À sombra do Tio Sam: impressões sobre o passado, evidências do presente e
perspectivas para o futuro
Falo
especificamente da visita que fiz, sozinho, à Havana e Varadero, em Cuba, e à
capital panamenha, agora em dezembro. Basicamente, foram dois úteis em cada
cidade: 6 e 7, na capital cubana; 9 e 10, na cidade veraneio cubana; e 12 e 13,
na Cidade del Panamá. Corre o ano de 2014 da era cristã.
De
plano, registro que, para escrever essa crônica, além das impressões, evidências e perspectivas
colhidas in loco, não só decorrente da observação direta, mas resultante de
diálogos com motoristas de táxi, condutores de charretes, balconistas de
hotéis, vendedores de lojas e livreiros, li e revisitei a publicação CUBA, da
Folha de São Paulo, de 2009, a CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA DE CUBA, da Editora
Política / La Havana, de 2013, e uma revista de turismo oficial do Governo do
Panamá. Claro, impressões, evidências e perspectivas albergadas pelo filtro da
história acumulada nos 54 anos desta forma ordinária, aqui com destaque para o
atributo anarco-burguês sob o manto ióguico, a partir da consciência de que a
verdadeira liberdade secular é impossível sob o exercício de toda e qualquer
autoridade política e da possibilidade de uma consciência associada a uma
Solução Última autocontida e ao mesmo tempo vertida numa Realidade Absoluta
transcendente e ao mesmo tempo imanente à dualidade representada pelas
manifestações cósmicas caracterizadas pela impermanência das coisas e dos
fatos, os quais, consignados nos espaços-tempos históricos, tornam-se vazios e
pequenos juntos ao poder e à potência do aqui e do agora.
Havana
é um mundo apartado do mundo que conhecemos. Em linhas gerais, o povo até que é
alegre, mas sente-se nele o desejo da ambição, o desejo de consumir. O que é da
natureza do homem, considerando seu atual estágio de evolução espiritual. Dois
motoristas reclamaram comigo que não recebem pelo que trabalhavam. Ou seja, o
mundo liberal não tardará, na minha opinião, a tomar conta desse território,
como já o fez com a ex-URSS e está fazendo com China, por exemplo. Estou
convencido que o Ser articula permanentemente a lógica da competição e da
acumulação como ferramenta do jogo cósmico, lastreado pela lei de causa e
efeito, convergente com a atual evolução espiritual da humanidade.
Ao
passear a pé, observamos que os prédios e carros caindo anos pedaços convivem
na ordem de 80% contra 20% de modernidade. No centro histórico, quase fui
devorado pelos prestadores de serviços turísticos. Parede a postura dos
vendedores ambulantes de Fortaleza, assediando os turistas nas praias e
passeios públicos, oferecendo redes e rendas cearenses. Em ambos, predomina a
necessidade por uma melhor qualidade de vida. O carro que me levou do aeroporto
para o hotel, também caindo aos pedaços, desligava toda vez que parava num
sinal. Mas o motorista foi supergentil ao me abordar logo na saída da sala de
desembarque, me levando para fazer câmbio de dólares em CUC, moeda cubana para
turista, numa relação vantajosa para a economia, portanto, sem lastro econômico
para valer mais do que a moeda global. No caminho para o hotel ofereceu várias
vezes uma chica para animar o passeio, artimanha adotada por quase todos que
operam na área turística. Houve um gaiato que, frente a minha resistência,
ofereceu um chico. Relevei.
O
hotel sugere um palácio transformado, até que de primeira, mas tudo velho, com
pisos descascados, dutos do ar-condicionado seguramente contaminados de
bactérias e as paredes rendendo homenagens aos comandantes do processo
revolucionário que instalou a família Castro no poder. Tirei algumas fotos do
hotel que é grande com quarto espaçoso, mas que precisaria de uma boa
manutenção. Tem piscina grande com vários ambientes, bem como sala de ginástica
e quadra de tênis. Dispõe também de espaços para eventos externos. À noite,
pausava para tomar uma cervejinha cristal, a melhor de Cuba para os cubanos, no
lobby bar do hotel, ouvindo piano, antes de subir, cedo, para dormir. Na manhã
do último dia em Havana, optei por nadar na bela piscina do Hotel. No início da
tarde do último dia, fiz o traslado hotel-hotel para Varadero de ônibus. Lá
esperava o mar caribenho. Mas houve novidade.
Não
tirei muitas fotos, para dar atenção ao passeio. Todos com quem tive contato
querem conhecer o Brasil. Um cubano disse que gostaria muito de ir para a copa,
mas creio que não podem e/ou não tem dinheiro. Bem, nem tudo é ruim em Cuba.
Destaco que não há analfabetos. Já em 1962, apenas 3 anos após a revolução, o
analfabetismo havia sido erradicado. E o SUS deles talvez seja um dos melhores
do mundo e certamente melhor do que o brasileiro. Destaco essas duas variáveis
por constituírem, na minha opinião, as duas principais dimensões de uma nação
no longo prazo. Num horizonte de 100 anos, por exemplo.
As
pessoas em Havana tem uma postura ativa em relação a vida pois sabem o que lhes
afligem, a falta de liberdade. Já nos países desenvolvidos e emergentes do
mundo capitalista o povo nem imagina a alienação que lhes acomete. O americano, por exemplo, não tinha noção do poder
negativo que sua nação determina ao mundo, percebido, segundo alguns
especialistas, quando se deu os atos de terrorismo intenso e ao mesmo tempo
horrendo liderados por Osama bin Laden. As pessoas simples de Manaus, da
Amazônia e do nordeste brasileiro, e mesmo nas
regiões mais dinâmicas do Brasil, de uma forma geral mal sabem ler e
escrever e fazer as operações mais simples de matemática. Cuba é uma potência
nos esportes, considerando seu porte como nação e seus recursos, e faz parte da
fronteira da biotecnologia, por exemplo, mesmo considerando o tamanho de sua
economia e a opção política do país.
