. Numa outra perspectiva, Fidel teria abandonado Che na Bolívia? Poder-se-ia ter dois comandantes do mesmo nível, do mesmo porte, do mesmo peso, num mesmo e único processo revolucionário? Talvez, no mínimo, estivesse fazendo restrição à negação do princípio da alternância do poder no comando maior do país. Tais interrogações foram colocadas pelo amigo estudioso da temática, a quem presenteei o livro do diário de Che na Bolívia.

Por um lado, o esforço cubano, de enfrentamento da lógica do mercado, é heroico e, no futuro, poderá ser avaliado historicamente da forma imparcial. Idealmente, essa avaliação deverá estar igualmente isenta da mentalidade inerente ao jogo do poder político. Por outro lado, o modelo político-econômico cubano fere a natureza humana, no atual estágio de sua evolução espiritual, que é baixa, restritiva, face aos venenos do egoísmo, do orgulho, da ambição, do individualismo, que povoam o coração do homem, os quais alimentam e reproduzem a lógica capitalista. Será que esses venenos em algum tempo atrás ou à frente desta modernidade foram ou serão superados? Nunca saberemos, verdadeiramente. De qualquer sorte, poderíamos nos perguntar, mediando as duas perspectivas: será que se todo o mundo, a partir da década de sessenta do século passado, portanto, se a meio século atrás, tivesse adotado o padrão de consumo cubano as ameaças correlatas às mudanças climáticas estariam tão presentes quanto hoje? Talvez não, mesmo considerando que o processo da queima de combustível fóssil começou lá atrás com a Revolução Industrial, na medida em que o alto padrão de consumo se intensificou exatamente na última metade do século XX. O princípio da inovação tecnológica acelera as taxas de crescimento do padrão de consumo no mundo: modelos de carros novos a cada ano; modelos de celulares novos a cada semestre; inovações gerais a cada trimestre. Uma loucura! No mercado, a maioria alienada, comprando, comprando e comprando. Inclusive, este turista. A ética sustentável é a nova utopia da humanidade. Já tenho dito isto em minhas reflexões. A propósito, superado a Guerra Fria, bem que o Tio Sam poderia devolver o território que ocupa na região de Guantánamo ao povo cubano.

Mas, voltemos ao mote fulcral da crônica. Antes do almoço, no lobby em homenagem ao Hamingway, tomava dois copos de cerveja como aperitivo, quando percebia casais jovens mais alegre do que o normal. Após o jantar, tomava um licor, ouvindo um piano, oportunidade em que me dava conta da quantidade de casais in making love. Aqui acolá, um ou outro, degustando um cubano.

Declinei do baile dançante ao som da música cubana programado pelo hotel, pois apesar de não ter trazido o tapetinho de Yoga, a meditação foi intensificada com prática pela manhã às 6h e à tarde às 18h. Pelo menos, sempre que podia, considerando os horários e o cansaço dos passeios. Portanto, continuei, no período da viagem, me recolhendo cedo.

Numa oportunidade, contudo, antes de dormir, assisti ao filme Amor, que comprei no sistema iPad, ganhador, ano passado, do prêmio Palma de Ouro, associado ao Festival de Cannes. O filme é um espetáculo. Sobressalta a dignidade com que se pode tratar a vida na terceira idade mais avançada quando nós tornamos dependentes quais crianças. As atitudes chocam um pouco para nossos valores judaico-cristãos, mas é isso. Ter consciência que viemos, mesmo não sabendo de onde viemos; ter consciência que vamos, mesmo não sabendo para onde vamos, já é um grande avanço frente ao mistério da vida! Visões como a do filme, demonstra esse desapego ao mundo do presente, ainda que em geral as crenças religiosas privilegiem a vida e abominem o tirar a vida, qualquer que seja a condição terminal, ressalvados alguns casos previstos em Lei específicos para este ou aquele país. Todas as perguntas fundamentais, acredito, só e somente podem ser esclarecidas além do tempo, cujo portal é o aqui&agora. Nada mais!

