terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

EM HOMENAGEM AOS 45 ANOS DO DECRETO 288/67


Nota: Esta reflexão foi reduzida jornalisticamente pelo editor Carlos Branco que convidou este pensador para participar da reportagem especial do jornal A Crítica em comemoração aos 45 anos de criação da Suframa e da idealização do Projeto ZFM nos moldes atuais. Hoje é 28 de fevereiro de 2012 e o capital social de Manaus celebra e comemora com todas as pompas e honrarias o dia da edição do Decreto-Lei 288/67. Esta reflexão foi postada no blog desta forma ordinária para homenagear esse momento histórico, questionando-o e criticando-o, contudo de forma propositiva e provocativa. Tenhamos muito boa sorte!


Um ideário [a partir de] ideias ou Ideias [a serviço de] um ideário

Se esses indivíduos não entram em conflito,

é porque não aspiram a mais nada,

suas vontades estão paralisadas,

e, por isso, vivem a felicidade espinosana,

definida como repouso.

NIETZSCHE

Precisamos de um novo paradigma que supere a lógica simples da prorrogação do Projeto ZFM, ou até mesmo sua perenização. Precisamos de uma lógica complexa que sinalize para a formulação de políticas públicas que não só consolide o processo de industrialização em curso, mas, sobretudo, crie uma trajetória tecnológica alternativa forjadora de um novo marco civilizatório sob a égide da sustentabilidade, o que significa dizer, investimentos conscientes, consumo inteligente e tecnologia limpa. Esta trilogia como base daquela outra mais conhecida e tradicional que busca assegurar o social e ambientalmente justo e correto e somente depois o economicamente viável. É nesta sequência que se amarra a sustentabilidade. Uma verdadeira revolução verde adotando o chão amazônico como laboratório de uma experiência sociológica no devir, no porvir.

Para tanto, devemos entender que a ideologia defendida da autossustentabilidade é expressa pela adoção do Projeto ZFM como um meio e não tão somente como um fim em mesmo. A visão de futuro desejada associada a essa lógica complexa deve ser metrificada com a superação do PIB manauara, no que concerne à indústria de transformação, medidos pela produção do PIM lastreada em capitais e tecnologias estrangeiras por um Produto Manauara Bruto [PMB] consubstanciado por amazonidades, vale dizer produtos realizados no mercado a partir de insumos e saberes da floresta com capital e tecnologia endógena, caracterizando um desenvolvimento industrial e tecnológico minimamente autônomo. Esse autodesenvolvimento, por sua vez, sinalizando um processo de growing up, em concorrência com o processo de cathing up determinado pela sina da industrialização tardia e pertinente capacitação tecnológica tardia. Superar não significa negar o atual crescimento econômico, muito menos abandona-lo, mas ir além dele. E podemos ir muito além, mas precisamos ter coragem para empreender o novo e original, associando-os com uma visão de futuro consentânea, e por via de consequência desencadear uma inovação institucional e política.

O que estamos propondo de forma recorrente é a idealização de um desafio manauara-amazonense-amazônico de superação da sina histórica do crescimento econômico lastreado pela atração de investimentos com a adoção e consolidação de mecanismos que contribuam para a formação da capacidade, estrutura, estratégia e rivalidade empresarial endógena, fundadora do que temos denominado de capitalismo amazônico, explorando sustentavelmente amazonidades. Essa transformação, essa metamorfose teria como base a interação sinérgica entre as externalidades do Projeto ZFM com a estruturação de uma trajetória tecnológica alternativa que explore de forma sustentável o capital natural da Amazônia.

Mas como construir essa trajetória industrial e tecnológica alternativa? Como construir um capitalismo amazônico?