Não
encontrei o Fidel, mas se o tivesse encontrado teria dado um cascudo, no
sentido de que oriente o Raul a abrir Cuba para o mundo, atraindo investimentos,
sem perder de vista, sem deixar de perseguir o autodesenvolvimento com capital
e tecnologia próprias. Teria argumentado, sobretudo, sobre a necessidade da
alternância de poder político para oxigenar o tecido social. Cuba ainda vive a
revolução em todos os cantos da cidade, com cartazes, fotos e slogans expostos,
embora nada comentem sobre Fidel ou Raul. Os dois recebem uma espécie de
silêncio honroso. Che sim, é reverenciado.
Logo
no primeiro dia em que cheguei à tarde passeei de charrete pontuando os principais
prédios da Habana Vieja e Centro de
Habana e Prado, quais a Catedral de San Cristóbal e o Capitolio. Ao longo dos
dois dias seguintes visitei todas as Plazas, de la Catedral, de Armas, de San
Francisco e Vieja, seus prédios e ruas ao redor delas. As praças são típicos
arranjos urbanos inerentes à colonização espanhola. Nesse passeio, feito de
charrete, fui convocado pelo condutor a comprar charutos de cooperativas, com a
promessa que seriam tão bons quanto os vendidos em casas oficiais, além de mais
baratos, pois vendidos pela metade do preço. Aceitei. Perguntei ao condutor da
charrete se Fidel teria abandonado Che na Bolívia, para não lhe fazer frente,
pelo que simplesmente disse: "sobre isso nada sei!". E ponto final,
assenti.
Ao
passear pela Praza das Armas, depois de conhecer o centro de artesanato cubano,
comprei um exemplar, da primeira edição de 1968, do diário do Che, que relata
sua experiência fracassada na Bolívia, o qual presenteei a um amigo estudioso
da temática e admirador desse personagem histórico. Na realidade, nessa praça,
conheci, de minha parte, a maior feira livre de livros usados a céu aberto,
sebo a céu aberto. Esse cenário reflete a autorização dada pelo governo cubano,
no início dos anos 1900, para o florescimento de pequenos negócios. A
propósito, sugiro o filme Habana Eva, que relata a história de uma jovem
mulher, que conhece um novo amor e as oportunidades dos negócios, rompendo com
o velho e tateando o novo.
No
entorno dessa praça tem prédios da época da colonização espanhola, com destaque
para o Palacio de los Capitanes Generales e para o Castillo de la Real Fuerza.
Belíssimo local aonde almocei comendo uma lagosta debaixo de uma tenda olhando
a praça cheia de árvores. Depois do almoço, comprei 3 CDs de jazz cubano, sendo
aquele embalado pelo saxofone de Carlos Miyares o melhor deles. Em sequência,
claro, fui passear pela Malecón, orla marítima ou beira mar de Havana, uma
espécie de Vieira Souto cubana. Sua imagem, realmente, não é bonita. A visão do
horizonte é o mesmo de todo litoral. Na realidade, é uma pena, pois segue a
mesma lógica dos carros, com prédios velhos e fachadas feias para os padrões
arquitetônicos ocidentais. No máximo 20% delas estão conservadas, como já
disse.
Acho
que o processo social instalado com a revolução cubana de 1959, ano e mês do
nascimento deste turista, não dá muita trela para essa estória de colonização
com a mesma característica, por exemplo, dos chilenos e, especialmente, dos
peruanos. Os chilenos são orgulhosos em relação a sua superação, os peruanos
amargurados em relação aos desatinos proporcionados pela ela, mas os cubanos
simplesmente a ignoram. Talvez enquadrem a ação dos espanhóis históricos na
mesma lógica anti-imperialista com que tratam seus atuais algozes. Mesmo que os
autóctones tenham sido exterminados pelos espanhóis, como informou o guia
turístico do traslado Havana-Varadero.
Visitei
os Museus da Revolução, de Belas Artes e de História Natural de Cuba. No
primeiro, tirei uma foto de uma imagem em tamanho natural feita de cera do
Comandante Camilo, importante personagem da Revolução Cubana, ao lado do seu
ícone, o Comandante “Che” Guevara. No de História, me chamou a atenção a
referência de autores, pesquisadores e cientistas, do extinto bloco comunista.
Crianças, com seus pais, visitavam esses Museus; no de Belas Artes, eram
incentivadas a desenhar com a orientação de um professor, simplesmente sentadas
ou deitadas de bruços no chão. Muito legal, perceber que as crianças em Cuba
precisam da companhia e da orientação de seus e professores como em qualquer
outro lugar deste Planeta. Ainda no de Belas Artes, contemplei por longos
minutos um belíssimo quadro de cegos caminhando um apoiado no outro em rede de
mãos e ombros. Essa seria a lógica da solidariedade enquanto substrato de
organização social em contraponto ao imperativo da competição. Uma utopia!
O
Museu de História Natural, claro, não chega nem aos pés do de Ottawa,
localizado na capital canadense, que conheci no início dos anos 2000. Mas os
cubanos fazem o que podem mesmo com muito pouco. Individual e coletivamente
muito pouco é acumulado para gerar reinvestimentos contínuos, pois a lógica de
mercado não prepondera, sendo outra estrutura de velores. Nesse dia, revisitei
alguns pontos dos passeios anteriores, como a elegante e aconchegante feira de
livro na Plaza das Armas. Almocei num restaurante típico na Plaza Vieja.
