08/10/2025

SÍNTESE DA BHAGAVADGITA

 

Síntese-reprodução, realizada em 2006, por Antônio José Botelho, da BRAGAVADH GITA, traduzida sob a responsabilidade de Roberto de Andrade Martins.

Nota: Utilizou- se Cristiano Bezerra como fonte para esclarecer termos e conceitos. Quando esta não for, outra estará explícita.

 

Do Sofrimento de Arjuna[1]

 

Dhritarashtra[2] disse:

-          O que meus filhos e os filhos de Pandu[3] fizeram, reunidos e ávidos pela batalha, no campo de cumprimento do dever, o campo dos Kurus[4]?

Sañjaya[5] disse:

-          Então, vendo o exército dos Pandavas[6] prontos para a batalha, o rei Duryodhana[7] se aproximou de seu mestre e disse essas palavras:

-          Veja, ó Mestre, este grande exército dos filhos de Pandu, organizados pelo filho de Drupada[8], seu sábio discípulo.

-          Aqui estão heróis, grandes arqueiros, que se igualam na batalha a Bhima[9], Arjuna...

-          ............................

-          Vendo os homens de Dhritarashtra preparados para a batalha, e quando as armas estavam preparadas para a ação, então Arjuna, que tinha a bandeira de Hanuman em seu carro, ergueu o seu arco.

-          Ó rei, ele disse essas palavras a Hrishikesha[10] [Krishna]: Leve minha carruagem para um lugar entre os dois exércitos, ó Acyuta.

-          Para que eu possa ver essas pessoas que estão ansiosas para lutar, e com quem eu vou lutar nessa guerra que está para começar.

-          Eu quero olhar para aqueles que estão reunidos aqui, prontos para lutar, e que querem realizar pela guerra aquilo que deseja o filho perverso de Dhritarashtra.

Sañjaya disse:

-          Ó melhor dos Bharatas[11] [Dhritarashtra], diante desse pedido de Gudakesha[12] [Arjuna], Hrishikesha [Krishna] levou a melhor das carruagens para o meio dos dois exércitos.

-          ...............................

-          Então Partha[13] [Arjuna] viu os tios, avós, mestres, tios maternos, irmãos, seus filhos e netos. E também companheiros,

-          e sogros e amigos nos dois exércitos. Quando o filho de Kunti [14][Arjuna] viu todos esses parentes assim dispostos, ele foi tomado por uma grande pena e disse, com tristeza:

-          Ó Krishna, vendo esses parentes e amigos que estão reunidos aqui com a intenção de lutar, meus membros se tornam fracos e minha boca fica completamente seca.

-          Meu corpo treme, meus cabelos ficam de pé. Gandiva [o arco de Arjuna] escorrega de minha mão, e minha pele queima.

-          Além disso, eu não consigo ficar parado, minha mente parece girar. E eu vejo presságios ruins.

-          Eu não vejo nenhum bem que possa vir de matar meu próprio povo na batalha. Eu não desejo a vitória, nem um reinado, nem prazeres.

-          Que necessidade eu tenho de um reino, de prazeres e da própria vida?

-          Eu desejaria um reino e prazeres por causa daqueles que estão aqui na batalha, renunciando a suas vidas e suas riquezas.

-          Mestres, tios, filhos; tios maternos, sogros, netos, genros e outros parentes.

-          Eu não quero matá-los, mesmo se eles me matem, mesmo que para conseguir como reino os três mundos, e muito menos para conseguir esta terra.

-          Que felicidade poderíamos ter matando esses filhos de Dhritarashtra? Apenas o pecado virá a nós, matando esses malignos.

-          Portanto, não é correto para nós matar nossos parentes, os filhos de Dhritarashtra. Realmente, como poderíamos ser felizes matando nossos parentes?

-          ........................

Sañjaya disse:

-          Tendo dito isso no campo de batalha, Arjuna, com sua mente dominada pelo sofrimento, sentou-se na carruagem no meio do campo de batalha, atirando para o lado seu arco e as flechas.

 

Do Conhecimento

 

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Arjuna disse:

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-          Meu ser está dominado pela fraqueza, por causa do sentimento de piedade, e minha mente está confusa a respeito do meu dever. Eu lhe suplico, diga-me com certeza o que é melhor. Eu sou seu discípulo. Instrua-me, a mim que me refugio em você.

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O Senhor Divino disse:

-          Você lamenta por aqueles pelos quais você não deveria lamentar, embora você fale sobre sabedoria. Os sábios não lamentam por aqueles que morreram ou pelos que vivem.

-          Certamente não houve um tempo em que eu surgi, nem você, nem esses poderosos. E certamente não haverá um tempo futuro em que nós todos cessemos de existir.

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-          Realmente, a pessoa que não é perturbada por isso, a pessoa excelente que permanece igual no prazer e na dor, esta se torna preparada para a imortalidade.

-          Nada surge daquilo que não existe. Aquilo que existe não cessa de existir. Aqueles que veem a verdade perceberam a natureza desses dois.

-          Saiba que aquilo que permeia tudo é indestrutível. Ninguém pode produzir a destruição desse ser imutável.

-          Diz-se que esses corpos destrutíveis pertencem àquilo que está incorporado, que é eterno, indestrutível, incompreensível. Portanto, lute.

-          Aquele que pensa que isso mata, e aquele que pensa que isso é morto, ambos desconhecem a verdade. ele nem mata nem é morto.

-          Isso nunca nasce, nem morre jamais, nem começou a existir ou cessará de existir. Isso não nasceu, é eterno, permanente, primordial. Ele não é morto quando o corpo é morto.

-          Aquele que sabe que isso é indestrutível e eterno, sem nascimento e permanente, quem tal pessoa poderia matar, ou quem ele poderia fazer morrer?

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-          Diz-se que isso é não manifesto, inconcebível, imutável. Portanto, conhecendo-o assim você não deve lamentar.

-          Mesmo se você pensar que isso nasce perpetuamente e morre perpetuamente, mesmo então, você não deve afligir-se assim.

-          Pois a morte é certa para tudo o que nasce, e o nascimento é certo para tudo o que morre. Portanto, quanto ao inevitável, você não deve afligir-se.

-          Os seres no início são não-manifestos, manifestos no meio, e não-manifestos novamente no fim.

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-          O incorporado de todos é eterno e jamais pode ser morto. Portanto, você não deve lamentar por nenhuma criatura.

-          Além disso, considerando o seu próprio dever, você não deve hesitar, pois não existe nada melhor para um guerreiro do que uma batalha prescrita pelo dever.

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-          Tudo isso lhe foi descrito pela sabedoria do conhecimento analítico. Ouça agora a sabedoria do Yoga. Se você a aceitar, você se libertará do cativeiro da ação.

-          Nesse caminho, nenhum esforço é perdido, nem ocorrem danos. Mesmo um pouco dessa instrução liberta do grande perigo.

-          Nisto existe uma convicção única, decisiva. Mas o intelecto dos indecisos possui ramificações inumeráveis.

-          As pessoas sem discernimento, que se prendem às palavras dos Vedas[15] e declaram que não existe mais nada, sua natureza é o desejo e a vontade de atingir o céu. Elas repetem essas palavras floridas que resultam em renascimento e fazem rituais que produzem frutos, procurando a satisfação e o poder.

-          A concentração fixa do intelecto e o SAMADHI[16] não se estabelecem naqueles que se dedicam à satisfação e ao poder, e cujas mentes são levadas por essas palavras [dos Vedas].

-          O tema do Veda é a ação dos três poderes. Mas você torne-se livre desses três poderes, livre das dualidades, permanecendo estável na qualidade de SATTVA[17], sem se importar com adquirir e preservar, estabelecido no EU [ÃTMÃ[18]].

-          Para um BRÃHMANA[19] que atingiu o conhecimento, os Vedas são tão úteis quanto um poço em um lugar totalmente inundado.

-          Você tem o direito à ação, mas nunca aos seus frutos. Não permita que os frutos da ação sejam o motivo. Nem permita nenhuma tendência à inação.

-          Firme no Yoga, realize suas obras, abandonando todos os apegos, tornando-se igual no sucesso e no fracasso. Pois a igualdade da mente é chamada de Yoga.

-          A ação é muito inferior ao Yoga da sabedoria. Refugie-se na sabedoria. Os que buscam os frutos são dignos de pena.

-          Aquele que unificou sua inteligência rejeita aqui tanto as coisas boas quanto as más. Portanto, devote-se a este Yoga. Yoga é a habilidade na ação.

-          Os sábios que unificam sua inteligência, renunciando aos frutos de suas ações se libertam da prisão do nascimento e atingem um estado sem sofrimento.

-          Quando seu intelecto ultrapassar as ilusões turvas, então você atingirá a indiferença em relação àquilo que foi ouvido e ao que ainda será ouvido.

-          Quando seu intelecto, que está confuso por aquilo que foi dito, permanecer imóvel e estável em SAMADHI, então você atingirá o Yoga.

Arjuna disse:

-          Como é uma pessoa de sabedoria firme, no estado de SAMADHI? Como fala uma pessoa que tem inteligência firme? Como ela se assenta? Como ela anda?

O Senhor abençoado disse:

-          Quando uma pessoa renuncia completamente a todos os desejos de sua mente, e quando ele permanece satisfeito apenas no Eu, pelo Eu, então se diz que ele tem uma sabedoria estável.

-          Aquele cuja mente não se perturba no meio de sofrimentos e que está livre do desejo ansioso pelos prazeres, aquele que foi além da paixão, do medo e da raiva, ele é chamado um sábio de inteligência firme.

-          Aquele que não se prende a nada em nenhum lugar, que nem se alegra ao receber algo de bom, nem se perturba quando recebe algo de mau, tem a sabedoria firmemente estabelecida.

-          Aquele que retrai seus sentidos dos objetos dos sentidos completamente, sua sabedoria está firmemente estabelecida.

-          Os objetos dos sentidos se afastam do incorporado que se abstém de se alimentar deles, mas o seu sabor permanece. Mesmo o sabor se afasta quando se atinge aquilo que é supremo.

-          Mesmo quando uma pessoa se esforça e tem discernimento, os sentidos impetuosos arrastam sua mente.

-          Tendo controlado todos eles, ele deve permanecer firmemente unido a mim como o supremo; pois a sabedoria daquele cujos sentidos estão sob controle se torna firma.

-          Concentrando-se nos objetos dos sentidos, ocorre um aprisionamento a eles. Do aprisionamento surge o desejo, e do desejo vem a raiva.

-          Da raiva surge a ilusão; da ilusão, falha da memória; e da falha de memória, a perda da compreensão. Pela perda de compreensão, ele perece.

-          Mas aquele que se autocontrola, que se move entre os objetos dos sentidos sob controle e livre da atração e aversão, ele atinge a tranquilidade.

-          Quando é atingida essa tranquilidade, todos os sofrimentos chegam ao fim; para aquele que tem a mente tranquila, a sabedoria certamente se estabelece logo.