Entendemos que liga é a dimensão patrimonial das firmas. Entendemos que a argamassa é o empreendedorismo científico-tecnológico. Isto é, precisamos formular uma política industrial e tecnológica de longo prazo que privilegie o capital e a tecnologia local. Ou seja, precisamos promover ambiências inovadoras que induzam negócios estruturados no uso sustentável de insumos e saberes da floresta, que realizem amazonidades. Essa nova cultura já está em gestação, às vezes pensamos que desde sempre, especialmente se lermos o famoso e célebre discurso de Álvaro Maia proferido no Teatro Amazonas no início da década de vinte do século passado, anunciando um Amazonas livre como potência econômica para 2023, mas, e por isso mesmo, precisamos acelerar o passo. Álvaro Maia certamente não imaginava as exigências do desenvolvimento sustentável e certamente não pensava numa espécie de Projeto ZFM; mas certamente pensava em amazonidades. Na realidade, ele vivia intensamente a contextualização do fausto da borracha, no interregno entre os dois momentos históricos de maior pujança. Então deve ter imaginado no que o Amazonas poderia vir a se transformar se explorasse outros insumos da floresta. Percebeu claramente que a borracha era apenas uma dentre uma infinidade de oportunidades econômicas.

Todavia, para realizar esse desiderato precisamos superar a visão ingênua de nossa elite política e institucional que entendem que o Projeto ZFM é um fim em si mesmo, impossível de ser superado. Sem esquecermos no que resultou a exportação das sementes da borracha e, sobretudo, no que representou o desenvolvimento tecnológico do seu princípio ativo em prol dos materiais sintéticos, cuja indústria alavancou durante o século XX parte do poderio político e econômico dos países hoje hegemônicos e dominantes, precisamos deixar de compadrios com o capital estrangeiro, pois as firmas multinacionais estão aqui realizando mais-valia global, de pusilanimidade em relação ao Projeto ZFM, pois temos que supera-lo em favor da construção do capitalismo amazônico de que tanto falamos estruturado em vantagens competitivas dinâmicas vis a vis as amazonidades, e de omissões com relação ao autodesenvolvimento, considerando a predomínio do sistema capitalista enquanto organização social dominante, ainda que este esteja com seus dias contados, como dizem os especialistas.

Precisamos exigir que todo capital incentivado, todo ele, de todos os setores do PIM, aplique recursos de verdade em P+D, sobretudo, em projetos cooperativos com a oferta tecnológica local, portanto, além da tese dos investimentos da indústria, dita já de forma extemporânea, de informática. Neste sentido, precisamos dominar enquanto informação de Estado o quanto é a margem de lucro que se pratica industrialmente falando no PIM, não só para exigir os investimentos em P+D, mas para saber o quanto custa a isenção para a sociedade em nível de subtração de impostos que retornariam para o provimento de saúde, segurança e educação, confrontando-os com as alíquotas de proteção comercial.

Precisamos reformular nosso entendimento já fossilizado em nossas mentes da justificativa de que a incentivação da ZFM se deve ao fato do mercado consumidor estar longe da produção do PIM; reproduzi-la após 45 anos é um atestado de medo em relação ao porvir, ao devir, e até mesmo um atestado de incompetência quanto a necessária transformação da nossa realidade; se amazonidades fizerem parte de uma cultura, seus produtos e serviços poderão ser consumidos em qualquer parte do planeta, independentemente dos custos de transporte.

Precisamos formular e encarar os desafios e metas relativas ao desenvolvimento endógeno de frente, com firmeza e responsabilidade se desejamos construir um autodesenvolvimento, se desejamos obter maior liberdade política e maior independência econômica, se desejamos revolucionar nosso progresso social, qualificando o uso e a ocupação do chão amazônico e preservando a soberania nacional no longo prazo. Poderíamos começar a transformação do Decreto-Lei 288/67 reescrevendo seu artigo primeiro, pois os fatores locacionais hoje são outros, além de maiores, igualmente melhores, e a grande distância de outrora se encurtou com a globalização e com as escalas de produção demandadas pelos mercados que se agigantaram. Quantas faculdades, institutos de pesquisas e mestres e doutores existem hoje compondo o nosso capital social? Quantas televisões, motos e telefones celulares o PIM produz hoje após os anos que suas plantas industriais incentivadas foram implantadas?