Registro
que vi poucos chineses e japoneses, especialmente os primeiros, que tomavam
conta do aeroporto de Paris, em conexão, quando visitei Praga, Budapeste e
Viena no primeiro semestre deste ano. Eles apareceram mais em Varadero. Insta
registrar um grande atributo de Havana: não tem engarrafamento e o heroico
esforço de manter carros americanos e russos velhos rodando, a partir de
motores e pneus desenvolvidos em Cuba. Deveria constituir um estudo de caso de
uma tese de doutorado em engenharia mecânica pois os caras são bons. Já deve
haver. Contudo, na segunda quinzena de dezembro, ficamos sabendo, aqui no
Brasil, da autorização do governo cubano para importação de carros. Talvez isso
possa contribuir para no futuro, Cuba ter sua própria indústria
automobilística, se não seguir o exemplo chinelo. Imagino que dispõem de
capacitação tecnológica mínima, pois os carros americanos e russos rodam há
mais de 40 anos, na medida em que os cubanos desenvolveram seus próprios
motores e pneumáticos.
No
segundo dia andei, andei e andei. Inclusive no Paseo del Prado, contemplando as
fachadas de suas ruas paralelas e os leões que o pontuam. Fiquei exausto, mas
contente. Finalizei toda Havana dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, expressões
dos sítios Viejo, Centro e Prado, e ainda vi a urbanidade do século XX, Vedado
e Plaza, este de ônibus de turismo. Nesse passeio de ônibus, contemplei o
Memorial José Martí, perdendo a oportunidade de subir até o mirador no alto da
torre, considerado o ponto mais alto de Havana, que oferece uma vista da cidade
inteira. Na realidade, perdi muitas outras visitas como, por exemplo, a casa
onde viveu Hemingway, chamada de Finca La Vigía, e o Parque Lenin, que ficam
fora do Centro de Cuba. Não visitei também o Museo del Ron, apesar de ter
comprado uma pequena garrafa de rum envelhecido 7 anos para presentear um
amigo. Mas conheci a Real Fábrica de Tabacos Partagás. Charuto e rum são dois atributos
cubanos. Visitei apenas duas Igrejas: a Catedral e a Basílica Menor de San
Francisco. Esta última, oferece uma bela vista, a partir do seu campanário, da
Plaza de mesmo nome que tem como destaque a sua Fuente de los Leones. Registro
que, na minha opinião, o Estado cubano, na sua atual configuração, não dá muita
bola, não dá muita trela para a Igreja enquanto instituição, pois seus prédios,
na minha percepção, são abertos apenas “para turista ver”, expressão derivada
da histórica “para inglês ver”.
De
novo, Havana é belíssima! Mesmo pobre, não perde o ar aristocrata da primeira
metade do século passado. Pena que seus bangalôs, habitados pelos trabalhadores
revolucionários e seus descendentes com pouco recursos, não sejam mantidos e
reformados. Constatei em Florença e, especialmente, em Veneza, que os prédios
velhos são mantidos e reformados com suas fachadas originais para fins
turísticos, porém, internamente dispõem de toda infraestrutura moderna.
Todavia, sua atual elite política e seu povo é digna de todo reconhecimento
histórico, pois se demandam por liberdade, portanto, sabem o que desejam, os
cidadãos simples de Manaus, volto a dizer, não imaginam o quando são alienados
pelo mercado no sistema de uma democracia de segunda categoria. Tenho forte convicção
na solidariedade econômica e consciência humana correlata como sistema social
mais elevado. Mas, a humanidade terá que desbastar ainda muito a pedra bruta
que é seu coração, reprodutor de uma mente competitiva, suprida pela ambição de
ter e acumular.
A
viagem de Havana para Varadero durou mais de 4 horas de tanto parar em hotel
para pegar e deixar passageiros. E eu fui a primeiro a entrar e o último a sair
do ônibus. Nesse trajeto, fiquei bastante impressionado com o guia turístico
cubano, que além de falar as línguas básicas de sua profissão, falava
fluentemente russo, inclusive cantando músicas populares com turistas
ucranianos. Fiquei emocionado com sua devoção ao cantar um hino que homenageia
Che, que reverencia a presença permanente do Comandante nos corações e mentes
dos cubanos. Após a chegada, jantei com um casal canadense e acho que os
convenci, ainda que com meu fraco inglês, a conhecer o Amazonas na sua
qualidade de última grande fronteira natural ao lado dos fundos oceânicos e da
Antártica. Apesar desses aspectos positivos, considerei esse dia meia-sola,
pela longa viagem de ônibus. Foi o dia 8.12.13. Tanto que não está listado como
dia útil, ainda que tenha obtido mais alguma informação e algum conhecimento.
O
hotel Meliá Marina Varadero é coisa de louco. Capital espanhol realizando a
abertura da economia promovida pelo governo cubano por meio da expansão do
turismo. Novíssimo em folha. Grande a beça. Acho que nunca estive num hotel em
férias tão luxuoso. Fiquei deslocado do prédio central num condomínio que faz
parte do complexo com carrinho e motorista disponível a qualquer hora, tanto
para ir para o hall do hotel quanto para a praia, a partir do pátio das
piscinas. Refeições café almoço e jantar; e drinks, como parte do pacote. Mas o
hotel tem opções VIP.
O
complexo do hotel na realidade é monstruoso, especialmente para os padrões
cubanos.
Tem quatro prédios no condomínio aonde fiquei hospedado, além do núcleo central. É visível obras de expansão, que talvez seja até mesmo do próprio projeto original, pois como disse acima o hotel é novíssimo em folha. Turistas do mundo inteiro podem aproveitar os espaços VIP tipo jantar reservado para brindes&brindes com champanhe, além da possibilidade de navegar pelo mar cubano do oceano Atlântico, via hobe cat ou mesmo num veleiro. Porém, em Varadero, o bom é simplesmente caminhar pela praia e depois nadar na piscina. Passear pelas lojas do hotel ou tomar um aperitivo, aguardando o almoço ou jantar.