-          Para aquele que não está unificado, não pode haver sabedoria; e não pode haver meditação para aquele que não está unificado. E para aquele que não tem o poder de meditação, não existe paz. E para quem não tem paz, como pode haver felicidade?

-          Quando a mente corre atrás dos sentidos que vagueiam, ela carrega para longe a sabedoria...

-          Portanto, a sabedoria se estabelece firmemente naquele cujos sentidos são completamente retraídos dos seus objetos.

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-          Aquele que rejeita todos os desejos e age livre do sentido de posse, sem um ego, ele atinge a paz

-          Este é o estado de quem está estabelecido em Brahman[20]. Depois de atingi-lo, ninguém se ilude mais. Atinge-se a unidade com Brahman, mantendo esse estado no final da vida.

 

Da Ação

 

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-          Diga-me com certeza aquilo através do qual eu posso atingir o bem supremo.

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-          Uma pessoa não atinge a libertação da ação deixando de agir, e ela não atinge sua perfeição meramente pela renúncia.

-          Pois ninguém pode permanecer sequer um momento sem agir; todos agem compulsivamente pelos poderes que nascem da natureza.

-          Aquele que restringe seus órgãos de ação, mas continua em sua mente a se alimentar dos objetos dos sentidos, esse, cuja mente está iludida, é chamado de hipócrita.

-          Mas aquele que controla os sentidos pela mente, e sem estar prisioneiro se empenha no caminho das obras, esse é o superior.

-          Realize o trabalho que lhe é destinado, pois a ação é superior à inação. A própria manutenção do corpo não seria possível sem a ação.

-          A não ser que a pessoa realize as ações como sacrifício sagrado, elas o aprisionam. Portanto, realize suas ações como um sacrifício, libertando-se de todo aprisionamento.

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-          Aquele que não ajuda a girar a roda que foi assim colocada em movimento, possui uma vida de pecado e concede prazeres a si próprio, vive em vão.

-          Mas o homem que se alegra apenas no EU e que se satisfaz com o Eu, que se contenta apenas com o EU – para ele, não existe nenhuma ação que ele precise fazer.

-          De modo semelhante, neste mundo ele não tem nenhum interesse pelo resultado das ações que ele fez, nem se preocupa com aquelas que seriam ganhas por aquilo que ele não fez. Ele não depende de nenhum ser para nenhum propósito.

-          Portanto, permanecendo livre, sempre realize a ação que deve ser feita, pois uma pessoa atinge o mais elevado realizando seu dever sem se prender à ação.

-          Você também deve realizar seu dever para evitar que o mundo se extravie.

-          Seja o que for que um homem superior faça, outros farão também o mesmo. Seja o que for que ele estabeleça como padrão, os outros seguirão.

-          Para mim, não existe nenhum dever que eu deva realizar nesse mundo, não há nada para realizar ou que não tenha sido obtido. No entanto eu permaneço em atividade.

-          Porque se eu não continuasse em ação constante, os homens seguiriam meu caminho de muitos modos.

-          Se eu cessasse de realizar ações, estes mundos se arruinariam, e eu me tornaria o criador da confusão [mistura de castas] e destruiria os seres.

-          Assim como os ignorantes agem aprisionados a suas obras, da mesma forma os sábios também devem agir, sem aprisionamento, pelo desejo de manter a ordem do mundo.

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-          Todas as ações são feitas pelos poderes da natureza, mas aquele que está iludido pelo ego pensa: “Sou eu quem faz”.

-          Porém, aquele que conhece a verdade sobre a diferença entre os poderes e as ações não fica preso, pois ele pensa: “Os poderes agem sobre os poderes.”

-          Aqueles que são enganados pelos poderes da natureza se prendem às obras que eles produzem. Mas aquele que sabe tudo não deve perturbar as mentes ignorantes, que apenas conhecem uma parte.

-          Renunciando a mim todas as ações e com a consciência fixa no Eu supremo, livre do desejo e do ego, lute, livre da febre mental.

-          Aqueles que, cheios de fé e livres de sofismas, seguem constantemente esse meu ensinamento, eles também se libertam das ações.

-          Mas aqueles que desprezam meu ensinamento e não o seguem, saiba que eles são cegos, destituídos de sabedoria, e que estão perdidos e arruinados.

-          Mesmo um sábio age de acordo com sua própria natureza. Os seres seguem sua natureza. O que poderia ser obtido pela repressão?

-          A atração e a repulsa se fixam nos objetos dos sentidos. Não se deve cair sob o domínio desses dois, porque eles são seus adversários.

-          O seu próprio dever, embora defeituoso, é superior ao dever de um outro, mesmo bem realizado. É melhor morrer na realização de seu próprio dever. Seguir o dever de um outro é perigoso.

 

Da Sabedoria

 

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-          Aquele que conhece verdadeiramente o meu divino nascimento e minhas ações, não renasce novamente após abandonar o corpo. Ele vem a mim.

-          Livre das paixões, do medo e da raiva, aqueles que se absorveram em mim, que se refugiaram em mim, purificados pela austeridade da sabedoria, atingiram meu estado de existência.

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-          Os que desejam os frutos de suas ações oferecem sacrifícios às divindades. Neste mundo dos homens, o resultado das ações vem rapidamente.

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-          As ações não me mancham; eu não anseio pelos seus frutos. Aquele que me conhece assim não é aprisionado pelas ações.

-          Sabendo isso, os homens antigos que procuravam a libertação também realizaram ações. Portanto, realize você também sua ação como foi realizado antes pelos antigos.

-          Mesmo os sábios se confundem sobre o que é ação e o que é inação. Eu lhe direi o que é ação, e com essa sabedoria você se libertará do mal.

-          Existe algo que deve ser conhecido sobre a ação, e também algo que deve ser conhecido sobre a ação errônea, e algo que deve ser conhecido sobre a inação. É difícil compreender a natureza da ação.

-          Aquele que vê a inação na ação, e a ação na inação é um sábio entre os homens. Ele é um yogue e realizou tudo.

-          Uma pessoa livre de desejos, cujas ações foram queimadas no fogo da sabedoria, é chamado de sábio pelos que sabem.

-          Tendo abandonado a fixação aos frutos da ação, permanecendo sempre contente e não dependendo de nada, ele não faz nada, embora esteja sempre empenhado na ação.

-          Aquele que está livre de desejos, cuja mente e sentidos estão sob controle, que renunciou a todas as posses, e que realiza as ações apenas pelo corpo, não comete erros.

-          Satisfazendo-se com aquilo que lhe vem sem ser desejado, aquele que não é afetado pelos pares de opostos e que está livre da inveja, que permanece o mesmo no sucesso e no fracasso, não é aprisionado pelo KARMA.

-          Todas as ações se dissolvem completamente para uma pessoa que está livre de desejos, cuja mente está fixada na sabedoria, e que realiza as ações como um sacrifício.

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-          A sabedoria é considerada superior a qualquer sacrifício material, pois o coroamento de todas as obras, sem exceção, é a sabedoria.

-          Aprenda isso por reverência humilde, por pesquisa e por serviço. Os videntes que atingiram a sabedoria lhe transmitirão a sabedoria.

-          Depois de conhecer isso, você não será novamente iludido. Com este conhecimento você verá todos os seres, sem exceção, dentro do Eu, e também em mim.

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-          Não há nada aqui comparável à pureza da sabedoria. Aquele que se aperfeiçoou pelo Yoga encontra aquilo por si mesmo, depois de um tempo, dentro de si.

-          O homem que tem fé, que se dedica e que controlou seus sentidos atinge a sabedoria e, tendo obtido a sabedoria, atinge rapidamente a paz suprema.

-          Mas aquele que é ignorante e que não tem fé, que tem uma mente que duvida, perece. Para a mente que duvida, não existe felicidade nem neste mundo nem no outro.

-          As ações não prendem aquele que renunciou às ações pelo Yoga, que destruiu todas as dúvidas pela sabedoria e que não se distrai.

-          Portanto, tendo cortado com a espada da sabedoria esta dúvida em seu coração nascida da ignorância, recorra ao Yoga e erga-se.

 

Da Renúncia à Ação

 

-          Você elogiou a renúncia às ações e também as ações. Diga-me com certeza qual dos dois é o melhor Yoga.

-          Tanto a renúncia das ações quanto o Yoga das ações levam à libertação. Dentre os dois, Karma Yoga é superior à renúncia às ações.

-          Aquele que nem odeia nem deseja deve ser conhecido como aquele que tem um espírito de renúncia. Livre das dualidades, ele se liberta facilmente do aprisionamento.

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-          Mas a renúncia é difícil de atingir pelos yogues. O pensador que pratica Yoga atinge Brahman rapidamente.

-          Aquele que dominou o Yoga, que se purificou, que se controla e que conquistou os sentidos, cujo Eu se torna o EU de todos os seres – ele realmente não se mancha mesmo enquanto realiza ações.

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-          Aquele que age tendo desistido do apego, dedicando suas ações a Brahman, ele não é manchado pelo pecado, assim como uma folha de lótus não é molhada pela água.

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-          Aquele que se unificou atinge a paz que vem da firmeza, abandonando a ligação aos frutos das obras. Mas aquele que não se unificou é impelido pelo desejo e se liga ao fruto da ação, e assim fica preso.

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-          Aquele que permeia tudo não participa do pecado ou do mérito de ninguém. A sabedoria está envolta pela ignorância. Por isso as criaturas vivas se iludem.

-          Mas para aqueles em quem a ignorância é destruída pelo conhecimento do EU, para eles a sabedoria ilumina a suprema realidade, como um Sol.

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-          O renascimento é superado mesmo aqui por aqueles cuja mente se estabelece firmemente na igualdade. Brahman é o mesmo em tudo, e desprovido de defeitos. Portanto, todos estão estabelecidos em Brahman.

-          Um conhecedor de Brahman, que está estabelecido em Brahman, que tem seu intelecto firme e não é iludido, ele não se alegra ao obter o que é agradável nem se aborrece ao obter o que é desagradável.

-          Com seu coração desligado dos objetos externos, ele obtém a felicidade que está no Eu. Com absorvido em Brahman, com seu EU unido ele adquire uma felicidade que não se desvanece.

-          Todos os prazeres que nascem do contato com objetos são apenas fonte de sofrimento, eles possuem um início e um fim. Nenhum sábio se delicia com eles.

-          Aquele que é capaz de resistir ao impulso que vem do desejo e da raiva, aqui, antes de abandonar o seu corpo, ele conseguiu a união, ele é uma pessoa feliz.

-          Aquele que encontra sua felicidade interna, sua atividade interna, e que tem sua luz interna, esse yogue se torna Brahman e atinge a libertação em Brahman.

-          Os videntes cujos pecados foram destruídos, que se libertaram das dualidades, que se dedicam à autorrealização e que se dedicam a fazer o bem a todas as criaturas, atingem a libertação em Brahman.

-          Os que controlam seu órgão interno, que se libertaram do desejo e da raiva e que conhecem o EU, atingem a libertação em Brahman rapidamente.