Isso nos leva às perguntas que alimentam o autoconhecimento continuamente: "Quem sou?"; "Da onde vim?"; “Por que estou aqui?”; e "Para onde vou?". Sei que vim, embora não saiba de onde exatamente; e sei que vou, todavia sem imaginar para onde exatamente. Isso por si só, creio, já é um avanço, especialmente se aceitar que estou aqui para aprender. Mas, para saber quem sou realmente tenho que romper a barreira do tempo, aqui&agora. E isso é nada trivial. Dificílimo! Especialmente para uma forma ordinária, que continua subordinada aos sentidos. Para terem uma ideia, já no aeroporto do Panamá, comprei um chapéu panamá marca Monte Cristi, um dos melhores do mundo, segundo o vendedor. Acho que estou retomando, agora com 7 novos modelos, a pequena coleção que mantive nos anos 2000, de quase vinte exemplares. Por pressuposto, no maior e melhor shopping da Cidade do Panamá, o Albrook, fiz compras de presentes, no caso, de marcas globais, por exemplo, do famoso jacarezinho francês made in Peru. Nele também restaurei um dente que se quebrou em Havana. Sim, serviço odontológico num shopping; rápido, fácil e eficiente. Além de cortar o cabelo. Tudo a preços bastante competitivos frente aos brasileiros. Custo Brasil? Até quando? Carga tributária alta? Para aonde vai o dinheiro público? Ainda se poderia realizar duas vezes a mesma obra, como se dizia tempos atrás? Apenas abstrações!

Aproveito a oportunidade para ilustrar a crônica com um trecho da Chandoya Upanishad, texto vedantino, que me serviu de alento no passeio: “Assim como um pássaro amarrado numa corda voa desesperadamente em todas as direções buscando um lugar tranquilo e depois descansa no paleiro, da mesma forma, a mente, cansada de vaguear aleatoriamente sem encontrar repouso em lugar algum, se estabelece e se acalma no alento vital. É assim porque a mente inquieta está vinculada no alento vital” [VI.8.2]. Esse verso mereceu o seguinte comentário de Swami Dayananda: “Este é um lindo exemplo, que compara a mente a um pássaro que está amarrado numa corda e quer se libertar dela. O pássaro quer liberdade. Assim, ele puxa a corda e se rebate sem parar mas, vendo que não consegue, acaba por se acomodar e aceitar o fato de que está amarrado. A mente, da mesma maneira vagueia incessantemente pelos objetos de desejos, até, cansada, se estabelecer no alento vital. O alento vital, durante o sono, permanece, assim como permanece nos outros estados de consciência. Assim sendo, o alento vital é uma espécie de referência para o sujeito, já que, assim como tudo o mais, deriva a sua existência do Ser. Tendo essa referência, é natural que a mente se acalme ao se fixar no alento vital” [Chandogyopanisad; tradução comentada, baseada nos ensinamentos de Swami Dayananda, compilada por Pedro Kupfer; 2013; p. 33].

O ensinamento oferece um ponto de convergência tanto para os cubanos que, ao viverem contrariamente ao ideário do atual momento histórico da humanidade, buscam por maior liberdade, quanto para nós que, ao vivermos sob o signo do mercado, precisamos dominar ou, no mínimo, mitigar a alienação. Então, para ambos, o repouso no alento vital é uma boa solução!

Em Varadero, portanto, o programa pode ser sempre o mesmo! Ou seja: Meditação + praia + piscina + praia + Meditação! Mais uma boa leitura e/ou um bom filme! Ratifico que Varadero é a expressão de sucesso da abertura cubana. Lá comprei para mim uma camisa e uma bermuda de design espanhol, de Ibiza, e produção indiana. Portanto, o globalismo está presente nos hotéis de Varadero.

