quinta-feira, 16 de junho de 2016

SOBRE MARCOS REGULATÓRIOS APLICÁVEIS À REALIZAÇÃO DE AMAZONIDADES 2

À guisa da industrialização no chão amazônico: rodando exigibilidades para as AMAZONIDADES

O processo de industrialização em seu estado bruto exige ferramentas, instrumentos e mecanismos de política industrial ex ante a consolidação de determinada tendência tecnológica e ex post quando esta se efetiva em termos de uma cultura tecnológica. Em seu estado refinado, a industrialização aponta para o processo de inovação, exigindo, permanentemente, melhorias, incrementos e, por fim, rupturas, quando novas tendências se interpõem.

Já argumentei em outras oportunidades que AMAZONIDADES é algo transcendental, que verte para possibilidades ainda inauditas. Afinal, realizar produtos e serviços desde insumos e saberes da floresta, sob a perspectiva da ética sustentável e sob a égide autossustentada, representa um heroico desafio histórico e mesmo civilizatório. Não à toa propus uma categoria de análise ainda inexplorada plenamente: growin up. Na realidade, ela é inexistente frente às especialidades técnicas e científicas da industrialização lastreada pelos combustíveis fósseis. Poderíamos dizer que insumos grosseiros, tais como plásticos e isopores, cederão lugar a insumos sutis, raízes, cascas, folhas e frutos de árvores, dentre outras fontes renováveis.

Apesar de já serem visíveis, AMAZONIDADES ainda não predominam no mercado; ainda não representam uma tendência tecnológica consolidada. Então, como incentivar sua industrialização para que ganhe musculatura no mercado, via consumo permanente, a fim de potencializar conhecimentos, negócios e acumulações?

A expertise pátria, enquanto Estado tardio no processo de industrialização, é a concessão de incentivos fiscais e financeiros aos investimentos e à produção, para alavancar a substituição de importações. Isso vale desde o Plano de Metas, reverberando na ZFM. Aplicam-se as ferramentas, instrumentos e mecanismos de política industrial para uma tendência tecnológica já estabelecida pelos países que construíram e que mantém a fronteira tecnológica.

Há uma estrutura de arrecadação e cobrança que alimenta e nutre os sistemas tributários nacionais tardios, enquanto recursos do tesouro público a financiar programas e ações de governo para a sociedade, além das próprias estruturas, burocracias e tecnicismo de Estado. Isso implica necessariamente em alíquotas com percentuais médios a elevados. Vale dizer: qualquer política de promoção industrial com base no financiamento de recursos e na concessão de incentivos fiscais somente terá peso relativo forte se houver impacto na cadeia de custos da respectiva produção. Não haverá atratividade para isentar o que representa pouco ou nada nessa estrutura. Não à toa a ZFM atrai investimentos, cujas vantagens comparativas são mantidas favoráveis relativamente a outros lugares por força das alíquotas médias e altas de seus produtos. Não à toa, por outro lado, observa-se as limitações do Decreto-Lei 1.435/1975.

Então, como incentivar produtos fora do circuito tecnológico estabelecido, que financia o Estado tardio e seus governos, com alíquotas baixas associadas ao seu sistema tributário nacional? Isso sem considerar que os produtos, como sugerido acima, são em sua maioria esmagadora inexistente: inauditos e transcendentes à atual roda industrial e tecnológica.

Só será possível, primeiramente, se um futuro desejado associado fizer parte da cognição do capital social, no caso manauara e amazônico. Em segundo lugar, se transmutarmos nosso DNA societário no sentido de percebermos a necessidade de construirmos um processo de autodesenvolvimento, adotando o risco industrial e tecnológico como plataforma de voo histórico e civilizatório, considerando o atual sistema de produzir, distribuir e consumir mercadorias e serviços. E em terceiro lugar, se estabelecermos um programa amplo de desenvolvimento industrial e tecnológico, que integre as vertentes que consubstanciam a sua promoção que é o crédito, o empreendedorismo e a inovação.

