quarta-feira, 26 de março de 2014

SOBRE MINHA PARTICIPAÇÃO NA GREVE DA SUFRAMA - PARTE DOIS


O desconforto e a convicção do voto único: dos desdobramentos de uma dissidência



Antônio José Botelho



Até gosto de estar só, e nem por isso me sinto solitário. Aprendi a observar o silêncio. Mas, não é nada bom votar sozinho, mesmo acreditando que, por razões diferentes, um ou outro colega gostaria de me acompanhar. No entanto, do lugar onde me encontrava, para frente, só vi meu braço levado, votando a favor da paralisação da greve. Apesar de ter percebido que dois ou três permaneceram com os braços baixos nas duas perguntas, as tais abstenções, que igualmente ocultam motivos variados, o isolamento é terrível. Estressante. Não obstante, o chão institucional é isso: uma diversidade em busca de uma unidade. O problema, talvez, seja enfrentar a galerinha, que envolve emocionalmente a tropa. Além disso, há a questão do ser e estar politicamente correto. É natural que haja união. Afinal, ela faz a força. Os novos corajosos e competentes do chão institucional estão liderando o movimento debaixo de sol e chuva, temperados com a pressão natural do movimento. A sensação de poder se multiplica junto aos mais antigos imbuídos da boa esperança. Talvez até mesmo se exponencie com a energia e a experiência desses.



Corre a segunda quinzena de março. Hoje é 25.4.2014. E a greve continua, companheiros. Cavalheiros, infelizmente, a greve continua. Após uma votação esmagadora. Sim! Desde 19.2.2014. Sim! Confesso-me um conservador, para quem as mudanças devem ser operadas, contudo, observando a manutenção e preservação de valores conquistados. Vou explicar. Mas antes, ratifico que a leitura da doutrina anarquista, lá atrás, mais de duas décadas atrás, me deu alguma ferramenta de análise, tanto para perceber as rachaduras do tecido social, onde graça a violência, a mentira, a hipocrisia e a alienação, quanto para tomar consciência do poder de império do instituto Estado, constituído sob o manto da autoridade política. Na história, não há registros do Estado e seus governos se vergando sem que haja mortes e muito sangue derramado.



Todavia, vou me ancorar em dois fundamentos de uma dada consciência espiritual para defender meu voto. Na realidade, não tinha a obrigação de fazê-lo como dissidente, mas assim o quis na qualidade de sindicalizado. Afinal, pago em dia minha contribuição sindical, descontada que é da minha remuneração. Como disse na primeira crônica, optei, com dor, pelo Yoga enquanto Caminho, enquanto refúgio espiritual. Ele me abriu espaço, além de sua base vedântica, para revisitar os ensinamentos crísticos e búdicos. Esses últimos nos adverte, nos lembra, por meio do líder espiritual do Budismo Tibetano, o compassivo Dalai Lama, que todos os seres, sem exceção, desejam ser felizes. Esse é o primeiro fundamento. O segundo será adotado antes de finalizar essa segunda crônica sobre os desdobramentos de minha dissidência.



Pois muito bem. Refletindo sobre esse mandamento budista, tomei a decisão de que deveria parar de pescar, mesmo devolvendo os peixinhos para seu habitat, ainda vivos. É que, no mínimo, passam a viver mutilados, além de incorporar o trauma decorrente da captura propriamente dito. Meu parceiro de pescaria, com o qual tinha compromisso de pescar até a terceira idade, me disse: “Toni, ficastes louco!?”. Talvez. Mas, conquistei uma certa liberdade, livrei-me de um certo condicionamento, a partir da consciência de todos os seres desejam ser felizes. Inclusive, os peixinhos!



Esse é o mesmo sentimento que me deu forças para votar solitariamente. Não consigo admitir que chefes de famílias, homens e mulheres, possam perder seus empregos, seus trabalhos, seus ganha-pão em decorrência de uma opção truculenta, que resiste ao bom senso. Claro, segundo o entendimento de que as mudanças devem ser processadas, sim, mas ratificando espaços conquistados. Essa greve, esse movimento, pode durar 60, 90, 120 dias, com graves prejuízos à economia regional.



Ontem, no dia da dita votação, 24.3.2014, à noite o JN noticiou em rede nacional o movimento. Palmas! Estamos ganhando notoriedade. Mas, os prejuízos sociais são iminentes. Carga presa. Perda de faturamento. Redução de arrecadação. Perda de postos de trabalho. A cascata é natural e inevitável, sem mercadorias e insumos, tanto no comércio quanto na indústria, não há vendas, não há produção. Não há renda e emprego, como gostam de dizer os políticos com relação à defesa de seus programas e projetos.