-          Mantendo fora todos os objetos externos, fixando a visão entre as sobrancelhas, igualando a inspiração e a expiração que se movem pelas narinas, o sábio que obteve controle sobre os sentidos, a mente e o intelecto, que se concentra na libertação, que abandonou o desejo, o medo e a raiva, ele que sempre se mantém assim é certamente libertado.

-          E ele atinge a paz tendo conhecido a mim, que sou o grande Senhor de todos os mundos, o amigo de todos os seres, como aquele que desfruta os sacrifícios e as austeridades.

 

Da Meditação

 

-          Aquele que realiza seu dever, sem procurar o fruto de sua ação, ele é o renunciante, ele é o yogue...

-          A renúncia é o mesmo que Yoga. Porque ninguém se torna um yogue sem ter renunciado aos resultados da ação.

-          Para o sábio que deseja atingir o Yoga, a ação é considerada como meio. Quando ele atingi o Yoga, a cessação é considerada como um meio.

-          Diz-se que uma pessoa atingiu o Yoga quando não se prende às ações ou aos objetos dos sentidos e desistiu de todos os objetivos.

-          ......

-          Para aquele que conquistou seu Eu pelo Eu, seu Eu é um amigo, mas para aquele que não conquistou seu Eu, seu Eu age como um inimigo.

-          Para aquele que conquistou seu Eu e atingiu a tranquilidade do autodomínio, seu supremo Eu se manifesta....

-          Aquele cuja mente se satisfaz com a sabedoria e com a realização, que é imutável e que controla seus sentidos, para quem um torrão de terra, uma pedra e um pedaço de ouro são o mesmo, este yogue atingiu a unificação.

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-          O yogue deve concentrar-se constantemente no Eu, permanecendo em um lugar isolado, solitário, com a mente controlada, livre de desejos e livre de sentimento de posse.

-          Ele deve colocar seu assento firmemente em um lugar puro, nem muito elevado nem muito baixo, coberto de grama, uma pele de cervo e tecido, um sobre o outro.

-          Assentando-se sobre esse assento, ele deve praticar o yoga para purificar-se, e concentrar sua mente em um ponto, e mantendo as atividades da mente e dos sentidos sob controle.

-          Mantendo o corpo, a cabeça e o pescoço eretos e parados, olhando fixamente para a ponta do próprio nariz, sem olhar em volta.

-          Com o Eu sem agitação, livre do medo, ele deve permanecer firme no voto de um estudante religioso, sentado com sua mente fixa em mim, controlando-a pela concentração, tendo a mim como última meta.

-          Dominando-se assim, o yogue que controlou sua mente atinge a paz que culmina com a libertação suprema que reside em mim.

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-          Quando a mente disciplinada se estabeleceu apenas no Eu, liberta de todos os desejos, então se diz que ela está unida.

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-          Quando a mente, controlada pela prática do Yoga, se retrai, e quando por ver apenas o Eu, permanece contente com o Eu sozinho;

-          Quando se tem a vivência daquela felicidade absoluta que pode ser intuída pelo intelecto e que está além dos sentidos e, estando estabelecido nisso, essa pessoa não se afasta mais da realidade.

-          E tendo obtido isso, não se pensa na aquisição de qualquer outra coisa superior, e estando estabelecido nisso, não se perturba mesmo pelo maior sofrimento.

-          Deve-se saber que esse rompimento do contato com o sofrimento é conhecido como sabedoria do Yoga. Esse Yoga deve ser praticado com determinação, sem desânimo.

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-          A felicidade suprema vem apenas ao yogue cuja mente se tornou tranquila, cuja paixão foi acalmada, que se identificou com Brahman e que está livre de manchas.

-          Concentrando-se assim constantemente a sua mente, o yogue sem máculas atinge a felicidade absoluta do contato com Brahman.

-          Aquele que tem seu Eu unificado pelo Yoga vê a mesma coisa em todos os lugares. Ele vê o Eu residindo em todos os seres, e todos os seres no Eu.

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-          Considera-se como sendo o melhor yogue aquele que vê o seu Eu em todos os seres, e que considera as dores e os prazeres dos outros como iguais.

-          Você falou sobre esse Yoga, mas eu não percebo sua possibilidade, nem sua estabilidade, por causa da falta de repouso.

-          Porque a mente é muito instável, turbulenta, forte e obstinada. Eu penso que ela é difícil de controlar ...

-          Sem dívida, a mente é inquieta e difícil de controlar. Porém, ela pode ser controlada, pela perseverança na prática e pelo desprendimento.

-          O Yoga é difícil de obter para aquele que não possui autocontrole. No entanto, ...

-          ............

-          ... o yogue que se esforça com perseverança, purificando-se das impurezas e aperfeiçoando-se através de muitas vidas, atinge a perfeição e o objetivo mais elevado.

-          O yogue é superior ao asceta[21]; ele é considerado superior até do que os homens de conhecimento, superior aos homens que realizam rituais. Portanto, torne-se um yogue.

-          De todos os yogues, aquele que me cultua, com fé e com sua mente fixa no Eu, ele é considerado o melhor dos yogues.

 

Do Conhecimento com Realização

 

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-          Minha natureza se divide em oito partes: terra, água, fogo, ar, éter, mente, intelecto e ego.

-          Esta é minha natureza inferior. Conheça a minha outra natureza superior, que é isto pelo qual todos os seres vivos dessa criação são sustentados.

-          Saiba que essas duas são a fonte de nascimento de todos os seres. Eu sou a origem e também a destruição de todo o universo.

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-          Eu sou o sabor na água, eu sou a luz da Lua e do Sol. Eu sou a sílaba sagrada em todos os Vedas; eu sou a vibração no éter e a virilidade nos homens.

-          Eu sou a fragrância original da terra e o brilho no fogo. Eu sou a vida em todos os seres. Eu sou a austeridade nos ascetas.

-          Saiba que eu sou a semente eterna de todos os seres. Eu sou o intelecto do inteligente, sou o esplendor do esplêndido.

-          Sou a força do forte que é desprovido de apego e de paixão. Nos seres eu sou o desejo que não se opõe ao dever.

-          Todas as coisas, sejam elas constituídas pela luz, pela violência ou pelas trevas, saiba que elas todas brotam de mim.

-          Todo este universo, iludido pela magia dos três poderes da natureza não me reconhece, a mim que sou o supremo e que sou imperecível.

-          Esta minha divina magia dos poderes é difícil de ser superada. Apenas os que se refugiam em mim atravessam essa magia.

-          Os tolos malfeitores, baixos na escala humana, cujas mentes são privadas da sabedoria pela magia, e que percorrem caminhos demoníacos, não se refugiam em mim.

-          Os virtuosos que me cultuam são de quatro tipos: os que sofrem, os que buscam o conhecimento, os que procuram riquezas, e o homem sábio.

-          Deles, o sábio, que está sempre unido, concentrando em devoção, é o melhor. Pois que sou muito valioso para ele, e ele me é muito caro.

-          ...........

-          Mas aqueles cujo conhecimento é distorcido pelos desejos, recorrem a outras divindades, seguindo as suas regras, guiados por sua própria natureza.

-          Seja qual for a forma que um devoto queira cultuar com fé, eu torno sua fé forte e firma.

-          Imbuído por aquela fé, ele se une àquela forma, e obtém os resultados dos seus desejos, que são concedidos apenas por mim.

-          Mas os frutos obtidos por essas pessoas de mentes pequenas são limitados. Os que cultuam as divindades atingem os Devas[22], mas os meus devotos vêm a mim.

-          As pessoas sem compreensão, que não conhecem minha natureza mais elevada imutável e suprema, pensam em mim, que sou não manifestado, como sendo manifestado.

-          Encoberto pela minha magia eu não me revelo a todos. Este mundo iludido não me conhece, eu que sou não-nascido e imutável.

-          Eu conheço igualmente os seres do passado, do presente e do futuro: mas nenhum me conhece.

-          Todas as criaturas se iludem pela dualidade que provém do desejo e da aversão.

-          Mas as pessoas que realizam ações virtuosas, nas quais o pecado chegou ao fim, eles, libertando-se da ilusão da dualidade e firmes em suas convicções, me cultuam.

-          Aqueles que se refugiam em mim e se esforçam para se libertar da velhice e da morte, eles conhecem Brahman, o Eu mais elevado e tudo sobre as ações.

-          Aqueles que me conhecem como o ser supremo e o DEVA supremo, e também em todos os sacrifícios, eles que possuem suas mentes unidas me conhecem no próprio momento de sua morte.

 

Do Brahman Supremo

 

-          O que é aquele Brahman[23]? O que é o EU superior? O que é a ação[24]? O que são os seres materiais? E o que são os Devas?

-          Quem é o senhor do sacrifício e como ele vive neste corpo? E como aqueles que possuem autocontrole podem conhece-Lo no momento da morte?

-          O supremo Brahman é o imutável. Sua natureza eterna é chamada de Eu supremo. O Karma é o poder que gera a existência dos seres.

-          A natureza física é aquilo que muda constantemente. A base dos DEVAS é a Pessoa. E eu próprio sou aquele que existe em todos os sacrifícios, incorporado neste corpo.

-          Aquele que pensa apenas em mim no momento da morte, ao entregar seu corpo, ele atinge o meu estado. Não há dúvidas sobre isso.

-          Se alguém pensa em qualquer natureza no fim de sua vida, ao deixar o corpo, ele atinge esse objetivo.

-          Portanto, pense em mim sempre, e lute. Quando sua mente e intelecto estiverem estabelecidos em mim, você sem dúvida virá até mim.

-          Aquele que dirige seu pensamento para uma prática constante de Yoga e que não se desvia para nenhuma outra coisa, ele atinge a Pessoa suprema e divina.

-          Aquele que medita sobre o Vidente, o Antigo, o Legislador, menor do que o indivisível, aquele que sustenta tudo, cuja forma é inconcebível, brilhante como o Sol, além de todas as trevas.

-          Aquele que faz isso, no momento de sua morte, com uma mente fixa, com devoção e com o poder do Yoga, fixando sua força vital no ponto entre as sobrancelhas, ele atinge essa Pessoa suprema divina.

-          Eu descreverei brevemente aquele objetivo que os que conhecem os Vedas chama de imperecível, que é atingido pelos ascetas livres de paixão, e por cuja aspiração as pessoas praticam uma vida de autocontrole.

-          Tendo controlado todas as portas do corpo, tendo confinado a mente dentro do coração, e tendo fixado sai força vital na cabeça, estabelecido em concentração pelo YOGA;

-          aquele que pronuncia a sílaba OM ou AUM[25], que é o Brahman indestrutível, pensando em mim quando parte [desta vida], ele atinge o objetivo supremo.

-          Eu sou fácil de atingir para aquele yogue disciplinado que se lembra constantemente de mim, sem pensar em mais nada.

-          Vindo a mim, estas grandes almas não voltam ao renascimento, ao lugar de sofrimento e impermanência, pois eles atingiram a perfeição completa da meta mais elevada.

