Da fragilização do Projeto ZFM e da Suframa
Antônio José Botelho[1]
A
competência original da instituição organizadora da ZFM é a de administrar
incentivos fiscais, alocando capital intelectual na aprovação, acompanhamento e
avaliação de projetos industriais e agropecuários. Esgotada a vertente
comercial da ZFM, a Suframa buscou ampliar seu espectro e escopo de atuação,
transbordando funções e ações na esteira da interiorização do
desenvolvimento e, mais recentemente, na da gestão tecnológica. Na
realidade, a ampliação da competência inicial perpassa pela promoção comercial,
pelo comércio exterior, dentre outras de menor vulto. Mas desejo, nesta
reflexão de alerta à sociedade, focar as duas funções destacadas pela
importância que têm no espraiamento de externalidades do Projeto ZFM por todo o
chão amazônico, limitado pela área de atuação da Suframa.
É
que as duas vertentes correm risco de sobrevida, no apoio ao desenvolvimento
industrial e tecnológico de todo local amazônico, aonde está presente a
institucionalidade do Projeto ZFM e a competência da Suframa. É visível, a “olho
nu”, que se tornaram grandes estorvos administrativos, que combinados com fatos
correlacionados, apontam para o esvaziamento dos respectivos programas de
desenvolvimento.
Os
links que poderão promover esta desvirtuosidade estão representados, de plano,
pelo recorrente questionamento da TSA por parte das firmas incentivadas,
gerando demandas judiciais que bloqueiam ainda mais a arrecadação da Suframa
via Projeto ZFM. Em verdade, esse bloqueio está posto e não resolvido com o
histórico contingenciamento vinculado à lógica da Conta Única da União,
combinado com a prática de refúgio centrada nas emendas parlamentares. Esse
link tem impacto tanto no programa de interiorização do desenvolvimento, quanto
no da gestão tecnológica, como veremos adiante no rol das indicações de
resoluções.
O
link complementar está relacionado com a notícia de que o laboratório de P+D da
Nokia foi ou será fechado, por força, possivelmente, de sua compra pela Microsoft.
Sabe-se da importância relevante da presença nos investimentos da Nokia no
contexto dos investimentos da Lei de Informática. Li essa notícia numa mídia
local. Somente será verdadeira, do ponto de vista da compulsoriedade das
aplicações em P+D, se a Nokia deixar de produzir bens de informática. Todavia,
parece que poderá ser o caso, na hipótese de centrar atenção em sinergia com os
negócios da sua nova proprietária. No mínimo demonstrará nossa dependência
correlata ao fortalecimento da emergência do Sistema Manaus de Inovação.
O
desenvolvimento não se dá sem recursos financeiros, assim como não se dá sem
energia, por exemplo. E o cenário pintado aponta para uma maior escassez deles,
frente a histórica responsabilidade do Projeto ZFM, enquanto meio, e da
Suframa, enquanto ente organizador, de contribuir para o desenvolvimento sustentável
do chão amazônico. Algo precisa ser pensado e feito para reverter essa
tendência, que, ao fim e ao cabo, deverá ferir de morte o “Modelo ZFM”.
Então,
a Lei que estabelece a TSA deve ser revisada! Então, devemos aprofundar a briga
para que os recursos arrecadados com a operação do Projeto ZFM estejam a
serviços do desenvolvimento sustentável do chão amazônico! Então, mecanismos
adicionais para induzir as firmas incentivadas a realizarem investimentos em
P+D devem ser idealizados, estendo-os para todos os setores instalados na ZFM!
Quantos
processos judiciais de questionamento da TSA estão em curso? O que representam
junto à arrecadação da Suframa? Para quais entraves sinalizam no sentido de uma
revisão da Lei, visando superar e evitar conflitos?
Quais
os empecilhos do programa de interiorização do desenvolvimento? Qual a carga do
passivo relativamente aos projetos com prestação de contas em aberto e sem
efetividade quanto aos benefícios socioeconômicos a que se predispuseram? Como
podemos contorná-los? Os critérios que consubstanciam suas linhas de
financiamento foram atualizados à Lei da Inovação, por exemplo? O grupo
interdisciplinar de enquadramento dos projetos junto às linhas de financiamento
está operando, no sentido de ir além do próprio enquadramento, propondo
alternativas estratégicas e a substituição de projetos em carteira por projetos
proativos?
Qual
o passivo dos relatórios demonstrativos dos investimentos em P+D decorrentes da
Lei de Informática? Quando seremos capazes de induzir e cobrar efetividade
relacionada aos resultados derivados de um sistema de inovação, quais sejam:
aumento de faturamento, redução de custos, melhorias e inovações junto a
produtos e processos novos ou aprimorados, patentes&royalties? Quantas
firmas estão tendo seus incentivos suspensos por conta da não apresentação dos
relatórios demonstrativos das aplicações em P+D? Quando vamos entender que os
proprietários dos pacotes tecnológicos aprovados na forma de projetos
industriais não estão dispostos a fazer investimentos em P+D em espaços
periféricos como Manaus, relativamente à fronteira tecnológica que representam?
A
disponibilidade de recursos financeiros é indispensável para viabilizar não só
a consolidação das diretrizes estratégicas da Suframa vertidas a interiorização
do desenvolvimento e a gestão da tecnologia, mas, sobretudo, para o
estabelecimento de novos avanços e novos desdobramentos via novas ideias e
ideais. A Suframa não pode abrir mão de sua responsabilidade histórica
conquistada a “duras penas” de contribuir para o desenvolvimento sustentável do
chão amazônico. Houve momentos que a presença da Suframa no chão amazônico era
uníssona frente a histórica hegemonia institucional da Sudam.