Para finalizar sobre Cuba, repito que o povo cubano é alegre cantante e dançante. Em Cuba, não tem analfabetos. A educação e a saúde são gratuitas. O SUS deles deve ser melhor do que o brasileiro, pois exportam médicos para melhorar o nosso, e não estou afirmando que essa é uma boa solução para a política pública da saúde para o Brasil. Na universidade, o Estado paga o cidadão para que estude, segundo depoimento do motorista que me levou de Varadero ao aeroporto de Havana. Estão na fronteira da biotecnologia, é que o dizem, contra tudo e contra todos. Na Constituição cubana, está consignado, no seu artigo 14, o princípio de distribuição socialista: "de cada cual según su capacidad, a cada cual según su trabajo". Na realidade, esse ideário é uma variação do princípio anarquista que diz: “a cada um de acordo com suas necessidades, de cada qual segundo suas capacidades”. A sutileza ainda representa uma grandeza abissal de valores. Ainda assim, Cuba tenta uma outra estrutura de valor, que, na minha opinião, tem tanta luz quanto tem a democracia burguesa; ou, por outro lado, falta tanta luz quanto falta à democracia burguesa. Se temos alienação, em Cuba falta liberdade. E esses dois valores andam juntos na democracia burguesa. Acredito que o fetiche inerente ao consumo seja menor em Cuba, ainda que por decorrência de um condicionamento alternativo. Ao fim e ao cabo, tudo é condicionamento.

As amarras para uma educação e uma saúde gratuita ao povo cubano estão assim alocadas na sua Constituição. No artigo 50, observamos a natureza da saúde gratuita: “Todos tienen derecho a que se atienda y proteja su salud. El Estado garantiza este derecho: con la prestación de la asistencia médica y hospitalaria gratuita, mediante la red de instalaciones de servicio médico rural, de los policlínicos, hospitalares, centros profilácticos y de tratamiento especializado; con la prestación de asistencia estomatológica gratuita; con el desarrollo de los planes de divulgación sanitaria y de educación para la salud, exámenes médicos periódicos, vacunación general y otras medidas preventivas de las enfermedades. En estos planes y actividades coopera toda la población a través de las organizaciones de masas y sociales”.

Já no artigo 51, observamos a natureza da educação gratuita: “Todos tienen derecho a la educación. Este derecho está garantizado por el amplio y gratuito sistema de escuelas, seminternados, internados y becas, en  becas, en todos los tipos y niveles de enseñanza, y por la gratuidad del material escolar, lo que proporciona a cada ñino y joven, cualquiera que sea la situación económica de su família, la oportunidad de cursar estudios de acuerdo con sus aptitudes, las exigencias sociales y las necesidades del desarrollo económico-social. Los hombres y mujeres adultos tienen asegurado este derecho, em las mismas condiciones de gratuidad y com facilidades específicas que la ley regula, mediante la educación de adultos, la enseñanza técnica y profesional, la capacitación laboral em empresas y organismos del Estado y los cursos de educación superior para los trabajadores”.

O que peca, então? Peca que a liberdade política é subordinada ao partido único com conteúdo unilateral apoiado no marxismo-leninismo, que alberga o ideário do Estado socialista cubano. Diferentemente, portanto, da liberdade religiosa que é ampla e irrestrita, e separado do Estado. A economia é planicentralizada, o que constitui uma contradição hodierna à hegemonia do mercado capitalista. Não estou defendo aqui o mercado. Mas apenas reconhecendo sua dominância, o que é compatível com os valores que predominam no coração do homem, considerando seu atual estágio de evolução espiritual. Tudo, ou quase tudo, é propriedade do Estado a serviço do povo. Essa correlação de forças não prospera nesta modernidade. Vide exemplo da Rússia e suas ex-repúblicas, antes da queda do Muro de Berlim, que simbolicamente representa a adesão ao mercado. Hoje a Ucrânia busca, na voz do povo, aderência à UE, em detrimento do alinhamento governamental ao ordenamento russo.