-          Todos os mundos, do mundo de Brahman para baixo, estão sujeitos ao retorno. Porém, não há renascimento depois de me atingir.

-          ...........

-          Eu agora lhe falarei sobre o tempo em que os yogues, ao partirem, não retornam, e também sobre quando eles retornam depois de partir.

-          Fogo, luz, dia, quinzena clara, os seis meses do caminho setentrional do Sol – seguindo esse caminho quando morrem, as pessoas que conhecem Brahman atingem Brahman.

-          Fumaça, noite, a metade escura do mês, os seis meses do caminho meridional do Sol – seguindo esse caminho, os yogues retornam, depois de atingir a luz da Lua.

-          Esses dois caminhos do mundo, luz e trevas, são descritos pelas escrituras. Por um deles, ele não retorna, pelo outro ele retorna de novo.

-          O yogue que conhece esses caminhos nunca se ilude. Portanto, seja firma no Yoga em todos os tempos.

-          Tendo conhecido isso, o yogue ultrapassa os frutos das ações meritórias declaradas em relação ao estudo dos Vedas, sacrifícios, austeridades e presentes, e ele atinge o estado supremo primordial.

 

Do Conhecimento e Segredo Reais

 

-          Como você não é dado a sofismas, Eu[26] declararei o segredo mais elevado, que é a sabedoria combinada com a realização. Conhecendo-o você será libertado do sofrimento.

-          Este é o conhecimento real, o segredo real, o melhor santificador, conhecido por experiência direta, de acordo com a lei, muito fácil de praticar e imperecível.

-          As pessoas que não dão valor a este caminho não me atingem e dão voltas, retornando ao caminho da morte.

-          ......

-          Os ignorantes me desprezam vestido em um corpo humano, sem conhecer minha natureza mais elevada, como o Senhor supremo de todos os seres.

-          Partilhando da natureza enganadora dos espíritos malignos e dos demônios, suas esperanças são vãs, suas ações são vãs, seu conhecimento é vão e eles estão vazios de sentido.

-          Os nobres, que possuem natureza divina, certamente me cultuam sem se distrair, conhecendo-me como fonte imperecível de todos os seres.

-          Sempre cantando minha glória e esforçando-se, as pessoas que são firmes nos seus votos me cultuam, me obedecem e estão sempre cheios de devoção.

-          Outros me cultuam e oferecem o sacrifício da sabedoria vendo a unidade na dualidade e na diversidade que tem muitas formas.

-          ........

-          Os que conhecem os três Vedas, bebem o Soma[27] e estão puros do pecado, seguem o caminho celeste cultuando-me por sacrifícios. Eles atingem o mundo de Indra[28] e desfrutam no céu os prazeres das divindades.

-          Depois de desfrutar desse vasto mundo celeste, eles entram no mundo dos mortais, quando seu mérito se exauriu. Assim, os que seguem os deveres dos três Vedas e que desejam prazeres, obtêm o mutável.

-          Mas os que se unem a mim, meditam em mim, e sempre me cultuam, para estes eu preservo o que eles possuem e lhes garanto a obtenção do que eles não têm.

-          ........

-          Pois eu sou...o Senhor de todos os sacrifícios. Mas aqueles que não me conhecem em minha realidade, caem.

-          Os que cultuam as divindades chegam até as divindades, os que cultuam os antepassados vão até os antepassados, os que cultuam os outros seres vão até os outros seres, e os que me cultuam vêm até mim.

-          Seja quem for que me ofereça com devoção uma folha, uma flor, um fruto, ou água, eu aceito essa oferenda que foi apresentada com devoção por uma pessoa pura.

-          Seja o que for que você faça, seja o que for que você coma, seja o que for que você ofereça como sacrifício, ou que você doe, sejam quais forem a austeridade que você pratique – faça isso, como uma oferenda a mim.

-          Assim você se libertará das amarras das ações que produzem resultados bons ou maus. Estando estabelecido firmemente na Yoga da renúncia, você se tornará livre e chegará até mim.

-          Eu tenho a mesma atitude em relação a todos os seres. Nenhum me é detestável ou amado. Mas aqueles que me cultuam com devoção estão em mim e eu também neles.

-          Mesmo uma pessoa que faz as ações mais abomináveis, se ela me cultua com uma devoção concentrada, ela deve ser considerada como um santo, pois tomou a decisão certa.

-          Ele logo se torna virtuoso e obtém a paz duradoura. Saiba com certeza que os meus devotos nunca são destruídos.

-          Os que se refugiam em mim, mesmo se nascerem inferiores – mulheres, mercadores e também serviçais – eles também atingem a meta mais elevada.

-          Muito mais, então, os santos brâhmanas[29] e os sábios governantes devotos. Tendo entrado neste mundo efêmero e de sofrimento, você pode me cultuar.

-          Fixe sua mente em mim, devote-se a mim, sacrifique-se a mim, reverencie-me. Concentrando sua mente e aceitando-me como o objetivo supremo, você certamente me atingirá.

 

Da Manifestação

 

O Senhor Divino disse:

-          ............

-          Aquele que me conhece como não nascido, sem início, o Senhor supremo dos mundos, esse mortal sem dúvida se liberta de todos os pecados.

-          Inteligência, sabedoria, libertação da ilusão, perdão, verdade, autocontrole, controle, felicidade e sofrimento, nascimento e morte, medo e coragem;

-          Não-violência, igualdade da mente, satisfação, austeridade, caridade, honra e desonra – tudo isso são diferentes estados dos seres, que brotam apenas de mim.

-          .............

-          Aquele que me conhece realmente este meu Yoga e manifestação, ele se une por um Yoga que não falha. Não há dúvidas sobre isso.

-          .............

-          Com suas mentes fixas em mim, suas vidas totalmente dedicadas a mim, iluminando-se uns aos outros e sempre conversando comigo, eles se satisfazem e alegram.

-          ..............

-          Por compaixão para com eles, eu resido dentro deles e destruo as trevas que nascem da ignorância pela lâmpada brilhante da sabedoria.

Arjuna[30] disse:

-          ..............

-          Conte-me todas as suas manifestações divinas, sem exceção: onde você reside, permeando esses mundos.

-          Como eu posso conhecê-lo pelo pensamento? Sob que aspectos sua natureza deve ser conhecida?

-          Conte-me de novo em detalhe sobre seu Yoga e manifestações, pois eu não me canso de ouvir suas palavras a bebida da imortalidade.

O Senhor Divino disse:

-          Eu lhe direi apenas quais são as mais importantes das minhas manifestações divinas, pois não há um limite para meu poder.

-          Eu sou o Eu que está dentro de todos os seres. Eu sou certamente o início, o meio e o fim de todos os seres.

-          ................

-          ............... Eu sou a consciência nas criaturas.

-          .................

-          ............... Entre as vibrações, eu sou o uno imutável [Om[31]]..............

-          .................

-          Eu sou certamente o início, o fim e o meio das criações. Eu sou o conhecimento do Eu supremo, entre os conhecimentos. Daqueles que debatem, eu sou o argumento lógico.

-          ................ Sou o criador cuja face está virada para todos os lados.

-          ................ Eu sou a origem das coisas que ainda vão surgir..............

-          ................ Eu sou a vitória, eu sou o esforço, eu sou a luz daquilo que é luminoso.

-          ................ Entre os segredos eu sou o silêncio. Entre os sábios, eu sou a sabedoria.

-          Eu sou a semente de todos os seres. Não há nada que se mova ou que não se mova que possa existir sem mim.

-          Não há um limite para minhas manifestações divinas. O que eu descrevi é apenas uma amostra de minhas manifestações.

-          Saiba que tudo o que tiver poder, beleza e glória, brotou de um fragmento de meu esplendor.

-          Que necessidade existe desse conhecimento detalhado? Eu sustento todo este universo com uma pequena parte de mim.

 

Da Visão da Forma Universal

 

Arjuna[32] disse:

-          Minha confusão foi embora, graças a este discurso sobre o Eu com que você me beneficiou, que é um segredo supremo.

-          ...............

-          Você é como declarou. Mas eu desejo ver a sua forma poderosa.

-          Se você acha que eu posso vê-la, revele-me seu Eu eterno.

O Senhor Divino disse:

-          Contemple a minha forma que tem cem aspectos, mil variedade, que é divina, que tem muitas formas e cores.

-          .................

-          Mas você não é capaz de me ver com seus próprios olhos. Eu lhe dou o olho divino. Contemple meu Yoga poderoso.

Sãnjaya[33] disse:

-          Tendo falado assim, revelou então sua forma suprema e divina.

-          .................

-          Então, Arjuna ficou maravilhado e inclinou sua cabeça para baixo, saudando o Senhor com as duas mãos juntas.

Arjuna disse

-          Eu vejo no seu corpo todos os devas e as diversas multidões de seres...

-          Eu vejo com forma infinita para todos os lados .............. No entanto, eu não vejo seu fim, nem seu início, nem o meio.

-          ................

-          Você é o imutável, o Supremo que precisa ser conhecido. Você é o suporte final desse universo. Você é o guardião imortal da lei eterna. Você é a pessoa eterna. Eu creio.

-          .................

-          Devorando todas as criaturas, por todos os lados, com suas bocas flamejantes, você lambe os lábios. Seus raios de fogo ardente preenchem totalmente este universo.

-          Diga-me que você é, com essa forma tão terrível! Eu o saúdo. Seja bondoso. Eu desejo conhecê-lo, pois eu não compreendo suas ações.

O Senhor Divino disse:

-          Eu sou o tempo, o destruidor do mundo, que amadureci e que agora estou empenhado em aniquilar as criaturas.............

-          Portanto, erga-se e obtenha a glória.................

-          ................. Não tenha medo. Lute. Você vencerá os inimigos na batalha.

Sãnjaya disse:

-          .................

Arjuna disse:

-          É correto que o mundo se alegre e seja atraído para glorificá-lo ..............

-          E por que não deveriam se inclinar em sua homenagem! ............

-          Você é o primeiro dos devas, a pessoa primordial, o supremo lugar de repouso deste mundo. Você é aquele que conhece e também aquilo que deve ser conhecido, e o objetivo supremo. Todo o universo é permeado por você, que tem infinitas formas.

-          ................ Saudação, saudação a você, mil vezes. Saudação a você, muitas vezes. Saudação!

-          Saudação a você na frente [no Leste] a atrás [Oeste]. Saudação a você em todos os lados! Você possui um poder ilimitado e uma força infinita. Você penetra tudo e, portanto, é tudo.

-          Por qualquer coisa que eu tenha lhe falado de modo desrespeitoso ...............;

-          e por qualquer desrespeito que eu tenha mostrado por você em brincadeiras ................... eu lhe suplico perdão.

-          Você é o pai de todos os seres daqui................. Você é o objeto de culto e o maior mestre. .................

-          Portanto, inclinando-me e prosternando meu corpo diante de você, eu procuro sua graça...............