Nesse sentido, ficamos imaginando uma universidade empreendedora que sinalize claramente para pesquisas com considerações de uso. Ficamos imaginando no chão acadêmico de Manaus espaços dinâmicos, pró-ativos e sinérgicos onde estejam presentes as funções de capital de risco, de formulação de negócios, de transferência de tecnologia. Na realidade, a ambiência inovativa deve ser construída em todo chão de fábrica, em todo chão institucional. Enfim, uma cultura capitalista, em que viceje o empreendedorismo científico-tecnológico entendido como todo aquele que transforme o pesquisador e/ou o estudante acadêmico em proprietário de uma empresa de base tecnológica e que ao mesmo tempo esteja realizando amazonidades no mercado. Onde vários fundos de financiamento estejam disponíveis para financiar direta e indiretamente projetos de desenvolvimento tecnológico, planos de negócios dos empreendimentos a serem realizados, financiando, ainda, a capacitação empresarial e gerencial dos pesquisadores e/ou estudantes. Portanto, muito além da própria pesquisa e desenvolvimento tecnológico que lhe deu origem, devidamente apropriada em níveis de patentes e royalties.

Por exemplo. Na primeira tese do Programa de Doutorado em Biotecnologia implantado na Ufam com financiamento da Suframa a partir dos anos 2000/2001, o pesquisador desenvolveu tecnologia para a adoção da casca da mandioca como alimento proteico para o frango em substituição a ração tradicional de milho. Para tanto, idealizou máquinas e equipamentos, além do processo produtivo para viabilizar técnica e economicamente a amazonidade. Mas não temos notícias de que a ideia tenha se transformado numa marca amazônica. Nem mesmo temos notícias de que o resultado da pesquisa tenha se transformado num negócio. Mas existem mecanismos e ferramentas de política industrial e tecnológica que lançam, apoiam e emancipam empresas de base tecnológica.

Outro exemplo. Podemos afirmar que o tijolo vegetal criado por pesquisadores do Inpa ainda não entrou no mercado em concorrência com o tijolo tradicional de argila. Para tanto, nos dois exemplos, financiamento diferenciado e/ou participação societária do Estado na formação do capital social inicial da firma poderia ter sido acionado, incentivação tributária poderia ter sido idealizada, disponibilização de subsídios poderia ter sido aplicada, proteção comercial poderia ter sido adotada, poder de compra governamental poderia ter sido estruturado e subvenções econômicas para melhorias e inovações incrementais, inclusive, organizacionais e mercadológicas, e encomendas para novo desenvolvimento tecnológico poderiam ter sido estrategicamente induzidas.

Ou seja, a trajetória tecnológica alternativa no sentido growing up significa não só idealizar, criar novos produtos para novos usos ou para usos tradicionais, mas utilizar, gerar novos materiais em substituição aos insumos presentes em produtos vigentes, adotando doravante a égide da sustentabilidade de forma autossustentada. Uma nova cultura estaria sendo gestada: o autodesenvolvimento sustentável. A força da criação de novos produtos com novos materiais ou não para novos usos viria com a instalação propriamente dita do processo de growing up. Quantos produtos não poderiam ser comercializados por firmas de capital local a partir da oferta tecnológica já existente em Manaus?

Vejam a lógica da sustentabilidade ambiental dos casos relatados. A casca da mandioca é encontrada como insumo na forma de lixo nos mercados de Manaus. Já a matéria-prima do tijolo vegetal é composta do ouriço e a casca da castanha do Brasil e os mesocarpos do coco e do tucumã. Todos abundantes na floresta! Observe-se que esta é apenas uma perna da equação sustentável, restam compor com a questão social e a própria viabilidade econômica, que podem ser elaboradas com as ferramentas que sinalizamos acima. Mas essa é a trilha! Essa é a vereda!