Tem quatro prédios no condomínio aonde fiquei hospedado, além do núcleo central. É visível obras de expansão, que talvez seja até mesmo do próprio projeto original, pois como disse acima o hotel é novíssimo em folha. Turistas do mundo inteiro podem aproveitar os espaços VIP tipo jantar reservado para brindes&brindes com champanhe, além da possibilidade de navegar pelo mar cubano do oceano Atlântico, via hobe cat ou mesmo num veleiro. Porém, em Varadero, o bom é simplesmente caminhar pela praia e depois nadar na piscina. Passear pelas lojas do hotel ou tomar um aperitivo, aguardando o almoço ou jantar.
Pode-se
simplesmente decidir, como o fiz, não ir no centro, pois o hotel é longe.
Precisei fazer caixa pois o custo do taxi para o aeroporto é caro. Para os
menos abastados, então, só o hotel é uma atração em si. Atenção, Varadero não é
considerado mar caribenho, embora a água seja cristalina. É mar do oceano
Atlântico. Existem outras ilhas do lado sul que, sim, é considerado mar
caribenho. Essa foi a novidade. Ignorância geográfica deste turista. Dos
passeios pela praia de Varadero, trouxe conchinhas para a ricaneta.
Atenção
aqueles que pensam em Havana como um vírus que deve ser evitado: Varadero tem
aeroporto internacional. Então, quem quiser apenas a praia, num luxuoso hotel
de primeiro mundo, evitando uma urbanidade “velha” e “decadente”, basta ir
direto, tipo aeroporto de Manaus, direto para o hotel Tropical, para sair em
busca de tucunarés pelos rios do chão amazônico.
Observei
que no hotel Meliá, o capital investido mediante atração mantém um exército de
cubanos empregados gerando renda; igualzinho em Manaus com o Projeto ZFM. Sem
tirar nem por, guardadas as devidas proporções. Parece-me que Cuba ainda não
abriu as portas para o capital industrial e comercial, mas apenas para o
capital de turismo. Após o esvaziamento da presença soviética na economia
cubana, a solução encontrada para sair do semi-isolamento foi o turismo, que se
expande como gente grande. Já no final da década de 1990, o turismo havia se
tornado o setor mais forte da economia de Cuba. Em 2000, 1.774.000 turistas de
todo o mundo, e não só da Europa Oriental como nos tempos ao alinhamento
soviético, visitaram Cuba.
Em
Havana, vi apenas um supermercado, e longe de ser algo ao menos parecido com os
de Manaus. Não vi nenhum shopping. Mas vi Galerias de Passeo. Talvez algo
equivalente. Em Varadero, como disse acima, não estive no centro, pois o hotel,
para este turista, foi uma atração em si mesmo, mas não deve ser diferente. Na
estrada indo para Varadero desde Havana comprei um dentifrício cubano
liquefeito. Nesse mercado não vi as velhas marcas dominantes, tipo Kolynos e
Colgate. O esforço de sobrevivência é próprio, nacional, endógeno. É o que
parece!
Penso
que os cubanos não tem acesso às mercadorias globais de marca, não só por falta
de disponibilidade de renda, mas, sobretudo, porque não é permitido. Portanto,
a abertura comercial e a atração de investimentos são limitados. Mas, ainda
assim, a minha impressão, é que vivem alegres, cantantes e dançantes, como
desejo reforçar. Ainda que reclamantes por melhores condições para uma melhor
qualidade de vida, pois o salário que o governo paga não é suficiente para se
viver. Já se vê aí uma motivação liberal, pois profissionais com profissão
definida são obrigados a labutar em outra área. Por exemplo, um engenheiro
atuando também como motorista de táxi. Aliás, isso já foi exemplo no Brasil em tempos
de maiores níveis de desemprego.
Encontrei
duas pessoas, uma mulher, balconista do hotel em Havana, cujo marido em janeiro
virá para o Brasil como médico; e um homem, condutor de carrinhos que levam e
trazem turistas dentro do hotel de Varadero, que o irmão médico também virá.
Quando
falava que era brasileiro diziam: Brasil, país-irmão! Penso que acham a atual
orientação diplomática brasileira Sul-Sul favorável a uma maior aproximação
entre os dois países, especialmente se se perceber que a presidente Dilma se
sentou ao lado Raul Castro, na homenagem ao Nelson Mandela, cujo exemplo de
desapego ao poder poderia inflamar os ânimos governistas cubanos.
Varadero
é um mundo a parte de Havana. Aberto que está aos investimentos globais na área
do turismo. Fiquei hospedado no Meliá, como disse, empresa de capital espanhol.
Fazia paradas no Fiesta, nome dado ao lobby bar, aberto 24 horas, em homenagem
à primeira novela do Hemingway, que conta a estória de americanos e ingleses
perdidos na França e na Espanha. Sabia da resistência francesa ao modo american
life de viver, mas a da espanhola é novidade.
Na
realidade, existem muitas resistências e é isso que faz a potência da
democracia burguesa e do sistema capitalista, e, por conseguinte, do Estado
moderno, pois eles se reproduzem constantemente para sobreviver a partir dos
questionamentos e críticas. Escrevi, a tempos, um artigo que intitulei “Nem a
democracia burguesa, nem a ditadura do proletariado”. Apenas para dar o tom
dessa crônica, hoje intitularia “Nem a democracia burguesa, muito menos a
ditadura do proletariado”. Mas o conteúdo, com recortes anarquistas,
permaneceria intocável. Se não fosse Karl Marx, o sistema capitalista não seria
tão robusto hoje quanto o que é. Aliás, o marxismo, ao vencer a luta histórica
com o anarquismo, tornou-se corresponsável pelo sucesso do capitalismo, na
medida em que a doutrina da autoridade política, substrato do instituto Estado,
foi mantida intacta. Isso é que facilita a vida de populistas e dos ditadores,
e, claro, da família Castro. Peças e figuras caricatas desde sempre nas plagas
sul-americanas.