-          ...................Mostre-me a sua outra forma, e seja bondoso para comigo!

-          ..................

O Senhor Divino disse:

-          Por meu favor, pelo poder do meu próprio Yoga, eu lhe mostrei essa forma suprema, luminosa, cósmica, infinita e primordial que ninguém viu antes de você.

-          Eu não posso ser visto nesta forma no mundo dos homens por qualquer outra pessoa além de você ............

-          Não fique com medo, não se confunda vendo essa minha forma terrível. Liberto do medo e com o coração alegre, contemple novamente essa minha outra forma.

Arjuna disse:

-          Vendo novamente esta sua forma humana bondosa, minha mente se tornou calma e retornei à minha própria natureza.

O Senhor Divino disse:

-          Você viu essa minha forma que é realmente muito difícil de ver...................

-          Eu não posso ser visto na forma em que você me viu .......................

-          Porém, através da uma devoção a mim que não vacila, eu posso ser conhecido e penetrado nessa forma.

-          Aquele que realiza obras para mim, que me aceita como seu objetivo supremo, que me cultua, livre de prisões, que se libertou da inimizade em relação a todas as criaturas, ele atinge a mim.

 

Da Devoção

 

Arjuna disse:

-          Quais são os melhores praticantes de Yoga: aqueles devotos que se dedicam sempre a meditar sobre você, ou aqueles que meditam sobre o imutável, o não-manifesto?

O Senhor Divino disse:

-          Eu considero como yogues mais perfeitos aqueles que, fixando em mim suas mentes, meditam sobre mim com devoção firme e possuem a fé suprema.

-          Mas aqueles que meditam sobre o imutável, o indefinível, o não-manifesto, o onipresente, o impensável, o imóvel, o constante,

-          restringindo todos os sentidos, mantendo-se sempre equilibrados, dedicados ao bem de todos os seres, eles realmente vêm a mim.

-          Para aqueles que voltam seu pensamento para o não-manifesto, o esforço é maior, pois o fim do não-manifesto é difícil de atingir pelos seres incorporados.

-          Mas aqueles que, dedicando a mim todas as suas ações, meditam em mim e me cultuam como o supremo, com uma concentração que não oscila,

-          aqueles cujos pensamentos estão colocados em mim, eu os livro sem demora do oceano dessa existência que está associada à morte.

-          Fixe sua mente apenas em mim, deixe que seu intelecto resida em mim. Você viverá apenas em mim, sem dúvida.

-          Se, no entanto, você não for capaz de manter sua mente fixa constantemente em mim, então, tente atingir-me pela prática da concentração.

-          Se você for incapaz de atingir-me mesmo por essa prática, então pratique suas ações para mim. Realizando as ações por mim, você também atingirá a perfeição.

-          Se você não é capaz de fazer nem isso, então, entregando-se ao meu Yoga, renuncie aos resultados de todas as ações, controlando sua mente.

-          O conhecimento é realmente superior à prática; a meditação é melhor do que o conhecimento; a renúncia ao resultado das ações é melhor do que a meditação. Pela renúncia, segue-se imediatamente a paz.

-          Aquele que não odeia nenhuma criatura, que é amigável e compassiva, livre de egoísmo e de sentido do eu, que é o mesmo no sofrimento e no prazer, que perdoa,

-          aquele que é um Yogue que está sempre satisfeito, autocontrolado, com determinação inabalável, com a mente e intelecto dedicados a mim – esse que é meu devoto me é caro.

-          Aquele de quem o mundo não foge e que não foge do mundo e que está livre da alegria, raiva, medo e impaciência, também me é caro.

-          Aquele que não tem expectativas, que é puro, hábil na ação, imparcial, livre de perturbações, que desistiu de toda iniciativa – esse que é meu devoto me é caro.

-          Aquele que nem se alegra nem odeia, não lamenta nem deseja, e que renunciou ao bem e ao mal, esse que é meu devoto me é caro.

-          Aquele que é o mesmo para o inimigo e o amigo, e também na honra e na desonra, que é o mesmo ........... no prazer e na dor, e que está livre de ligações por qualquer coisa,

-          aquele para quem crítica e elogio são iguais, que é silencioso, contentando-se com qualquer coisa, .................., cuja mente é firme e que é devotado a mim, me é caro.

-          Mas aqueles devotos que me aceitam como seu fim supremo e seguem com fé esta sabedoria imortal, esses me são muito, muito caros.

 

Da Distinção entre o Campo e o Conhecedor do Campo

 

Arjuna disse:

-          Eu gostaria de conhecer a natureza e a pessoa, o campo e o conhecedor, o conhecimento e o objeto do conhecimento.

O Senhor Divino disse:

-          Este corpo é chamado de campo. Os que sabem, chamam aquele que está consciente dele de conhecedor do campo.

-          ........................

-          Ouça de mim, rapidamente, o que é o campo, qual é sua natureza, quais suas modificações, de onde ele vem, e quem ele [o conhecedor] é, e quais são os seus poderes.

-          ........................

-          Os [cinco] elementos grosseiros, o órgão do eu, o intelecto, e também o não-manifesto, os dez órgãos e a mente, e os cinco objetos dos sentidos;

-          desejo, repulsa, alegria, tristeza, o agregado [corpo e órgãos], inteligência, poder – em resumo, isso é o campo, juntamente com as modificações.

-          Humildade, ausência de vaidade, não-violência, perdão, firmeza, serviço ao mestre, pureza, firmeza, controle do corpo e dos órgãos;

-          indiferença em relação aos objetos dos sentidos, ausência de egoísmo, perceber o mal no nascimento, morte, velhice, doenças e sofrimento;

-          desprendimento, ausência de apego por filho, esposa, casa e coisas semelhantes, e uma mente sempre igual com relação aos acontecimentos desejáveis e indesejáveis;

-          devoção inabalável por mim, com concentração total, inclinação a lugares solitários, desgostoso de multidões;

-          constância no conhecimento do eu, visão clara do objetivo do conhecimento da verdade – isso é chamado de conhecimento, e tudo o que difere é ignorância.

-          Eu descrevi aquilo que deve ser conhecido, e por cujo conhecimento se obtém a imortalidade. É o Brahman[34] supremo, que não tem início e que nem existe nem não existe.

-          ... Ele reside nas criaturas, permeando todas elas.

-          ... Sem se ligar a nada, mas sustentando tudo, livre de poderes e, no entanto, percebendo-os.

-          Ele está fora e dentro de todos os seres...

-          ... Ele sustenta todos os seres, mas também os destrói e os cria de novo.

-          ... Ele é o conhecimento, o objeto do conhecimento e o objetivo do conhecimento. Ele está sentado no coração de todos.

-          Assim descrevi de modo breve o campo, e também o conhecimento e o objeto do conhecimento. Meus devotos que compreendem isso se tornam dignos de meu estado.

-          Saiba que tanto a natureza quanto a pessoa não possuem início; e saiba também que as modificações e os poderes nascem de Prakriti.[35]

-          ... A pessoa é a causa em relação à experiência de prazer e dor.

-          A pessoa, na natureza, compartilha das qualidades que nascem da natureza...

-          A suprema pessoa neste corpo é Aquele que é a testemunha, o permissor, o sustentáculo, aquele que experimenta, e que também é o grande senhor e o eu supremo.

-          Aquele que conhece assim a pessoa e a natureza, juntamente com as qualidades, não nascerá de novo, seja qual for o seu modo de viver.

-          Alguns percebem o eu no intelecto, pela meditação, com a ajuda do órgão interno; outros, pelo caminho do conhecimento, e outros pelo caminho das ações.

-          Outros, que não sabem isso, devotam-se após ouvir o que outros dizem. E eles também ultrapassam a morte por sua devoção àquilo que ouviram.

-          Todos os seres que se movem e os que não se movem, saiba que eles nascem pela união do campo e do conhecedor do campo.

-          Aquele que vê o senhor supremo existindo igualmente em todos os seres, e que nunca perece quando eles perecem, este realmente vê.

-          Como ele vê o senhor presente igualmente em todos os lugares, ele não fere o eu pelo eu, e assim ele atinge a meta suprema.

-          Aquele que vê que todas as ações são feitas apenas pela natureza e também que o Eu não age, este realmente vê.

-          Quando se percebe que a diversidade dos seres tem suas raízes na unidade, e que sua manifestação se origina daquilo, então ele se identifica com Brahman.

-          Este eu supremo é imutável, sem início, sem qualidades; ele não age nem é afetado, embora resida no corpo.

-          Como o éter que permeia tudo não é manchado, por ser sutil, da mesma forma o eu que está presente em todos os corpos não é manchado.

-          Assim como o Sol ilumina todo este mundo, da mesma forma o conhecedor do campo ilumina todo o campo.

-          Aqueles que percebem assim pelo olho da sabedoria a distinção entre o campo e o conhecedor do campo, e a libertação dos seres da natureza, eles atingem o supremo.

 

Da Distinção entre os Três Poderes

 

O Senhor Divino disse:

-          Eu direi novamente a sabedoria suprema, o melhor de todos os conhecimentos. Conhecendo-o, os sábios deste mundo atingiram a mais elevada perfeição.

-          Tendo recorrido a essa sabedoria e atingido a identidade comigo, eles não nascem mesmo durante a criação, nem são destruídos no tempo da dissolução.

-          ........................

-          Os três poderes, luz, paixão e trevas, nascidos da natureza, prendem no corpo o imperecível que mora no corpo.

-          Desses, a luz, sendo pura, causa iluminação e saúde. Ela prende pelo apego à felicidade e pelo apego ao conhecimento.

-          Saiba que a paixão tem a natureza da atração, surgindo do desejo e do apego. Ela prende fortemente o incorporado pelo apego às ações.

-          Mas saiba que as trevas, que iludem todos os seres incorporados, nasce da ignorância. Ela prende desenvolvendo qualidades de negligência, preguiça, sono.

-          SATTVA[36] prende a pessoa à felicidade, RAJAS[37] às ações, mas TAMAS[38], encobrindo a sabedoria, prende à preguiça.

-          SATTVA prevalece quando domina RAJAS e TAMAS. RAJAS, quando domina SATTVA e TAMAS; e TAMAS, dominando SATTVA e RAJAS.

-          Quando a luz do conhecimento se irradia neste corpo por todas as portas, então sabe-se que SATTVA aumentou.

-          Quando RAJAS aumenta, surgem avareza, movimento, ações, inquietação, desejo.

-          Quando TAMAS aumenta, surgem a ignorância, inércia, preguiça e ilusão.

-          Se o incorporado morre quando SATTVA predomina, então ele atinge os mundos imaculados daqueles que conhecem o mais elevado.

-          Se uma pessoa morre quando RAJAS predomina, ele nasce entre aqueles que estão presos à ação; e se morre quando TAMAS predomina, ele nasce como uma criatura inferior.

-          Dizem que o fruto da ação correta é puro e da natureza de SATTVA. O fruto de RAJAS é o sofrimento, e o de TAMAS é a ignorância.