Neste contexto, registramos que apenas duas empresas de base tecnológica foram criadas por egressos do Programa de Biotecnologia da Ufam frente a um total de 98 teses defendidas até o primeiro semestre de 2011. Portanto, apenas 2% dos conhecimentos aplicados gerados se transformaram em negócios. É muito pouco, mesmo considerando que dois outros egressos tenham desenvolvidos dois produtos inovadores, passíveis de produção e comercialização, devidamente patenteados, inclusive um com reconhecimento mundial - sendo a primeira da Ufam neste sentido! Palmas! Mas pesquisas com considerações uso direcionadas ao mercado devem compor no mínimo 50% da pauta de projetos de pesquisa de todo programa de pós-graduação na Amazônia, em especial os vinculados à biologia, química, física, microeletrônica e correlatos, se desejamos mesmo o autodesenvolvimento minimamente autônomo e ao mesmo tempo interdependente, vinculado e associado ao sistema capitalista devidamente qualificado. O complemento para a totalidade seria reservada às necessidades de se avançar junto ao conhecimento exploratório.

Ao longo da última década, o capital social manauara construiu o Sistema Manaus de Inovação, segundo fundamentos públicos. Para tanto, foi aplicada a soma total de R$ 1,7 bilhão pelas principais instituições indutoras de inovação tecnológica representada pela Suframa/Capda e Sect/Fapeam. Cremos que estamos bem posicionados quanto ao lado da oferta tecnológica em termos relativos para o estabelecimento de uma cultura do empreendedorismo, especialmente do científico-tecnológico, já que este é quase inexistente, na medida em que não tem representatividade na pujança da economia local, lastreada por capital e tecnologia exógenas, conforme demonstramos no Pequeno Ensaio em prol da construção de um Capitalismo Amazônico a partir de Manaus, publicado pela Editora Caminha Consultoria em 2011.

Há recursos gerados em Manaus para serem direcionados adicionalmente a esse desafio, como o valor total contingenciado da Suframa, que não é desprezível para um local que precisa construir seu autodesenvolvimento, muito ao contrário. É quase R$ 1,2 bilhão contingenciado entre 2000/2011, considerando o valor apropriado pelo BNDES. Esse valor e suas partes poderiam, ou melhor, deveria ser negociado pela elite política local em troca das perdas das vantagens comparativas do PIM. Para termos uma ideia, todos os programas e projetos do CT-PIM, incluindo seu ParqTech, poderiam ser financiados, no sentido de pô-los em marcha, com a metade deste valor. A outra metade poderia constituir o valor inicial de Fundo de Investimento de Capital de Risco.

Numa outra engenharia financeira, 1/3 desse montante poderia ser direcionado para o CBA, devidamente emancipado com CNPJ próprio, 1/3 para o Fundo de Capital de Risco e 1/3 para os programas e projetos do CT-PIM, enquanto que recursos vinculados ao orçamento do Plano Nacional de C&T&I financiaria o ParqTech do CT-PIM, já que nesse Plano existe rubrica específica para este fim. Ainda uma outra poderia ser formulada na perspectiva do chão amazônico: 1/4 para projetos de produção apoiando cooperativas e associações amazônicas que realizam amazonidades + 1/4 para o CBA + 1/4 para o CT-PIM + 1/4 para o Fundo.

Na verdade, esse mecanismo de barganha e troca deveria se constituir numa estratégica permanente, isto é, a cada perda de uma vantagem comparativa da produção incentivada no PIM se apresentaria, se defenderia um projeto, uma ideia junto ao governo federal. Neste particular, os potenciais imanentes aos dois governos Lula foram perdidas. Vamos perder as potências inerentes do governo Dilma? O que negociamos em troca na forma de projetos vertidos ao autodesenvolvimento com a perda de vantagens comparativas para a produção de tablets para outros locais do território brasileiro?

Portanto, retornando aos argumentos vinculados à liga [dimensão patrimonial das firmas] e da argamassa [empreendedorismo científico-tecnológico], se não tivermos uma forte demanda tecnológica para impulsionar o processo de inovação, segundo os fundamentos da ordem e, sobretudo, da liderança privada, não construiremos um capitalismo amazônico realizador de amazonidades. Essa forte demanda somente acontecerá se tivermos uma produção industrial e agroindustrial equivalente. Vale dizer, se induzirmos igualmente como estão sendo induzidos os avanços em C&T&I, a cultura empreendedora e creditícia vinculado à construção de um capitalismo amazônico lastreada em amazonidades. Por isso, entendemos importante e ratificamos a sugestão da criação, em nível local, de um Conselho Político de Gestão Estratégica do Desenvolvimento Industrial e Tecnológico vinculado às amazonidades, exatamente unindo ambas as vertentes, isto é, oferta e demanda tecnológica. Esse é o “x” da questão associada à dimensão patrimonial das firmas vis a vis ao empreendimento científico-tecnológico.