Talvez
caiba aqui uma palhinha sobre o ex-ante e o ex-post do movimento de 1959, muito
sucintamente. Vou tentar. Primeiro, a revolução em si está contida numa série
de outras manifestações históricas, inclusive, de sindicatos de produtores e
uniões de estudantes, que perceberam a perversidade e a tirania dos governos
cubanos para com a população desde os primeiros momentos da República até a
ditadura de Fulgência Batista, passando pelo regime de Gerardo Machado, que
matou o intelectual marxista Julio Antonio Mella, exilado na Cidade do México.
Esse período evidencia, portanto, Cuba como um quintal estadunidense onde
predominava o prazer glamoroso da música, dos drinks, do sexo, do jogo, das
drogas. Cuba era conhecida como a “ilha dos prazeres”, o que, em absoluto,
significa que hoje os cubanos estejam esterilizados. Batista enriquecia os
amigos e empobrecia a população. O país mantinha-se estagnado. Se continua
estagnado após mais de cinco décadas de socialismo, pelo menos a lógica dos
prazeres foi superada, sem falar que o povo hoje é alfabetizado e tem boa
saúde. Esses fatos evidenciam que o motor da revolução foi a consciência
construída ao longo das seis primeiras décadas do século XX quanto às
miseráveis condições de vida do povo e a repressão social crescente,
abertamente violenta.
Fiz
uma pergunta básica a um motorista de táxi, no sentido de sentir sua opinião.
Perguntei se Che estaria contente, se aprovaria a administração da Família
Castro, se estivesse vivo. Assegurou que sim. Claro que isso não aponta para
uma opinião geral. Existem dissidentes que até afirmam ao contrário, que em
Cuba a saúde e a educação não são como estamos dizendo aqui, para sustentar o
discurso da falta da liberdade e, portanto, da necessária mudança política.
Para superar a dúvida, seria necessário uma investigação comparada. Comparar
não só com países centrais e emergentes, mas com experiências surreais como a
do Haiti. Uma viagem de turismo não é suficiente para alimentar essa discussão.
Nesse sentido, registro que tenho minhas dúvidas frente a posição do motorista,
considerando o próprio compromisso do Che com a lógica libertária, pois
preferiu viver o combate vivo, o processo revolucionário permanente, para
livrar o jugo do trabalho da potência do capital. Che seguramente abriu mão de
se manter instalado no poder implantado em Cuba, após 1959, depois de ter
exercido alguns cargos de importância, qual presidente do Banco Central. Numa
outra perspectiva, Fidel teria abandonado Che na Bolívia? Poder-se-ia ter dois
comandantes do mesmo nível, do mesmo porte, do mesmo peso, num mesmo e único
processo revolucionário? Talvez, no mínimo, estivesse fazendo restrição à
negação do princípio da alternância do poder no comando maior do país. Tais
interrogações foram colocadas pelo amigo estudioso da temática, a quem
presenteei o livro do diário de Che na Bolívia.
Por
um lado, o esforço cubano, de enfrentamento da lógica do mercado, é heroico e,
no futuro, poderá ser avaliado historicamente da forma imparcial. Idealmente,
essa avaliação deverá estar igualmente isenta da mentalidade inerente ao jogo
do poder político. Por outro lado, o modelo político-econômico cubano fere a
natureza humana, no atual estágio de sua evolução espiritual, que é baixa,
restritiva, face aos venenos do egoísmo, do orgulho, da ambição, do
individualismo, que povoam o coração do homem, os quais alimentam e reproduzem
a lógica capitalista. Será que esses venenos em algum tempo atrás ou à frente
desta modernidade foram ou serão superados? Nunca saberemos, verdadeiramente.
De qualquer sorte, poderíamos nos perguntar, mediando as duas perspectivas:
será que se todo o mundo, a partir da década de sessenta do século passado,
portanto, se a meio século atrás, tivesse adotado o padrão de consumo cubano as
ameaças correlatas às mudanças climáticas estariam tão presentes quanto hoje?
Talvez não, mesmo considerando que o processo da queima de combustível fóssil
começou lá atrás com a Revolução Industrial, na medida em que o alto padrão de
consumo se intensificou exatamente na última metade do século XX. O princípio
da inovação tecnológica acelera as taxas de crescimento do padrão de consumo no
mundo: modelos de carros novos a cada ano; modelos de celulares novos a cada
semestre; inovações gerais a cada trimestre. Uma loucura! No mercado, a maioria
alienada, comprando, comprando e comprando. Inclusive, este turista. A ética
sustentável é a nova utopia da humanidade. Já tenho dito isto em minhas reflexões.
A propósito, superado a Guerra Fria, bem que o Tio Sam poderia devolver o
território que ocupa na região de Guantánamo ao povo cubano.
Mas,
voltemos ao mote fulcral da crônica. Antes do almoço, no lobby em homenagem ao
Hamingway, tomava dois copos de cerveja como aperitivo, quando percebia casais
jovens mais alegre do que o normal. Após o jantar, tomava um licor, ouvindo um
piano, oportunidade em que me dava conta da quantidade de casais in making
love. Aqui acolá, um ou outro, degustando um cubano.
Declinei
do baile dançante ao som da música cubana programado pelo hotel, pois apesar de
não ter trazido o tapetinho de Yoga, a meditação foi intensificada com prática
pela manhã às 6h e à tarde às 18h. Pelo menos, sempre que podia, considerando
os horários e o cansaço dos passeios. Portanto, continuei, no período da
viagem, me recolhendo cedo.