-          De SATTVA nasce o conhecimento, e de RAJAS a avareza. De TAMAS nascem o descuido, a ignorância e também a ilusão.

-          Aqueles que estão estabelecidos em SATTVA sobem alto; os que são dominados por RAJAS ficam no meio; os que são controlados por TAMAS e que se dedicam às atividades inferiores, vão para baixo.

-          Quando a testemunha percebe que apenas os GUNAS[39] agem, e também conhece aquilo que está além dos GUNAS, ele atinge minha natureza.

-          Quando o incorporado sobe acima desses três poderes que brotam do corpo, ele se liberta do nascimento, da morte, da velhice e da dor, e atinge a imortalidade.

Arjuna disse:

-          Por quais sinais se pode reconhecer aquele que ultrapassou os três poderes? Qual é seu modo de vida? Como ele ultrapassa esses três poderes?

O Senhor Divino disse:

-          Aquele que não se desgosta com a luz, a atividade e a ilusão quando elas surgem, nem os deseja quando cessam;

-          Aquele que se assenta como uma pessoa indiferente, sem se perturbar pelos poderes; aquele que permanece firme e na verdade não se move, sabendo que apenas os poderes agem;

-          Aquele que considera como iguais a dor e o prazer, que está estabelecido em seu próprio EU, que vê um torrão de terra, uma pedra e um pedaço de ouro como igualmente valiosos, que permanece o mesmo entre coisas agradáveis e desagradáveis, que tem a mente firme e considera o elogio e a crítica como iguais;

-          Aquele que é o mesmo na honra e na desonra, que têm a mesma atitude para os amigos e inimigos, que renunciou a toda iniciativa de ação – diz-se que ele ultrapassou os poderes.

-          ..............................

 

Da Pessoa Suprema

 

O Senhor Divino disse:

-          A árvore imortal tem suas raízes para cima e ramos para baixo. Suas folhas são os Vedas[40]. Aquele que a conhece é um conhecedor dos Vedas.

-          Seus ramos se estendem para baixo e para cima, nutridos pelos poderes. Seus brotos são os objetos dos sentidos. As raízes, que resultam nas ações, se espalham nos mundos dos homens.

-          Sua forma real não é percebida aqui desse modo, nem seu início, nem seu fim, nem sua continuação. Tendo cortado, com a forte espada do desapego, essa árvore que está firmemente enraizada,

-          deve-se procurar aquele estado do qual, quando é atingido, ninguém retorna novamente: Eu me refugio apenas na Pessoa Primordial, da qual surgiu essa manifestação universal.

-          Aqueles que, livres do orgulho e da ilusão, conquistaram o mal do apego; que se devotam sempre ao espírito supremo, com os desejos acalmados, libertos das dualidades do prazer e da dor, e que não se iludem, atingem aquele estado eterno.

-          ........................

-          Uma parcela de mim, tornando-se uma alma eterna individual no domínio dos seres vivos, atrai para si os órgãos que residem na natureza, dos quais a mente é o sexto.

-          Quando o Senhor toma um corpo e quando o deixa, ele parte levando estes [os sentidos e a mente] ...

-          Ele desfruta dos objetos dos sentidos, utilizando a audição, a visão, o tato, o paladar, o olfato e também a mente.

-          As pessoas iludidas não o veem quando ele parte, quando permanece ou quando desfruta, mas aqueles que possuem o olho da sabedoria veem.

-          Os yogues que se esforçam também o percebem como estabelecido em si próprios. Aqueles que não têm discriminação, que não possuem autocontrole, embora se esforcem, não o encontram.

-          ........................

-          ..., eu sustento todos os seres por minha energia vital...

-          ........................

-          E estou alocado no coração de todos. A memória, o conhecimento e também sua perda dependem de mim. Eu sou realmente aquele que deve ser conhecido por todos os vedas. Eu sou também o autor do Vedanta[41] e sou também o conhecedor dos Vedas.

-          Há duas pessoas neste mundo – a mutável e a imutável. A mutável está em todos esses seres, e o poder imperecível é a imutável.

-          Mas, além desses, existe a pessoa suprema, que é chamada de Eu supremo. Ele permeia e sustenta todos os três mundos, e é o Senhor imortal.

-          Eu estou além daquilo que é mutável, e sou mais elevado do que o imutável. Eu sou a pessoa suprema que é celebrada no mundo e nos Vedas.

-          Aquele que, livre da ilusão, me conhece como a pessoa suprema, ele sabe tudo e me cultua com todo o seu ser.

-          Assim eu lhe ensinei a doutrina mais secreta, a você que não tem pecado. Conhecendo isso, uma pessoa se torna sábia e terá preenchido todas as suas obrigações.

 

Da Distinção entre os Atributos Divinos e Demoníacos

 

O Senhor Divino disse:

-          Ausência de medo, pureza da mente, persistência no conhecimento e no Yoga, caridade, autocontrole, sacrifício, estudo das escrituras, austeridade, retidão;

-          não violência, veracidade, ausência de raiva, renúncia, tranquilidade, evitar críticas falsas, compaixão por todos os seres vivos, estar livre da inveja, gentileza, modéstia, firmeza;

-          vigor, perdão, segurança, pureza, estar livre de malícia e de orgulho – estas são as características daquele que nasceu com uma natureza divina.

-          Ostentação, arrogância, vaidade, raiva, rudeza, ignorância – estas são as qualidades daquele que nasceu com uma natureza demoníaca.

-          As qualidades divinas proporcionam a libertação, e as demoníacas a escravidão...

-          Neste tipo de mundo há dois tipos de criaturas, os divinos e os demoníacos. Os divinos já foram descritos detalhadamente. Ouça agora de mim sobre os demoníacos.

-          Os demoníacos não conhecem o caminho da ação nem o da renúncia. Não existe neles nem pureza, nem ação correta, nem verdade.

-          Eles dizem que o mundo é irreal, sem uma base, sem um Senhor, que não surgiu de uma causa, que foi produzido pelo desejo.

-          Mantendo essa opinião, essas almas perdidas de entendimento fraco, de feitos cruéis, surgem como inimigos do mundo para destruí-lo.

-          Entregando-se a um desejo insaciável, cheios de hipocrisia, arrogantes e com orgulho excessivo, defendendo ideias erradas por causa da ilusão, eles agem com decisões impuras.

-          Obcecados por inúmeros cuidados que somente terminam com sua morte, envolvidos na gratificação de desejos como o seu fim mais elevado, sentido certeza de que isso é tudo;

-          apegados a centenas de laços do desejo, entregues ao prazer e à raiva, eles se esforçam por acumular fortunas, por meus injustos, para desfrutar de seus desejos.

-          ........................

-          Confundidos por muitos pensamentos, capturados na rede da ilusão, viciados pela gratificação de seus desejos, eles caem em um inferno imundo.

-          Cheios de vaidade, teimosos, cheios de orgulho e com a arrogância da riqueza, eles realizam sacrifícios apenas nominalmente, com ostentação e se levar em conta as regras corretas.

-          Entregues ao egoísmo, ao uso da força, da vaidade, da paixão e da raiva, essas pessoas invejosas por natureza me odeiam dentro de si próprias e nos outros.

-          .......................

-          Há três portas infernais que levam à destruição da alma: paixão, raiva e avareza. Portanto, elas devem ser abandonadas.

-          Aquele que se libertou dessas três portas das trevas faz aquilo que é bom para sua alma, e assim atinge a meta mais elevada.

-          Mas aquele que despreza os preceitos das escrituras, que age sob o impulso das paixões – ele não atinge nem a perfeição, nem a felicidade, nem a meta suprema.

-          Portanto, que as escrituras sejam sua autoridade para determinar o que deve ser feito e o que não deve ser feito. Sabendo o que é declarado pelas regras das escrituras, você deve cumprir o seu dever neste mundo.

 

Da Distinção entre os Três Tipos de Fé

 

Arjuna disse:

-          Qual é o estado daqueles que, ignorando as normas das escrituras, mas cheios de fé, oferecem sacrifícios? É SATTVA, RAJAS OU TAMAS?

O Senhor Divino disse:

-          A fé do que está incorporado é de três tipos, que nascem de sua própria natureza, tendo características de SATTVA, RAJAS OU TAMAS. Ouça agora sobre isso.

-          A fé de cada ser está de acordo com a sua natureza. O homem é da natureza de sua fé: seja qual for a fé que ele tiver, ele realmente é isso.

-          Os que possuem a natureza de SATTVA cultuam os DEVAS. Os que possuem RAJAS, os semideuses e os demônios; e os outros, que são controlados por TAMAS, cultuam os espíritos e os fantasmas.

-          As pessoas vaidosas que são impelidas pela força da paixão e do desejo, que realizam austeridades violentas, que não são prescritas pelas escrituras;

-          sendo tolas, elas torturam os órgãos no seu corpo e também a mim, que resido no corpo. Saiba que elas possuem uma fé demoníaca.

-          Mesmo o alimento, de que todos precisam, é de três tipos; e também os sacrifícios, as austeridades e os presentes. Ouça agora a distinção entre eles.

-          Os alimentos que contribuem para a vida, a vitalidade, a força, a saúde, a alegria e o espírito luminoso, e que são doces, macios, nutritivos e agradáveis, são próprios das pessoas dotadas de SATTVA.

-          Alimentos amargos, ácidos, salgados, muito quentes, pungentes, secos e adentes, que produzem dor, sofrimento e doença, esses são os preferidos da pessoa de RAJAS.

-          Alimentos que estão estragados, sem gosto, podres, velhos, que foram jogados fora e impuros, são alimentos preferido da pessoa de TAMAS.

-          O sacrifício que é oferecido de acordo com as normas das escrituras, por aqueles que não esperam recompensa e que acreditam firmemente que é seu dever oferecer o sacrifício, é SATTVA.

-          Mas aquele que é oferecido com a expectativa de resultados, ou para ostentação, saiba que esse sacrifício é devido a RAJAS.

-          O sacrifício que não está de acordo com as normas, no qual não se distribui nenhum alimento, não são cantados hinos e não são feitos presentes aos sacerdotes, que é vazio de fé, é declarado ser do tipo TAMAS.

-          O culto dos devas, dos que nasceram duas vezes, dos mestres e dos sábios; pureza, retidão, celibato e não violência – essas são as austeridades do corpo.

-          Falar coisas que não produzem sofrimento, o que é verdadeiro, agradável e benéfico, e a recitação regular dos Vedas – essas são as austeridades da fala.

-          Serenidade mental, gentileza, silêncio, autocontrole, pureza do coração –essas são chamadas de austeridades mentais.

-          Essa austeridade tripla praticada com fé suprema por pessoas com a mente equilibrada, sem expectativa de recompensas, é considerada SATTVA.

-          Quando a austeridade é realizada para obter fama, honra e reverência e por exibicionismo, ela é considerada RAJAS: é instável e não dura.

-          A austeridade que é realizada com um objetivo tolo, causando dor a si mesmo, ou prejudicando outras pessoas, é considerada TAMAS.