Todavia, podemos estabelecer uma associação comparativa entre o sistema marxista-leninista com o sistema liberal que regula todos os contratos sociais que albergam as democracias moderno-burguesas do mundo capitalista. Os pecados quanto à liberdade política são os mesmos, ainda que em graus e dimensões diferentes, ou seja, aqui, até podemos ter um governo dito socialista, mas subordinado às amarras da propriedade privada, cultuada como um deus. Do ponto de vista objetivo, toda liberdade é limitada. E, segundo o anarquismo, somente a liberdade libertária, livre de qualquer manto de autoridade, poderia oportunizar e organizar um modo de viver e pensar verdadeiramente livre. Mas, essa é uma utopia superada, oxalá adiada, no caso das mudanças climáticas permitirem. Conforme já disse, a ética sustentável é a nova utopia da humanidade. Já tenho dito isto em minhas reflexões a algum tempo. Observar que a liberdade e a imortalidade definitivas, últimas, estão além do tempo, conformei ponderei no início desta crônica.
Assim, apesar dos pesares, Havana é belíssima! Seu povo é alegre, cantante e dançante, reafirmo como um mantra. Sabem do que precisam, de maior liberdade, diferentemente de nós, que pouco sabemos do processo de alienação a que somos acometidos com a lógica do mercado. Mas o Ser sabe o que faz não é mesmo? Quem somos nós para julgar!

Não creio que o povo cubano sofra mais do que qualquer outro povo. Afinal, tudo é dor e sofrimento, segundo Buddha, quando não entendemos como podemos superá-las, identificando sua origem e definindo um Caminho. Ainda acredito no socialismo. Todavia, entendo que só será possível após extirparmos os venenos dos nossos corações. E isso vale para todos os povos! Então, não tem sistema bom, um melhor do que o outro. Tem sistemas diferentes. Existe apenas dualidade, tanto lá, quanto aqui. E só!
Vamos agora relatar a visita à capital do Panamá, onde conhecemos seu canal, uma obra fantástica, como diria meu velho pai, o Botelhão. A viagem de Havana para a Cidade de Panamá foi no dia 11.12, e também não considerei um dia útil, ainda que também tenha obtido mais informação e mais conhecimento. Já havia esquecido o que é uma cidade barulhenta com trânsito infernal, pois andei esses dias em Havana e Varadero de charrete, coco-táxi e muito a pé. No primeiro dia, 12.12, contratei um táxi para me levou para ver as eclusas, do lado do Pacífico, e fazer um passeio pelo centro histórico que tem uma arquitetura espanhola e francesa, chamada de Casco Viejo. Deveria ter descido para caminhar e almoçar em Casco Viejo. Perdi a oportunidade. Aliás, todas as oportunidades perdidas, nos três locais visitados, ficam para uma outra visita. Mas, de quebra, passeei pelas por três ilhas conectadas entre si e ao continente, com entulhos de pedra e terra resultante das explosões da construção do Canal.

No dia seguinte, 13.12, passeei por toda a cidade nas duas rotas do ônibus de turismo. Um dia meia-sola, considerando o trânsito infernal, um dos predicados mais expressivos de Manaus dos dias atuais. Mas, deu para parar no Museu de Panamá Viejo, onde observei que a aldeia original sofreu um terremoto e um incêndio na segunda metade do século XVIII, o que deslocou sua urbanidade inicial para o atual centro histórico. Talvez, não a toa o slogan do atual governo seja: de uma pequena aldeia para uma metrópole mundial.
A internet, na Cidade do Panamá, além de grátis é poderosíssima. Diferentemente de Varadero, e, especialmente de Havana, onde seu sinal é frágil e irregular. Em Havana, custava $ 8 CUC a hora, quase US$ 10.00. Acho que nunca naveguei num acesso tão rico de velocidade. Em Manaus, o acesso também é limitado! Ademais, o Panamá oferece aos turistas seguro de saúde grátis até certo limite, mas já é um agrado aos seus visitantes.

Realmente, pelos informes oficiais trata-se de um país, talvez especialmente sua capital, que cresce a índices chineses; cresceu 10% em 2012. Na realidade, existem propagandas de construções residenciais e turísticas por todos as regiões e locais do território panamenho. Dizem que querem atrair os aposentados endinheirados americanos, na medida em que a região lembra a Califórnia.