Numa
oportunidade, contudo, antes de dormir, assisti ao filme Amor, que comprei no
sistema iPad, ganhador, ano passado, do prêmio Palma de Ouro, associado ao
Festival de Cannes. O filme é um espetáculo. Sobressalta a dignidade com que se
pode tratar a vida na terceira idade mais avançada quando nós tornamos
dependentes quais crianças. As atitudes chocam um pouco para nossos valores
judaico-cristãos, mas é isso. Ter consciência que viemos, mesmo não sabendo de
onde viemos; ter consciência que vamos, mesmo não sabendo para onde vamos, já é
um grande avanço frente ao mistério da vida! Visões como a do filme, demonstra
esse desapego ao mundo do presente, ainda que em geral as crenças religiosas
privilegiem a vida e abominem o tirar a vida, qualquer que seja a condição
terminal, ressalvados alguns casos previstos em Lei específicos para este ou
aquele país. Todas as perguntas fundamentais, acredito, só e somente podem ser esclarecidas
além do tempo, cujo portal é o aqui&agora. Nada mais!
Isso
nos leva às perguntas que alimentam o autoconhecimento continuamente:
"Quem sou?"; "Da onde vim?"; “Por que estou aqui?”; e
"Para onde vou?". Sei que vim, embora não saiba de onde exatamente; e
sei que vou, todavia sem imaginar para onde exatamente. Isso por si só, creio,
já é um avanço, especialmente se aceitar que estou aqui para aprender. Mas,
para saber quem sou realmente tenho que romper a barreira do tempo,
aqui&agora. E isso é nada trivial. Dificílimo! Especialmente para uma forma
ordinária, que continua subordinada aos sentidos. Para terem uma ideia, já no
aeroporto do Panamá, comprei um chapéu panamá marca Monte Cristi, um dos
melhores do mundo, segundo o vendedor. Acho que estou retomando, agora com 7
novos modelos, a pequena coleção que mantive nos anos 2000, de quase vinte
exemplares. Por pressuposto, no maior e melhor shopping da Cidade do Panamá, o
Albrook, fiz compras de presentes, no caso, de marcas globais, por exemplo, do
famoso jacarezinho francês made in Peru. Nele também restaurei um dente que se
quebrou em Havana. Sim, serviço odontológico num shopping; rápido, fácil e
eficiente. Além de cortar o cabelo. Tudo a preços bastante competitivos frente
aos brasileiros. Custo Brasil? Até quando? Carga tributária alta? Para aonde
vai o dinheiro público? Ainda se poderia realizar duas vezes a mesma obra, como
se dizia tempos atrás? Apenas abstrações!
Aproveito
a oportunidade para ilustrar a crônica com um trecho da Chandoya Upanishad,
texto vedantino, que me serviu de alento no passeio: “Assim como um pássaro
amarrado numa corda voa desesperadamente em todas as direções buscando um lugar
tranquilo e depois descansa no paleiro, da mesma forma, a mente, cansada de
vaguear aleatoriamente sem encontrar repouso em lugar algum, se estabelece e se
acalma no alento vital. É assim porque a mente inquieta está vinculada no
alento vital” [VI.8.2]. Esse verso mereceu o seguinte comentário de Swami
Dayananda: “Este é um lindo exemplo, que compara a mente a um pássaro que está
amarrado numa corda e quer se libertar dela. O pássaro quer liberdade. Assim,
ele puxa a corda e se rebate sem parar mas, vendo que não consegue, acaba por
se acomodar e aceitar o fato de que está amarrado. A mente, da mesma maneira
vagueia incessantemente pelos objetos de desejos, até, cansada, se estabelecer
no alento vital. O alento vital, durante o sono, permanece, assim como
permanece nos outros estados de consciência. Assim sendo, o alento vital é uma
espécie de referência para o sujeito, já que, assim como tudo o mais, deriva a
sua existência do Ser. Tendo essa referência, é natural que a mente se acalme
ao se fixar no alento vital” [Chandogyopanisad; tradução comentada, baseada nos
ensinamentos de Swami Dayananda, compilada por Pedro Kupfer; 2013; p. 33].
O
ensinamento oferece um ponto de convergência tanto para os cubanos que, ao
viverem contrariamente ao ideário do atual momento histórico da humanidade,
buscam por maior liberdade, quanto para nós que, ao vivermos sob o signo do
mercado, precisamos dominar ou, no mínimo, mitigar a alienação. Então, para
ambos, o repouso no alento vital é uma boa solução!
Em
Varadero, portanto, o programa pode ser sempre o mesmo! Ou seja: Meditação +
praia + piscina + praia + Meditação! Mais uma boa leitura e/ou um bom filme!
Ratifico que Varadero é a expressão de sucesso da abertura cubana. Lá comprei
para mim uma camisa e uma bermuda de design espanhol, de Ibiza, e produção
indiana. Portanto, o globalismo está presente nos hotéis de Varadero.
Para
finalizar sobre Cuba, repito que o povo cubano é alegre cantante e dançante. Em
Cuba, não tem analfabetos. A educação e a saúde são gratuitas. O SUS deles deve
ser melhor do que o brasileiro, pois exportam médicos para melhorar o nosso, e
não estou afirmando que essa é uma boa solução para a política pública da saúde
para o Brasil. Na universidade, o Estado paga o cidadão para que estude,
segundo depoimento do motorista que me levou de Varadero ao aeroporto de
Havana. Estão na fronteira da biotecnologia, é que o dizem, contra tudo e
contra todos. Na Constituição cubana, está consignado, no seu artigo 14, o
princípio de distribuição socialista: "de cada cual según su capacidad, a
cada cual según su trabajo". Na realidade, esse ideário é uma variação do
princípio anarquista que diz: “a cada um de acordo com suas necessidades, de
cada qual segundo suas capacidades”. A sutileza ainda representa uma grandeza
abissal de valores. Ainda assim, Cuba tenta uma outra estrutura de valor, que,
na minha opinião, tem tanta luz quanto tem a democracia burguesa; ou, por outro
lado, falta tanta luz quanto falta à democracia burguesa. Se temos alienação,
em Cuba falta liberdade. E esses dois valores andam juntos na democracia
burguesa. Acredito que o fetiche inerente ao consumo seja menor em Cuba, ainda
que por decorrência de um condicionamento alternativo. Ao fim e ao cabo, tudo é
condicionamento.