A criação de um Conselho Político de Gestão Estratégica em prol das Amazonidades pode ser entendida como um eixo propulsor do capital social manauara-amazonense na medida em que se vai dando a formação, o desenvolvimento e a consolidação de um capitalismo amazônico. Os agregados graúdos desse capital social expressos pelo aprendizado, pela cooperação e pela confiança seriam refinados no exercício da pertinente gestão estratégica unificada no Conselho Político em prol do autodesenvolvimento. A elaboração de uma política industrial e tecnológica seria permanentemente aprofundada no sentido de construção de vantagens competitivas dinâmicas e sustentáveis.

Que a próxima década seja adotada como a década do empreendedorismo científico-tecnológico manauara e que ao final dela possam constar valores e estatísticas do PMB dessa função fundamental relativa à capacidade, estrutura, estratégia e rivalidade empresarial, visando lastrear a construção do que denominamos capitalismo amazônico. Há uma oportunidade histórica ímpar para eleger o empreendedorismo científico-tecnológico como elemento estratégico fundamental para o autodesenvolvimento na medida em que os sistemas locais de inovação ocupam espaços nas agendas das políticas nacionais de desenvolvimento em concorrência aos tradicionais laboratórios de P+D das grandes indústrias globais. Ou seja, é a tese schumpeteriana dividindo espaço com a tese neoschumpeteriana para a sustentação do progresso social, agora sob a égide da sustentabilidade.

Esta oportunidade histórica restará potencializada, exponenciada, se combinarmos se cruzarmos esse binário estratégico, do empreendedorismo em sinergia com os sistemas de inovação, com as exigências do desenvolvimento sustentável vis a vis a Amazônia/amazonidades. Mas como disse no início desta reflexão precisamos ter coragem para empreender uma visão de futuro redentora e libertária, pois deveremos enfrentar de frente a ilusão de curto prazo do Projeto ZFM. Aqui, longo prazo é um horizonte de 100 anos, de um século!

Esse cenário futuro, essa visão de futuro desejado, enfeixado por missões e objetivos estratégicos empresariais, institucionais e políticos convergentes, estaria eivado de legitimidade para o desfrute do verdadeiro orgulho de uma sociedade que constrói seu caminhar sob as próprias pernas, com suas próprias mãos e sob a liderança de suas próprias mentes. Que sejamos capazes de metamorfosear a natureza dependente da indústria de transformação amazonense. Que possamos ser agentes corajosos e determinados de transformação ao invés de meros atores acomodados e descansados da reprodução do capital e da tecnologia de alheios e de alhures. A galinha dos ovos de ouro é o capital natural da Amazônia. O PIM é pinto frente ao que podemos construir com amazonidades.

A condição de repouso foi questionada por Nietzsche na citação inicial não porque esse nobre pensador não contemplasse o sossego como solução racional para os homens. Em sua reflexão, anunciava a barbárie do século XX, em especial frente à iminência das Duas Grandes Guerras, a partir de sua experiência como enfermeiro na guerra regional franco-prussiana de 1870. No nosso caso específico; qual é a grande ameaça do século XXI? Exatamente as mudanças climáticas a exigir um novo paradigma de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. É contra as mudanças climáticas e a favor da ética sustentável que devemos depositar e empenhar todas as nossas armas e energias na construção de um capitalismo amazônico, nas amazonidades, adotando o Projeto ZFM como alavanca, pois que em si mesmo reproduz a matriz da insustentabilidade.

Alerte-se que a cobertura vegetal que o PIM ajuda a manter no Amazonas, o faz apenas por uma questão de escala, pois o capitalismo é o mesmo praticado no planeta. Isto é, a ZFM tem 10.000 km² contra mais de cinco milhões de km² da Amazônia. Não se pode, ou melhor, não se deve confundir variáveis e coincidências históricas, não planejadas e programadas, diga-se a bem da verdade, que favoreceram a manutenção da cobertura vegetal do Amazonas frente, por exemplo, aos Estados do Pará e de Rondônia, com desenvolvimento sustentável, muito menos com autodesenvolvimento.