-          O presente que é feito a uma pessoa sem esperar retribuição, com o sentimento de que é o seu dever dar, e que é oferecido no lugar e momento corretos a uma pessoa merecedora, é considerado SATTVA.

-          Mas o presente que é dado com a esperança de uma retribuição, com a expectativa de um ganho futuro ou quando é dado de forma dolorosa, esse é considerado RAJAS.

-          O presente que é feito em lugar e momento errados, a uma pessoa que não merece, sem tratamento adequado e com desprezo, é considerado TAMAS.

-          A designação tríplice de Brahman é ‘OM TAT SAT’[42]. Através disso formam ordenados os antigos Brahmanas, os Vedas e os sacrifícios.

-          Portanto, os atos de sacrifício, os oferecimentos de presentes e as austeridades prescritas pelas escrituras são sempre realizadas pelos que estudam e expõem Brahman depois de pronunciar a sílaba OM.

-          E com a pronúncia da palavra TAT, pelas pessoas que realizam sacrifícios e austeridades e os vários tipos de doações, pelos que buscam a libertação, sem esperar pelos resultados.

-          A palavra SAT é empregada no sentido de realidade e de bondade. A palavra SAT também é utilizada para os ritos auspiciosos.

-          A constância no sacrifício, na austeridade e na doação é também chamada de SAT; e qualquer ação com esse propósito também chamada de SAT.

-          Seja qual for o presente feito, seja qual for a austeridade realizada, seja qual for o rito observado, se ele é feito sem fé, é chamado de ASAT, e não serve para nada, nem aqui nem depois da morte.[43]

 

Da Libertação pela Renúncia

 

Arjuna disse:

-          Eu desejo saber a verdadeira natureza da renúncia e também do abandono.

O Senhor Divino disse:

-          Os sábios entendem por renúncia desistir das ações que são feitas com um desejo de resultados. Os sábios chamam de abandono desistir dos resultados de todas as ações.

-          Algumas pessoas cultas dizem que as ações estão repletas de mal, e deve-se desistir delas; outros declaram que não se deve desistir dos atos de sacrifícios, das doações e das austeridades.

-          Ouça agora de mim a verdade sobre o abandono. O abandono foi descrito como sendo de três tipos.

-          A prática de sacrifícios, doações e austeridades não devem ser abandonados, mas devem ser realizados. Pois sacrifício, doações e austeridades purificam os sábios.

-          Mas mesmo essas ações devem ser realizadas abandonando qualquer apego e desejo pelos frutos. Isso é minha visão final e decisiva.

-          Realmente, não é correto desistir das ações obrigatórias. Abandoná-las por ignorância é da natureza de TAMAS.

-          Aquele que desiste de um dever porque é penoso, ou por medo de sofrimento físico, realiza apenas o abandono do tipo RAJAS, e não obtém os resultados do abandono.

-          Todo dever obrigatório que é realizado apenas porque é um dever, renunciando a todo apego e também ao fruto – esse abandono é considerado do tipo SATTVA.

-          A sábio, que renuncia, cujas dúvidas foram desfeitas, que tem natureza de SATTVA, não tem aversão pela ação desagradável, nem se apega à ação agradável.

-          É realmente impossível para qualquer um que tem um corpo se abster das ações completamente. Mas aquele que abandona o fruto da ação é aquele que renuncia.

-          O triplo resultado da ação – agradável, desagradável e misto – se prende depois da morte naqueles que não renunciaram, mas nunca àqueles que renunciaram.

-          Aprenda de mim esses cinco fatores para a realização de todas as ações, conforme exposto pela doutrina SAMKHYA.

-          O lugar da ação, o agente, os diferentes tipos de órgãos, os muitos tipos de atividades, e o divino é o quinto.

-          Esses cinco são a causa de qualquer ação que uma pessoa realize com o corpo, fala ou mente, seja ela justa ou incorreta.

-          Assim sendo, a pessoa de mente perversa que, por causa de seu intelecto imperfeito, considera a si próprio como o único agente, não vê corretamente.

-          Aquele que está livre do sentimento do ego, cujo intelecto não está sujo, mesmo se ele matar essas pessoas, ele não matará nem estará preso às ações.

-          O conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor – esses três são os que incitam à ação. O instrumento, a ação e o agente são os três que compõem a ação.

-          No ensinamento sobre os poderes, diz-se que o conhecimento, a ação e o agente são de três tipos, de acordo com a diferença dos poderes. Ouça também isso, devidamente.

-          O conhecimento pelo qual o ser imperecível é visto em tudo aquilo que existe, sem divisão em todas as coisas divididas – saiba que esse conhecimento é do tipo SATTVA.

-          O conhecimento que vê uma multiplicidade de seres nas diversas criaturas, por causa de suas diferenças – saiba que esse conhecimento é do tipo RAJAS.

-          Mas aquele [conhecimento] estreito, que se prende a um único efeito como se fosse tudo, sem conhecimento de causa, sem captar o real – saiba que esse é do tipo TAMAS.

-          A ação que é obrigatória, que é realizada sem nenhum apego, sem atração ou repulsa por uma pessoa que não espera os frutos, é considerada do tipo SATTVA.

-          Mas a ação que é realizada por uma pessoa que deseja seus resultados, ou que é egoísta, e que é feita com muito esforço, é considerado do tipo RAJAS.

-          A ação que é feita com ignorância, sem conhecer as consequências, os danos ou as perdas, sem levar em conta a habilidade, essa é considerada do tipo TAMAS.

-          O agente que está livre de apego, que não é egoísta, que está cheio de resolução e de zelo e que não é perturbado pelo sucesso ou pelo fracasso – diz-se que ele é do tipo SATTVA.

-          O agente que está dominado pela paixão, que procura avidamente os frutos das ações, que é cruel, impuro e movido pelo prazer e pela dor – diz-se que ele é do tipo RAJAS.

-          O agente que é instável, ingênuo, teimoso, enganador, malicioso, preguiçoso, lento e que está sempre atrasado – diz-se que ele é do tipo TAMAS.

-          Ouça agora a classificação do intelecto e também da estabilidade, que é de três tipos de acordo com os GUNAS, que será apresentada de modo completo e detalhado.

-          O intelecto nascido de SATTVA compreende a ação e a não-ação, o que deve ser feito e o que não deve ser feito, o que deve ser temido e o que não deve ser temido, o que prende e o que liberta.

-          O intelecto nascido de RAJAS compreende de um modo equivocado o que é correto e o que é errado, e também o que deve ser feito e o que não deve ser feito.

-          O intelecto nascido de TAMAS pensa que o errado é correto e vê todas as coisas de um modo contrário ao que elas são.

-          A firmeza inabalável pela qual, pela concentração, se controla as atividades da mente, as forças vitais e os sentidos, essa é do tipo SATTVA.

-          Mas a firmeza pela qual a pessoa se prende ao dever, aos prazeres e à riqueza, desejando os frutos das ações, essa é do tipo RAJAS.

-          A firmeza pela qual um tolo não para de dormir, não abandona o medo, a tristeza, o sofrimento e a arrogância, essa é do tipo TAMAS.

-          Ouça agora de mim os três tipos de felicidade. Aquela de um homem desfruta devido a uma longa prática, e na qual ele atinge o fim de todo sofrimento.

-          Aquela felicidade que é como um veneno no início, mas comparável a um líquido celeste no fim, e que surge de uma compreensão pura do eu, esta é do tipo SATTVA.

-          Aquela felicidade que surge do contato dos sentidos com seus objetivos e que é como uma bebida celeste no início, mas como veneno no fim – tal felicidade é do tipo RAJAS.

-          A felicidade que ilude a pessoa tanto no início quanto no fim e que provém do sono, da preguiça e da negligência – essa é declarada ser do tipo TAMAS.

-          Não existe nenhuma criatura no mundo ou mesmo entre os devas[44] celestes que esteja livre dos três poderes que nascem da natureza.

-          Os deveres dos BRAHMANAS[45], dos KSHATRIYAS[46], dos VAISHYAS[47] e também dos SHUDRAS[48] foram classificados devidamente de acordo com as qualidades [GUNAS] que nascem da natureza.

-          Controle dos órgãos, austeridade, pureza, perdão, retidão, sabedoria, conhecimento e fé religiosa – esses são os deveres dos BRAHMANAS, que provêm de sua natureza.

-          Heroísmo, coragem, força, habilidade, prontidão, não fugir da batalha, generosidade e liderança – esses são os deveres dos KSHATRIYAS, que nascem de sua natureza.

-          Agricultura, cuidar do gado e comércio são os deveres dos VAISHYAS, que nascem de sua natureza. O dever do SHUDRA, que nasce de sua natureza, é servir aos outros.

-          Devotando-se cada um a seu próprio dever, o homem atinge a perfeição. Ouça como uma pessoa devotada a seu próprio dever atinge o sucesso.

-          Uma pessoa atinge a perfeição realizando seu próprio dever e cultuando aquele de quem todos esses seres surgem, e por quem tudo isso é permeado.

-          É melhor seguir o seu próprio dever, mesmo se for imperfeito, do que seguir o dever de outra pessoa, mesmo perfeito. Não se incorre em pecado quando se desempenha o dever que é determinado por sua própria natureza.

-          Não se deve desistir do dever com o qual se nasceu, mesmo se ele é imperfeito. Pois todos os esforços estão encobertos por defeitos, como o fogo pela fumaça.

-          Aquele cujo intelecto permanece sem apego a qualquer coisa, que dominou seus órgãos internos e que é sem desejo – ele atinge a perfeição pela renúncia, transcendendo todos os deveres.

-          Ouça agora de mim, resumidamente, como aquele que atingiu a perfeição chega a Brahman, que é a suprema consumação da sabedoria.

-          Dotado de um intelecto puro, controlando-se firmemente, desviando-se do som e dos outros objetos dos sentidos e abandonando a atração e a aversão;

-          morando na solidão, comendo pouco, controlando as palavras, o corpo e a mente, e sempre dedicado à meditação e à concentração, e livre das paixões;

-          abandonando o ego, a força, a arrogância, o desejo, a raiva, as posses, com a mente serena, ele se torna digno de se unir a Brahman.

-          Tornando-se um com Brahman, e tendo o eu cheio de felicidade, ele nem lamenta nem deseja. Considerando todos os seres como iguais, ele atinge a suprema devoção a mim.

-          Pela devoção ele me conhece realmente, o que eu sou, e quem eu sou. Então, tendo me conhecido realmente, ele entra em mim.

-          Realizando constantemente todas as ações, refugiando-se em mim, ele atinge por meu dom aquele estado eterno, imutável;

-          entregando-me mentalmente todas as ações, aceitando-me como o supremo e mantendo a mente sempre fixa em mim, pela concentração do seu intelecto;

-          fixando seu pensamento em mim, você conseguirá, por minha graça, atravessar todas as dificuldades. Mas se, por causa de seu ego, você não me ouvir, você será destruído.