As
amarras para uma educação e uma saúde gratuita ao povo cubano estão assim
alocadas na sua Constituição. No artigo 50, observamos a natureza da saúde
gratuita: “Todos tienen derecho a que se atienda y proteja su salud. El Estado
garantiza este derecho: con la prestación de la asistencia médica y
hospitalaria gratuita, mediante la red de instalaciones de servicio médico
rural, de los policlínicos, hospitalares, centros profilácticos y de
tratamiento especializado; con la prestación de asistencia estomatológica
gratuita; con el desarrollo de los planes de divulgación sanitaria y de
educación para la salud, exámenes médicos periódicos, vacunación general y
otras medidas preventivas de las enfermedades. En estos planes y actividades
coopera toda la población a través de las organizaciones de masas y sociales”.
Já
no artigo 51, observamos a natureza da educação gratuita: “Todos tienen derecho
a la educación. Este derecho está garantizado por el amplio y gratuito sistema
de escuelas, seminternados, internados y becas, en becas, en todos los tipos y niveles de
enseñanza, y por la gratuidad del material escolar, lo que proporciona a cada
ñino y joven, cualquiera que sea la situación económica de su família, la
oportunidad de cursar estudios de acuerdo con sus aptitudes, las exigencias
sociales y las necesidades del desarrollo económico-social. Los hombres y
mujeres adultos tienen asegurado este derecho, em las mismas condiciones de
gratuidad y com facilidades específicas que la ley regula, mediante la
educación de adultos, la enseñanza técnica y profesional, la capacitación
laboral em empresas y organismos del Estado y los cursos de educación superior
para los trabajadores”.
O
que peca, então? Peca que a liberdade política é subordinada ao partido único
com conteúdo unilateral apoiado no marxismo-leninismo, que alberga o ideário do
Estado socialista cubano. Diferentemente, portanto, da liberdade religiosa que
é ampla e irrestrita, e separado do Estado. A economia é planicentralizada, o
que constitui uma contradição hodierna à hegemonia do mercado capitalista. Não
estou defendo aqui o mercado. Mas apenas reconhecendo sua dominância, o que é
compatível com os valores que predominam no coração do homem, considerando seu
atual estágio de evolução espiritual. Tudo, ou quase tudo, é propriedade do
Estado a serviço do povo. Essa correlação de forças não prospera nesta
modernidade. Vide exemplo da Rússia e suas ex-repúblicas, antes da queda do
Muro de Berlim, que simbolicamente representa a adesão ao mercado. Hoje a
Ucrânia busca, na voz do povo, aderência à UE, em detrimento do alinhamento
governamental ao ordenamento russo.
Todavia,
podemos estabelecer uma associação comparativa entre o sistema
marxista-leninista com o sistema liberal que regula todos os contratos sociais
que albergam as democracias moderno-burguesas do mundo capitalista. Os pecados
quanto à liberdade política são os mesmos, ainda que em graus e dimensões
diferentes, ou seja, aqui, até podemos ter um governo dito socialista, mas
subordinado às amarras da propriedade privada, cultuada como um deus. Do ponto
de vista objetivo, toda liberdade é limitada. E, segundo o anarquismo, somente
a liberdade libertária, livre de qualquer manto de autoridade, poderia
oportunizar e organizar um modo de viver e pensar verdadeiramente livre. Mas,
essa é uma utopia superada, oxalá adiada, no caso das mudanças climáticas
permitirem. Conforme já disse, a ética sustentável é a nova utopia da
humanidade. Já tenho dito isto em minhas reflexões a algum tempo. Observar que
a liberdade e a imortalidade definitivas, últimas, estão além do tempo,
conformei ponderei no início desta crônica.
Assim,
apesar dos pesares, Havana é belíssima! Seu povo é alegre, cantante e dançante,
reafirmo como um mantra. Sabem do que precisam, de maior liberdade,
diferentemente de nós, que pouco sabemos do processo de alienação a que somos
acometidos com a lógica do mercado. Mas o Ser sabe o que faz não é mesmo? Quem
somos nós para julgar!
Não
creio que o povo cubano sofra mais do que qualquer outro povo. Afinal, tudo é
dor e sofrimento, segundo Buddha, quando não entendemos como podemos
superá-las, identificando sua origem e definindo um Caminho. Ainda acredito no
socialismo. Todavia, entendo que só será possível após extirparmos os venenos
dos nossos corações. E isso vale para todos os povos! Então, não tem sistema
bom, um melhor do que o outro. Tem sistemas diferentes. Existe apenas
dualidade, tanto lá, quanto aqui. E só!
Vamos
agora relatar a visita à capital do Panamá, onde conhecemos seu canal, uma obra
fantástica, como diria meu velho pai, o Botelhão. A viagem de Havana para a
Cidade de Panamá foi no dia 11.12, e também não considerei um dia útil, ainda
que também tenha obtido mais informação e mais conhecimento. Já havia esquecido
o que é uma cidade barulhenta com trânsito infernal, pois andei esses dias em
Havana e Varadero de charrete, coco-táxi e muito a pé. No primeiro dia, 12.12,
contratei um táxi para me levou para ver as eclusas, do lado do Pacífico, e
fazer um passeio pelo centro histórico que tem uma arquitetura espanhola e
francesa, chamada de Casco Viejo. Deveria ter descido para caminhar e almoçar em
Casco Viejo. Perdi a oportunidade. Aliás, todas as oportunidades perdidas, nos
três locais visitados, ficam para uma outra visita. Mas, de quebra, passeei
pelas por três ilhas conectadas entre si e ao continente, com entulhos de pedra
e terra resultante das explosões da construção do Canal.