Esta é uma questão que precisa ser muito bem entendida, mesmo que haja métricas científicas para justificar a associação de tais variáveis e coincidências históricas com uma adjetivada virtuosidade do Projeto ZFM, mesmo que tais cálculos sejam validados por cientistas graduados de praças mais avançadas que pesquisadores locais convidam para subescrever para convencer as mentes tupiniquins, valorando a peça de investigação. Não estamos negando o conhecimento gerado em si, válido em si, não há dúvida, mas anunciando sua verdade parcial, pois nos basta observar a matriz energética de Manaus que opera parcialmente com a queima de combustíveis fósseis, ainda que o Brasil seja um dos líderes em energia renovável e reciclável, portanto, sustentável, os resíduos que o PIM gera ainda sem uma solução técnica sustentável e o cinturão social de pobreza que circunda e permeia toda Manaus, que no final dos anos 1990 chegavam aos 600 mil indivíduos. O capitalismo que consubstanciará o capitalismo amazônico que tratamos nesta reflexão é de outra natureza e faz parte do conceito de sustentabilidade que está em elaboração no planeta. Contudo, o cerne, o fulcro da visão de futuro que tratamos aqui é que na Amazônia ele seja construído com amazonidades.

Ademais, ainda quanto a citação de Nietzsche, devemos ter consciência que a bem-aventurança total é incompatível com este mundo dos fenômenos de natureza dual, isto é, ou há desenvolvimento ou não há desenvolvimento; ou há liberdade ou não há liberdade, considerando os diferentes capitais sociais dos locais do planeta e as relações de poder existentes entre os homens e entre os respectivos Estados nacionais. A combinação exitosa de desenvolvimento com liberdade exige coragem e determinação, conforme demonstra a história dos povos e respectivas civilizações, que emergiram e atingiram o apogeu com capital e tecnologia próprias, delineando as formas de organizações sociais idealizadas pelo homem ao longo dos séculos. E ruíram exatamente quando a cultura pertinente perdeu hegemonia e dominância para outra combinação virtuosa.

Autodesenvolvimento sustentável combinado com Amazônia/amazonidades é a nossa oportunidade histórica para desfrutar de maior liberdade política e maior independência econômica ao longo das próximas gerações. O que estamos propondo e discutimos nesta reflexão é a oportunidade de uma experiência civilizatória qualificada, não um progresso social espúrio, porque estruturado em vantagens competitivas estáticas, e, dependente, porque lastreado por capital e tecnologia exógenos, uma combinação desastrosa para o longo prazo frente à liberdade política, a independência econômica e a soberania nacional.

Finalmente, é de bom alvitre registrar que os esforços complementares para finalizar de forma nova e original nosso processo de industrialização não exclui muito menos nos exime da responsabilidade de explorar com a mesma determinação e acuidade, frente à perspectiva minimamente autônoma e ao mesmo tempo interdependente exigidas para o autodesenvolvimento, as demais potencialidades vinculadas à sociedade do conhecimento para a economia como um todo, muito especialmente o setor de serviços, base da sociedade contemporânea. Tenho escrito de forma recorrente sempre com o foco no nosso processo de industrialização, atual e potencial, entretanto buscando diferentes palavras e conceitos e procurando expandir o raciocínio com novas abordagens.

Tal expectativa deveria ser discutida à exaustão pelo capital social de Manaus para não se comprometer as mentes de nossos jovens colegiais e universitários bombardeados com informações evasivas e inebriantes que asseguram o Projeto ZFM como solução definitiva para o nosso desenvolvimento, anestesiando a motivação e adormecendo os desafios de transformação da realidade. Há profundas controvérsias quanto ao entendimento do Projeto ZFM apenas como um fim em si mesmo, conforme demonstramos segundo valores pertinentes ao autodesenvolvimento.