Tenho uma luta no chão institucional, igualmente solitária. Tal qual o caso desse voto relatado, alguns me acompanham, mas resistem em adotá-lo no discurso, na busca de uma prática, frente ao poder do pensamento único de que a ZFM é a nossa galinha dos ovos de ouro. Nesse sentido, como gostaria de ver, quando me rascaria de emoção e orgulho, como um simples mortal, preso à roda do samsara, que o processo de industrialização de Manaus gerou pelo menos uma firma local, com capital e tecnologia próprias, que passou a jogar no comércio e na inovação global como um grande líder de uma nova fronteira tecnológica lastreada por amazonidades. Esse grito de liberdade e independência talvez eu não tenha o privilégio de dar, nesta existência, considerando a lentidão com que operamos esse processo nestes últimos 47 anos de existência da ZFM.



Mas essa é outra história. Voltemos à crônica. Ao meu relato sobre a greve. Após minha debandada do movimento, portanto, já como um dissidente, soube que o governo federal, leia-se instituto Estado, com poder imperial, acenou com o documento intitulado TERMO ADITIVO ao TERMO DE ACORDO n.° 11/2012. Sutilezas de interpretações à parte, entendi, imediatamente, que essa deveria ser a base para uma saída honrosa, para um recuo estratégico. Qual nada. A galerinha resistiu, petulantemente, pois não admite voltar primeiro ao trabalho, para depois assinar o acordo básico. Vejam só. Meia dúzia de idealistas enfrentamento o poder de império do Estado, não? Quanto coragem! Quanta competência! Como eu gostaria de ver essa energia vertida para a construção de um capitalismo amazônico. Na realidade, confesso. Esse é outro sarrafo que devo supera no meu Caminho espiritual; me libertar, me descondicionar, me desidentificar desse tal ideário que intitulei de capitalismo amazônico. Está difícil. Mas, eu chego lá.



Mais uma vez retornemos ao mote da crônica. Penso que o ideal teria sido reduzir o prazo do TERMO ADITIVO de 180 dias para 90 dias. Mas a segunda versão do governo federal aumentou para 240 dias o tempo para a definição de uma solução. Tudo bem, perderíamos a carta da manga de fazer outro barulho no momento do sufrágio universal para presidente e demais cargos da República federada, quando a sociedade brasileira deveria estar atenta à possibilidade, necessária, da alternância do poder. Mas, ainda assim, creio que o Sindicato deveria assinar. Mesmo que o orçamento para 2015 permanecesse fechado para inclusão das conquistas salariais. Neste sentido, o ideal para liderança e liderados da greve seria que um novo plano de cargos e salários, moderno e competitivo, fosse adotado por medida provisória, já agora, antes do prazo redutor de seis meses relativo às eleições, quando o governo não pode ajustar compromissos e acordos com despesas. Mas, a perspectiva é para 2016. Péssimo cenário. Sair sem levar nada é duro. No caso particular, admito que os benefícios sejam incorporados até mesmo após a reserva estar conferida. Ou não, pois ao fim e ao cabo, do ponto de vista espiritual, tudo é uma questão de merecimento. Ainda assim entendo que o Sindicato deveria assinar, trazendo para o acordo outras entidades e organizações, que, creio, não se furtariam em apoiar, tal qual a própria CIEAM, que já reconheceu a legitimidade do movimento, e o próprio Ministério Público, que certamente orientou e acompanha a legitimidade do movimento, e o próprio TCU, que conhece a Suframa nas palmas das mãos.



Mas a hora para uma saída honrosa, para um recuo estratégico era essa. Por isso votei contra a manutenção do movimento. Portanto, continuo dissidente. Mas aproveito para reconhecer e registrar que houve melhorias na tática da liderança no trato com a base, na medida em que o diálogo ficou mais aberto e já há até uma pretensão de impetrar demanda junto ao judiciário em nome da causa. Essa demanda deveria, inclusive, conter como anexo o tal TERMO ADITIVO. Além disso, não se ouve mais falar em endurecimento via impedimentos ao trabalho. Menos mal. O diálogo melhorou mesmo com o tom de terror com que foi dito a possibilidade de transformar a Autarquia numa Agência, isto é, alterando a condição trabalhista estatutária para celetista, a qual na deve ser acionada sem que seja dada a opção de escolha para o servidor decidir sobre o futuro de sua vida profissional. Contudo, vai vir chumbo grosso por aí. Mesmo que o governo federal permita uma aproximação mais a miúde. Soube que um dos líderes está indo a Brasília para que haja avanço nas tratativas, aonde rogamos prevaleça o bom senso. No entanto, haverá necessidade de demandas judiciais para salvaguardas constitucionais, caso o movimento se prolongue. Enfim, encrenca, desgastes.