Admitamos
que seja possível a reconfiguração, de fato, além de direito, de um fundo sob a
administração da Suframa para fins do desenvolvimento: por que não poderíamos
criar duas vertentes? Uma associada a projetos não-reembolsáveis; outra
destinada a projetos reembolsáveis? Aquela para infraestrutura de econômica e
de capital humano, intelectual e social no sentido industrial e tecnológico, de
provimento de competitividade sistêmica; a segunda para financiamento de
amazonidades em nível de negócios realizados no mercado, de contributo à
formação da cultura de capital de risco. Por que não podemos admitir essa
possibilidade?
Poderíamos,
ainda, elaborar outra hipótese de financiamento! Por que não poderíamos
combinar o financiar a P+D com o financiamento do empreendedorismo
científico-tecnológico na forma de realizações no mercado de amazonidades? Essa
temática, inclusive, já entrou no discurso, quiçá entre na agenda, do Sistema
Manaus de Inovação.
A
ideia do alerta da reflexão é realmente na forma do apontamento de problemas,
de problematizações, a partir de uma visão parcial e limitada do próprio chão
institucional. Investigações complementares e extensivas às sugestões aqui
apenas superficialmente delineadas devem ser levadas a termo por formadores de
opinião, por pesquisadores do chão acadêmico, por gestores e técnicos da coisa
pública e por políticos e seus assessores que formulam políticas públicas,
visando abrir veredas na forma de trilhas para as resoluções pertinentes. Nesse
diapasão, deve-se ter em mente sempre a busca da combinação efetiva e sinérgica
do empreendedorismo, do crédito e da inovação, plasmadas e amalgamadas com
capital e tecnologia endógenas, em prol da construção de capitalismo amazônico.
Penso
e acredito que a Suframa, a partir do Projeto ZFM, tem ainda muito a contribuir
para o desenvolvimento autossustentável, na medida em que superar gargalos que
travam o presente e abrir janelas de oportunidades portadoras de um futuro
desejado. Não podemos admitir que estamos fadados a administrar passivos, sem
questioná-los objetivando sua superação. Não podemos reduzir a função
planejamento a uma postura de controle e de auditagem, certamente necessária,
ainda que em parceria, em atendimento e/ou reativamente aos órgãos de controle,
mas insuficientes no longo prazo. Algo estratégico precisa ser assumido,
ousado, na forma de risco institucional no contexto da competência vertida ao
desenvolvimento sustentável. Por outro lado, este esforço deve estar em
paralelo às ADINs elaboradas para enfrentamento das PECs, que minimizam as
vantagens comparativas da ZFM, quiçá adotado em caráter prioritário, negociando
com o poder central na forma de “cartas na manga” em busca de espaços,
energizados por mecanismos e ferramentas de políticas industrial e tecnológica,
em prol do autodesenvolvimento minimamente autônomo e interdependente.
De uma breve estimativa dos valores envolvidos na encrenca
Nessa
conta, os valores são significativos. Vejamos uma estimativa bruta, não
refinada, “por baixo”, ao longo de duas décadas. Se entre 1997 e 2000 aplicamos
R$ 250 milhões junto ao programa de interiorização,[2]
entre 1997 e 2016, poderíamos estar aplicando algo em torno de R$ 1,3 bilhão.
Certamente, esse valor poderia ser ultrapassado, pois o orçamento da Suframa é
crescente na medida da pujança da ZFM. Por outro lado, se entre 1996 e 2006
aplicou-se no contexto dos investimentos em P+D relativos à Lei de Informática R$ 1,3 bilhão,[3] até 2015
poder-se-ia aplicar mais R$ 0,8 bilhão. R$ 3,4 bilhões não é um valor desprezível,
considerando a possibilidade de investimentos e aplicações eficazes, eficientes
e, sobretudo, efetivas. Talvez até seja pouco frente à dinâmica de outros
locais mais desenvolvidos, mas é muito para um local que precisa construir seu
próprio caminho, fazer sua “tarefa de casa”.
Mas
ambos os valores estão comprometidos e/ou bloqueados até 2015/2016,
considerando a tendência atual de esvaziamento dos programas de interiorização
do desenvolvimento e de gestão tecnológica da Suframa. Isto sem falar que a
vertente reembolsável, contributo à cultura de capital de risco, poderia estar
retroalimentando o sistema de geração de crédito, constituindo fonte
complementar à própria ZFM. Poderíamos ter melhor contribuição do Projeto ZFM
em prol do autodesenvolvimento via construção de um capitalismo amazônico? Além
da problemática da fragilização, ainda precisaríamos estar organizados e
atentos com os vícios e desvios da cadeia burocrática inerente ao mercado que o
setor público cria em torno de si mesmo. Neste particular, os olhos dos
políticos, gestores e empresários de baixo escalão brilham em torno desses
valores em detrimento do propósito do progresso social e técnico do chão amazônico
a partir do Projeto ZFM. Mas essa é outra estória...
Nota: Uma versão mais atual pode ser visitada em www.argo.com.br/antoniojosebotelho
Nota: Uma versão mais atual pode ser visitada em www.argo.com.br/antoniojosebotelho
[1] Servidor ativo do Estado brasileiro, lotado na Suframa, a
serviço do Projeto ZFM, desde 1984.
[2] Botelho, Antônio José. Projeto
ZFM: vetor de interiorização ampliado!. Manaus: s/Ed., 2001.
[3] Botelho, Antônio José. Pequeno
Ensaio em prol da Construção de um Capitalismo Amazônico a partir de Manaus.
Manaus: Editora Caminha Consultoria, 2011.
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