No
dia seguinte, 13.12, passeei por toda a cidade nas duas rotas do ônibus de
turismo. Um dia meia-sola, considerando o trânsito infernal, um dos predicados
mais expressivos de Manaus dos dias atuais. Mas, deu para parar no Museu de
Panamá Viejo, onde observei que a aldeia original sofreu um terremoto e um
incêndio na segunda metade do século XVIII, o que deslocou sua urbanidade
inicial para o atual centro histórico. Talvez, não a toa o slogan do atual
governo seja: de uma pequena aldeia para uma metrópole mundial.
A
internet, na Cidade do Panamá, além de grátis é poderosíssima. Diferentemente
de Varadero, e, especialmente de Havana, onde seu sinal é frágil e irregular.
Em Havana, custava $ 8 CUC a hora, quase US$ 10.00. Acho que nunca naveguei num
acesso tão rico de velocidade. Em Manaus, o acesso também é limitado! Ademais,
o Panamá oferece aos turistas seguro de saúde grátis até certo limite, mas já é
um agrado aos seus visitantes.
Realmente,
pelos informes oficiais trata-se de um país, talvez especialmente sua capital,
que cresce a índices chineses; cresceu 10% em 2012. Na realidade, existem
propagandas de construções residenciais e turísticas por todos as regiões e
locais do território panamenho. Dizem que querem atrair os aposentados
endinheirados americanos, na medida em que a região lembra a Califórnia.
O
canal construído pelos americanos a cem anos, que em 2012 movimentou 335
milhões de toneladas de carga bi oceânica está sendo duplicado e estará pronto
em 2014. O Panamá durante a administração do Tio Sam recebia, anualmente, US$
10 milhões. Hoje, fatura isso em dois ou três dias. Façam as contas. Portanto,
não faltarão recursos para transformar o Panamá num dos países mais prósperos
da Amárica Latina.
A
capital do Panamá é considerada uma das mais seguras da região para turistas.
Foi considerada a quarta cidade do mundo para serviços financeiros e a segunda
globalmente mais competitiva, segundo o Fórum Econômico Mundial 2012-2013. Pelo
seu aeroporto passaram 6,9 milhões de pessoas em 2012. A Zona Franca de Cólon,
situada no lado caribenho do Panamá, é a segunda maior em território do mundo.
Em
2000, a capital panamenha retomou a soberania da área adjacente ao canal
construído pelo Tio Sam, de 8 milhas para cada lado, onde o panamenho comum não
tinha acesso, além de passar a administrá-lo, o que está proporcionando uma
transformação naquele país, na medida em que estão em curso grandes obras de
infraestrutura, quais novo aeroporto e anel viária contornando o centro
histórico pelo mar, bem como a própria duplicação do sistema de eclusas, para
receber os cargueiros modernos e continuar servindo a dezenas e centenas de
rotas e portos ao redor do mundo, sem falar que já é um dos principais centros
financeiros do mundo. No Panamá, o jogo é liberado. Do lado do hotel onde me
hospedei havia um casino convidativo. Declinei desse atrativo.
Por
tudo relatado nesta crônica, oferecemos como título à sombra do Tio Sam, pois
Cuba continua embargada, glosada com barreiras ao mercado global, com as
sanções econômicas, imposta pelo país mais poderoso do mundo. Sem falar que
parte do seu território continua sob soberania estadunidenses. Mesmo que talvez
resulte de uma acordo perpétuo, feito lá atrás, no momento histórico da independência
de Cuba, parte da ponta leste do seu território, Guantánamo, deveria retornar
para a soberania do povo cubano, considerando que a humanidade superou a Guerra
Fria, embora continuemos permanentemente sob ameaça velada de uma terceira
guerra mundial. Ou já a vivemos sabe-se lá, inclusive, sob o signo das mudanças
climáticas. Deve-se aplicar o mesmo raciocínio do Canal do Panamá, que retornou
à soberania do povo panamenho, que caminha a passos largos para o mito do
desenvolvimento, o qual esteve limitado por quase 100 anos.
À
sombra do Tio Sam revela, ainda, convergência com a tese do eminente cientista
e ilustre pensador Milton Santos de que a solução ao esgotamento do sistema
colonial se deu com a promoção das independências das possessões em Estados
nacionais tardios, na medida em que a manutenção de tais processos sociais
teriam ficado financeiramente antieconômicos. Todavia, essa estratégia não
suprimiu a continuidade da pilhagem histórica, mas foram substituídas por novas
relações de hegemonia e dominação. A natureza intrínseca do Projeto ZFM, regido
apenas pelo signo da atração de investimentos, não é diferente e converge para
a lógica da hegemonia e dominação via dependência tecnológica. A tese de Milton
Santos, na minha opinião, vale inclusive para o Tio Sam, mesmo que a nação
estadunidense não tenha sido um grande império como aquele aonde o sol nunca se
punha. Os EUA praticamente bancou a independência de Cuba e do Panamá no início
do século XX. Os personagens dos acordos históricos em torno de Guantánamo e do
Canal do Panamá que o digam. E fez valer, óbvio, essa supremacia na forma de
bônus. Em relação a Cuba, o quanto pode, até 1959; em relação ao Panamá, cujo
poço de petróleo, seco e exterritorial, que simboliza o Canal, funcionou a seu
favor até 2000, desde 1914!
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