Penso que deveríamos dar mais um voto de confiança ao Superintendente, que em sua tentativa de convencimento da tropa no chão institucional, usou exemplos de conquistas pessoais, envolvendo, inclusive, projetos familiares, junto a cenário equivalente. Se ele estiver mentindo ou blefando, o problema é dele. Sua consciência o acusará. Contudo, creio que tenha sido sincero. Ainda que igualmente creia que poderá largar o compromisso, pois no frigir dos ovos, sua influência e poder de decisão não interfere diretamente na questão. Por outro lado, é claro que ele joga do lado do governo, mas é possível atrai-lo moralmente para o compromisso, ou atrair quem o substituir, caso quem assine o tal TERMO ADITIVO seja a Suframa, e não a pessoa física. Tudo registrado em cartório, chancelando o compromisso de todas as entidades e organizações envolvidas na solução da questão. A solução poderá ser realizada por estágios, por espaços conquistados. Mas, lógica é a do embate. O que se quer é a edição de uma medida provisória, conferindo o novo plano de cargos e salários, já, agora. Não acredito que o governo federal cederá, mesmo que venha a ceder para a RFB, que tem abrangência nacional, e muito mas muito mais poder de fogo. Embora a ZFM seja importante para o Brasil, seu PIB representa muito pouco frente ao nacional. Esse voto nada tem a ver com a ameaça do corte de ponto que consubstancia o salário. Não. Mas com a possibilidade de evitar maiores prejuízos sociais junto a ZFM. Nosso PIB, embora pequeno, é relevante para a região. E, importante registrar, sem ela não podemos, ainda, construir e consolidar um capitalismo amazônico. Ou seja, ela deve continuar existindo até que seja possível superá-la. O Superintendente tem razão quando diz que o Sindicato conquistou posições, as quais devem ser mantidas e preservadas, sem que tudo venha a ser perdido. A lógica do tudo ou nada não deveria prevalecer. E mais uma vez repito: não desejo cargos nessa administração, pelos motivos já expostos na primeira crônica. Nem mesmo pedir a benção dos clérigos comerciais e industriais da ZFM. Na realidade, seria capaz de retornar ao movimento, em solidariedade à galerinha corajosa e competente, caso realmente o movimento recrudesça e os pontos sejam cortados. Mas não o farei, para gozar da prudência e responsabilidade com que tento me postar. Não joguei a toalha para evitar isso, mas por discordar do comportamento e da tática da liderança da greve, cuja motivação permanece, renovada em outro fulcro, fundamentalmente para que se evite maiores danos sociais junto àqueles que dependem da ZFM, conforme relato nesta segunda crônica.



Para finalizar, demonstro agora um segundo fundamento do meu voto pela assinatura do documento acenado pelo governo federal, mais presente no Yoga, que é a do contentamento. Do ponto de vista objetivo, temos liberdade constitucional para vir e para ir. Ou seja, embora seja duro, podemos ir atrás de outro trabalho, de outra atividade profissional que remunere melhor. Isso sem falar que, certamente, estamos incluídos numa das melhores parcelas populacionais com qualidade de vida dentre os 7 bilhões de seres humanos que sobrevivem, na dor e no sofrimento, neste Planeta Terra. Portanto, o contentamento deve prevalecer enquanto dure as negociações e tratativas civilizadas, contribuindo para a manutenção da felicidade de todos os cidadãos e de suas famílias que, direta ou indiretamente, dependem do pleno funcionamento da ZFM. Como disse na primeira crônica, preciso de um melhor salário, mas não desejo que ele venha em detrimento de malefícios para outros profissionais. Se os benefícios vierem nessas condições, não será, a exemplo do dinheiro que resulta da corrupção, quando programas e projetos governamentais deixam de ser executados ou plenamente executados, não será uma boa grana; não será um bom numerário. E não faço isto pelo governo, muito menos por esse governo, que de a muito já não merece meu respeito e consideração.



Um terceiro fundamento me ocorre antes de fechar essa crônica. Agora cristão. Cristo não disse “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”? Então, que o governo federal fique com a responsabilidade de reconhecer os servidores do Estado brasileiro que fazem rodar o Projeto ZFM, dito e entendido como importante não só para a região, mas para o Brasil. Claro, incluindo aqueles que lutam para superá-lo, como este cronista. No mesmo passo, entrego ao Ser a compaixão e o contentamento com que tenha elaborado esta segunda crônica.

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