O canal construído pelos americanos a cem anos, que em 2012 movimentou 335 milhões de toneladas de carga bi oceânica está sendo duplicado e estará pronto em 2014. O Panamá durante a administração do Tio Sam recebia, anualmente, US$ 10 milhões. Hoje, fatura isso em dois ou três dias. Façam as contas. Portanto, não faltarão recursos para transformar o Panamá num dos países mais prósperos da Amárica Latina.

A capital do Panamá é considerada uma das mais seguras da região para turistas. Foi considerada a quarta cidade do mundo para serviços financeiros e a segunda globalmente mais competitiva, segundo o Fórum Econômico Mundial 2012-2013. Pelo seu aeroporto passaram 6,9 milhões de pessoas em 2012. A Zona Franca de Cólon, situada no lado caribenho do Panamá, é a segunda maior em território do mundo.

Em 2000, a capital panamenha retomou a soberania da área adjacente ao canal construído pelo Tio Sam, de 8 milhas para cada lado, onde o panamenho comum não tinha acesso, além de passar a administrá-lo, o que está proporcionando uma transformação naquele país, na medida em que estão em curso grandes obras de infraestrutura, quais novo aeroporto e anel viária contornando o centro histórico pelo mar, bem como a própria duplicação do sistema de eclusas, para receber os cargueiros modernos e continuar servindo a dezenas e centenas de rotas e portos ao redor do mundo, sem falar que já é um dos principais centros financeiros do mundo. No Panamá, o jogo é liberado. Do lado do hotel onde me hospedei havia um casino convidativo. Declinei desse atrativo.

Por tudo relatado nesta crônica, oferecemos como título à sombra do Tio Sam, pois Cuba continua embargada, glosada com barreiras ao mercado global, com as sanções econômicas, imposta pelo país mais poderoso do mundo. Sem falar que parte do seu território continua sob soberania estadunidenses. Mesmo que talvez resulte de uma acordo perpétuo, feito lá atrás, no momento histórico da independência de Cuba, parte da ponta leste do seu território, Guantánamo, deveria retornar para a soberania do povo cubano, considerando que a humanidade superou a Guerra Fria, embora continuemos permanentemente sob ameaça velada de uma terceira guerra mundial. Ou já a vivemos sabe-se lá, inclusive, sob o signo das mudanças climáticas. Deve-se aplicar o mesmo raciocínio do Canal do Panamá, que retornou à soberania do povo panamenho, que caminha a passos largos para o mito do desenvolvimento, o qual esteve limitado por quase 100 anos.


À sombra do Tio Sam revela, ainda, convergência com a tese do eminente cientista e ilustre pensador Milton Santos de que a solução ao esgotamento do sistema colonial se deu com a promoção das independências das possessões em Estados nacionais tardios, na medida em que a manutenção de tais processos sociais teriam ficado financeiramente antieconômicos. Todavia, essa estratégia não suprimiu a continuidade da pilhagem histórica, mas foram substituídas por novas relações de hegemonia e dominação. A natureza intrínseca do Projeto ZFM, regido apenas pelo signo da atração de investimentos, não é diferente e converge para a lógica da hegemonia e dominação via dependência tecnológica. A tese de Milton Santos, na minha opinião, vale inclusive para o Tio Sam, mesmo que a nação estadunidense não tenha sido um grande império como aquele aonde o sol nunca se punha. Os EUA praticamente bancou a independência de Cuba e do Panamá no início do século XX. Os personagens dos acordos históricos em torno de Guantánamo e do Canal do Panamá que o digam. E fez valer, óbvio, essa supremacia na forma de bônus. Em relação a Cuba, o quanto pode, até 1959; em relação ao Panamá, cujo poço de petróleo, seco e exterritorial, que simboliza o Canal, funcionou a seu favor até 2000, desde 1914!