A idealização e implementação de uma Política Industrial e Tecnológica para AMAZONIDADES, que contenha a visão adequada de uma perspectiva histórica e civilizatória sustentável e autossustentada, deveria ser o foco dos governos, indústria e academia. Iniciativas isoladas, sem a percepção de que uma trajetória tecnológica alternativa exige ferramentas, mecanismos e instrumentos próprias, tenderão a “dar com os burros n’água”. É o que poderá acontecer com os Decretos 6.614/2008 e 8.597/2015.

O que queremos dizer com esses argumentos? Inicialmente, que devemos entender e aceitar que a atração de investimentos é apenas uma perna do crescimento industrial; que sem a perna da criação o autodesenvolvimento nunca se dará, delimitando a dependência industrial e tecnológica. Em seguida, que devemos visualizar e modificar nossa postura histórica, sempre dependente de capital e tecnológica exógena, o que é fato desde quando Pombal concedia incentivos para atrair investimentos e negócios para o chão amazônico. Finalmente, que devemos mobilizar e integrar todas as ferramentas, instrumentos e mecanismos de política industrial e tecnológica, visando a construção de um futuro desejado em torno de AMAZONIDADES.

Já havia colocado em outros escritos que o desenvolvimento sustentável deve ser adotado como um ACASO para a formulação de uma perspectiva histórica e civilizatória que oportunize maior independência econômica e melhor liberdade política para todo aquele que nasce, vive e morre no chão amazônico. O século XXI impingirá em definitivo essa nova utopia para a humanidade; que ele seja o cavalo alado que passa pela Amazônia. Todos nós devemos selar, montar e cavalgar nessa oportunidade de ouro para a construção de um processo de industrialização e de inovações tecnológicas associadas as AMAZONIDADES que seja longo e duradouro.

Vale dizer: todo marco regulatório que concede incentivos fiscais para AMAZIDADES deve estar combinados e reforçados por iniciativas inseridas no contexto conceitual da hélice tríplice e no ambiente favorável da lógica dos sistemas locais de inovação. Idealmente, a legislação promotora e totalizadora deve ser complementar e suplementar. Enfim, todas as políticas públicas de governos amazônicos devem estar recheadas com variadas fontes de financiamentos de negócios e com diversas formas de indução de empreendedorismo, tanto científico-tecnológico quanto profissional e especializado. Os planejamentos e parcerias estratégicas de todas as instituições e laboratórios deverão estar alinhados com os de empreendedores, empresários e profissionais do capital, individual ou coletivamente no que concerne às firmas potenciais e/ou instaladas no chão amazônico e suas representações de classe.

Além de incentivos fiscais à jusante dos investimentos, no caso de AMAZONIDADES, que não têm presença forte no sistema tributário nacional, exige-se a utilização de subsídios, do poder de compra das administrações, proteção e reserva de mercado, prêmios pecuniários à criação e exportação, subvenções econômicas, dentre outros elementos de política industrial. À montante e à jusante devem estar albergados com o provimento de infraestrutura econômica, oferecendo logística integrada, qualificação profissional, objetivando bons trabalhadores, bons gestores e bons pesquisadores, pesquisas e investigações, visando melhorias e inovações incrementais, quiçá transformadoras.


Uma visão de futuro que propugne o desenvolvimento de AMAZONIDADES deverá estar ancorada na valorização da nossa identidade cultural, que privilegia nossos hábitos e costumes, nossa gastronomia e vestuário, nossa geografia e história antes da adoção fácil e gratuita de padrões de consumo que sustentam tendências tecnológicas criadas alhures por alheios. A ideia não é viver isoladamente no mundo globalizado, mas caminhar com as próprias pernas, pensando globalmente, agindo localmente. Nesse sentido, registre-se o sucesso do laboratório de informática da Ufam e de seus pesquisadores e empreendedores associados, que já jogam o jogo global em suas áreas de atuação desde o chão amazônico. Mas, registrem-se também as centenas talvez milhares de teses que se avolumam nas estantes de institutos e laboratórios de pesquisas, sem a devida transformação de conhecimento em negócios.

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