-          Se, por causa do seu ego, você pensar: “Eu não lutarei”, isso será em vão, porque sua natureza o impelirá.

-          Aquilo que você não quer fazer por estar iludido, você fará mesmo contra a vontade, forçado pelos atos que nascem de sua natureza.

-          O Senhor reside no coração de todos os seres, fazendo todos girarem por seu poder como se estivessem montados sobre uma máquina.

-          Refugie-se nele, com todo o seu ser. Por sua graça você obterá a paz suprema e a morada eterna.

-          Eu lhe declarei a sabedoria que é mais secreta do que todos os segredos. Reflita sobre isso tudo, e faça o que você escolher.

-          Ouça de novo minha palavra suprema, a mais secreta de todas. Você é amado por mim, portanto eu lhe direi o que é benéfico para você.

-          Fixe sua mente em mim, devote-se a mim, sacrifique-se por mim, prosterne-se diante de mim, e assim você virá até mim. Eu lhe prometo isso, pois você me é caro.

-          Abandonando todos os rituais e deveres, refugie-se apenas em mim. Eu o livrarei de todos os males, por isso não tema.

-          Isso nunca deve ser ensinado a quem tem uma vida sem austeridades, ou que não tem devoção ou quem não é obediente ou que fala negativamente de mim.

-          Aquele que ensina este segredo supremo aos meus devotos, mostrando a mais elevada devoção a mim, virá a mim sem dúvida.

-          Comparado com ele, ninguém faz um melhor serviço de mim. E não haverá ninguém mais caro a mim no mundo do que ele.

-          E aquele que estudar esse nosso diálogo sagrado, que conduz à perfeição, me cultuará com o sacrifício na forma do conhecimento. Assim eu o declaro.

-          Aquele que ouvir isso com reverência e sem zombaria, também ele será liberado e atingirá os mundos daqueles que realizam ações virtuosas.

-          Você ouviu isso com a sua mente fixa em um ponto? A ilusão causada pela ignorância foi destruída?

Arjuna disse:

-          Minha ilusão foi destruída, e recobrei o conhecimento por sua graça. Eu estou firme, com minhas dúvidas removidas. Eu seguirei as suas palavras.

-          ........................

 

Brevíssimo Comentário

 

Esse épico hindu representa uma alegoria entre o divino e profano. As forças cósmicas, que regem o mundo visível e invisível, apontam métodos e procedimentos para a libertação dos seres incorporados. Ao estarem escravizados pela ignorância, os seres se submetem ao ciclo de nascimento e morte. Neste sentido, a libertação pode ser conquistada com a leitura correta desse jogo cósmico, que segundo a mitologia hindu passa pela experimentação do divino de e em cada ser. Esse exercício descobre o verdadeiro eu, entendido como o mesmo de e em cada ser, que criou e recria permanentemente a ilusão da natureza.

 

Arjuna, ao ser convencido pelo Senhor Divino quanto a sua real missão no mundo manifesto, passa a crer na possibilidade da libertação, visando retornar à eternidade do mundo não-manifesto.

 

A missão de cada qual, então, deve ser cumprida superando a ignorância imposta pelos objetos dos sentidos. Ao passo da reconversão interior com o auxílio eficaz da concentração da mente frente a expectativa de sua quietude, a prática da meditação leva o ser incorporado a alcançar a máxima libertação ainda em vida.

 

A partir de então, e até a morte, o ser incorporado passa a viver livre das sensações que os objetos dos sentidos impõem pela ilusão à sua natureza egóica.

 

O principal indicador dessa liberdade ainda em vida está representado pela compaixão, na medida em que o ser incorporado sente seu verdadeiro eu em todos os seres e em todas as coisas.

 

O mais importante para que o presente comentário, todavia, não represente um mero exercício mental, é ressaltar que somente com a prática espiritual a libertação poderá ser realizada.



[1] Arjuna - terceiro dos príncipes Pándavas. Filho de Pándu e Prithá, ou Kuntí. Na verdade, Arjuna foi misticamente engendrado pelo deus Indra.

[2] Dhritaráshtra - rei de Hastinápura. Cego de nascença, teve que renunciar ao trono em favor de Pándu, seu irmão menor. Teve cem filhos com Gándharí. O mais velho era Duryodhana.

[3] Pándu - segundo filho de Vyása, irmão do rei cego Dhritaráshtra, pai adotivo dos cinco príncipes pándavas.

[4] Kuru - antigo rei, antecessor comum dos Kurus e dos Pandavas.

[5] Sanjaya - sutá do rei Dhritaráshtra. Dotado por Vyasa da percepção celeste, para poder informar o rei cego dos detalhes da batalha, inclusive do diálogo entre Krishna e Arjuna.

[6] Pándava - nome derivado de Pándu, designa seus descendentes.

[7] Duryodhana - primogênito dos príncipes Kauravas, filho de Dhritarashtra. Dominado pela inveja e pela ambição, foi causa da guerra entre Kauravas e Pándava.

[8] Drupada - rei dos Panchálas, um dos chefes do exército Pándava.

[9] Bhima - segundo dos príncipes Pándavas, engendrado misticamente por Váyu, deus do ar. Comandante do exército Pándava.

[10] Hrishikesha - senhor dos sentidos, \"o de cabeleira frisada\". Sobrenome de Krishna. Krishna - oitava encarnação de Vishnu; o Salvador; o deus mais popular da Índia. Filho de Vasudeva e Devaki, era primo de Arjuna. Para escapar da perseguição de seu tio Kansa, foi entregue aos cuidados de uma família de pastores, que vivia do outro lado do rio Yamuná. Percorreu a Índia com seus discípulos, predicando.

[11] Bhárata - suposto primeiro rei da Índia.

[12] Gudákesha - senhor do sono, ou \"de cabeleira redonda\", sobrenome de Arjuna.

[13] Pártha - nome de família de Arjuna, filho de Prithá.

[14] Kuntí ou Prithá - uma das esposas de Pándu, mãe de Yudishtira, Bhíma e Arjuna, engendrados misticamente pelos deuses Dharma, Váyu e Indra.

[15] Vedas - Escrituras sagradas. Antiquíssimos, supostamente revelados pelo próprio Brahmá. Inicialmente transmitidos por tradição oral, foram mais tarde compilados por Vyása.

[16] Samádhi - contemplação extática em que se chega a perder a consciência da própria individualidade. O grau superior do Yoga.

[17] Sattva - a primeira das três qualidades da matéria: bondade, pureza, verdade, luz, placidez, estabilidade, energia etc.

[18] Átman - o Eu Supremo, Espírito. Significa também: natureza, essência, caráter, vida, coração, mente, inteligência, pensamento etc.

[19] Bramána ou Brâmane - indivíduo da casta sacerdotal, a primeira das quatro castas da Índia. Comentários ou interpretações de certas partes dos Vedas.

[20] Brahman - o Ser Supremo, o Absoluto, o Espírito Universal e Eterno; o Impessoal, Supremo e inconcebível princípio do Universo.

[21] Ascese = s. f. 1. Estado de alma do asceta. 2. Prática das virtudes pelo exercício da vontade, pela meditação, pela mortificação (Dic. Michaelis – UOL).

[22] Do Sânscrito devas, ‘brilhante’. Substantivo masculino. Filosofia: nas religiões do Oriente, cada uma das divindades masculinas que se situam entre os seres divinos superiores e os homens. P. ex.: no bramanismo, deuses benéficos e imortais a quem se oferecem sacrifícios. [fem.: devi]. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira. O Novo Dicionário Aurélio – Eletrônico – adiciona os significados ‘sagrado’ e ‘dos deuses’.

[23] Brahman - o Ser Supremo, o Absoluto, o Espírito Universal e Eterno; o Impessoal, Supremo e inconcebível princípio do Universo.

[24] Karma - ação, obra, função, ofício, cargo, dever etc. Também significa o destino que surge da natureza de cada indivíduo, moldado por suas palavras, ações, pensamentos e desejos (da existência atual ou das anteriores). (sublinhado meu).

[25] Mistério dos mistérios, essência da sabedoria. A palavra que manifesta a divindade (Fonte: a mesma da nota de rodapé n°. 22).

[26] O Senhor Divino.

[27] Soma - a Lua, a seiva, bebida sagrada.

[28] Indra ou Vásava deus do firmamento, rei das divindades siderais.

[29] Bramána ou Brâmane - indivíduo da casta sacerdotal, a primeira das quatro castas da Índia. Comentários ou interpretações de certas partes dos Vedas.

[30] Opressor dos Inimigos (um dos epítetos de Arjuna).

[31] OM ou AUM - mistério dos mistérios, essência da sabedoria. A palavra que manifesta a divindade.

[32] Opressor dos Inimigos (tradução do epíteto de Arjuna).

[33] Sutá (condutor de carro).do rei Dhritaráshtra. Dotado por Vyasa (compilador. O mais conhecido é Krishna Dwaipáyana, que compilou o Mahabhárata, o Vedánta etc.) da percepção celeste, para poder informar o rei cego dos detalhes da batalha, inclusive do diálogo entre Krishna e Arjuna.

[34] Brahman - o Ser Supremo, o Absoluto, o Espírito Universal e Eterno; o Impessoal, Supremo e inconcebível princípio do Universo.

[35] Prakriti - natureza material em oposição a Purusha, ou Espírito. Eterna e incriada como o Espírito, diferencia-se deste por ser inconsciente, ativa e sempre sujeita a transformações.

[36] Sattva - a primeira das três qualidades da matéria: bondade, pureza, verdade, luz, placidez, estabilidade, energia etc.

[37] Rajas - segunda qualidade da matéria. Paixão, agitação, mobilidade, atividade, ambição, dor etc.

[38] Tamas - terceira das qualidades da matéria. Escuridão, trevas, torpeza, ignorância, apatia, negligência, inércia, insensatez etc.

[39] Gunas - os três modos, qualidades ou atributos que constituem a matéria: sattwas, rajas e tamas.

[40] Vedas - Escrituras sagradas. Antiquíssimos, supostamente revelados pelo próprio Brahmá. Inicialmente transmitidos por tradição oral, foram mais tarde compilados por Vyása.

[41] Vedánta - o sistema de interpretação dos Vedas. Uma das seis escolas filosóficas da Índia.

[42] OM ou AUM - mistério dos mistérios, essência da sabedoria. A palavra que manifesta a divindade. TAT - Aquele, o Universo. SAT - Aquele que é, o Ser, a Realidade Única.

[43] Asat - não-ser. A natureza objetiva considerada ilusória.

[44] Deva - ser celestial, divindade inferior.

[45] Bramána ou Brâmane - indivíduo da casta sacerdotal, a primeira das quatro castas da Índia. Comentários ou interpretações de certas partes dos Vedas.

[46] Kshatriya - guerreiro. Indivíduo pertencente a segunda casta da Índia.

[47] Vaishya - indivíduo pertencente à terceira casta, a dos comerciantes e agricultores.

[48] Shúdra - indivíduo da casta inferior, a dos servos.

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