O
desconforto e
a convicção do
voto único: dos desdobramentos de uma dissidência
Antônio
José Botelho
Até
gosto de estar só, e nem por isso me sinto solitário. Aprendi a
observar o silêncio. Mas, não é nada bom votar sozinho, mesmo
acreditando que, por razões diferentes, um ou outro colega gostaria
de me acompanhar. No entanto,
do lugar onde me encontrava, para frente, só vi meu braço levado,
votando a favor da paralisação da greve. Apesar
de ter percebido que dois ou três permaneceram com os braços baixos
nas duas perguntas, as tais abstenções, que igualmente ocultam
motivos variados, o isolamento é terrível. Estressante. Não
obstante, o chão institucional é isso: uma diversidade em busca de
uma unidade. O problema,
talvez, seja enfrentar a galerinha, que envolve emocionalmente a
tropa. Além disso, há a questão do ser e estar politicamente
correto. É natural que haja união. Afinal, ela faz a força. Os
novos corajosos e competentes do chão institucional estão liderando
o movimento debaixo de sol e chuva, temperados com a pressão natural
do movimento. A sensação de poder se multiplica junto aos mais
antigos imbuídos da boa
esperança. Talvez até mesmo
se exponencie com a energia e
a experiência desses.
Corre
a segunda quinzena de março. Hoje é 25.4.2014. E a greve continua,
companheiros. Cavalheiros, infelizmente, a greve continua. Após uma
votação esmagadora. Sim! Desde 19.2.2014. Sim! Confesso-me um
conservador, para quem as mudanças devem ser operadas, contudo,
observando a manutenção e preservação de valores conquistados.
Vou explicar. Mas antes, ratifico que a leitura da doutrina
anarquista, lá atrás, mais de duas décadas atrás, me deu alguma
ferramenta de análise, tanto para perceber as rachaduras do tecido
social, onde graça a violência, a mentira, a hipocrisia e a
alienação, quanto para tomar consciência do poder de império do
instituto Estado, constituído sob o manto da autoridade política.
Na história, não há
registros do Estado e seus governos se vergando sem que haja mortes e
muito sangue derramado.
Todavia,
vou me ancorar em dois fundamentos de uma dada consciência
espiritual para defender meu voto. Na realidade, não tinha a
obrigação de fazê-lo como dissidente, mas assim o quis na
qualidade de sindicalizado. Afinal, pago em dia minha contribuição
sindical, descontada
que é da minha remuneração. Como disse na primeira crônica,
optei, com dor,
pelo Yoga enquanto Caminho, enquanto
refúgio espiritual. Ele me
abriu espaço, além de sua base vedântica, para revisitar os
ensinamentos crísticos e búdicos. Esses
últimos
nos adverte, nos lembra, por
meio do líder espiritual do Budismo Tibetano, o
compassivo Dalai Lama, que
todos os seres, sem exceção,
desejam ser felizes. Esse é o primeiro fundamento. O segundo será
adotado antes de finalizar essa segunda crônica sobre os
desdobramentos de minha dissidência.
Pois
muito bem. Refletindo sobre esse mandamento budista, tomei a
decisão de que deveria parar
de pescar, mesmo devolvendo os peixinhos para seu habitat, ainda
vivos. É que, no mínimo, passam a viver mutilados, além de
incorporar o trauma decorrente da captura propriamente dito. Meu
parceiro de pescaria, com o qual tinha compromisso de pescar até a
terceira idade, me disse: “Toni,
ficastes louco!?”. Talvez. Mas, conquistei uma certa liberdade,
livrei-me de um certo condicionamento, a partir da consciência de
todos os seres desejam ser felizes. Inclusive, os peixinhos!
Esse
é o mesmo sentimento que me deu forças para votar solitariamente.
Não consigo admitir que chefes de famílias, homens e mulheres,
possam perder seus empregos, seus trabalhos, seus ganha-pão em
decorrência de uma opção truculenta, que resiste ao bom senso.
Claro, segundo o entendimento de que as mudanças devem ser
processadas, sim, mas ratificando espaços conquistados. Essa greve,
esse movimento, pode durar 60, 90, 120 dias, com graves prejuízos à
economia regional.
Ontem,
no dia da dita votação, 24.3.2014, à noite o JN noticiou em rede
nacional o movimento. Palmas! Estamos ganhando notoriedade. Mas, os
prejuízos sociais são iminentes. Carga presa. Perda de faturamento.
Redução de arrecadação. Perda de postos de trabalho. A cascata é
natural e inevitável, sem mercadorias
e insumos, tanto no
comércio quanto na
indústria, não há vendas,
não há produção. Não há
renda e emprego, como gostam de dizer os políticos com relação à
defesa de seus programas e
projetos.
Tenho
uma luta no chão institucional, igualmente solitária. Tal qual o
caso desse
voto relatado,
alguns me acompanham, mas resistem em adotá-lo
no discurso, na busca de uma prática, frente ao poder do pensamento
único de que a ZFM é a nossa galinha dos ovos de ouro. Nesse
sentido, como gostaria de ver, quando me rascaria de emoção e
orgulho, como um simples mortal, preso à roda do samsara, que o
processo de industrialização de Manaus gerou pelo menos uma firma
local, com capital e tecnologia próprias, que passou a jogar no
comércio e na inovação global como um grande líder de uma nova
fronteira tecnológica lastreada por amazonidades. Esse grito de
liberdade e independência talvez eu não tenha o privilégio de dar,
nesta existência, considerando a lentidão com que operamos esse
processo nestes últimos 47 anos de existência da ZFM.
Mas
essa é outra história. Voltemos à crônica. Ao meu relato sobre a
greve. Após minha debandada do movimento, portanto, já como um
dissidente, soube que o governo federal, leia-se instituto Estado,
com poder imperial, acenou com o documento intitulado TERMO ADITIVO
ao TERMO DE ACORDO n.° 11/2012. Sutilezas de interpretações à
parte, entendi, imediatamente, que essa deveria ser a base para uma
saída honrosa, para um recuo estratégico. Qual nada. A galerinha
resistiu, petulantemente, pois não admite voltar primeiro ao
trabalho, para depois assinar o acordo básico. Vejam só. Meia dúzia
de idealistas enfrentamento o poder de império do Estado, não?
Quanto coragem! Quanta competência! Como eu gostaria de ver essa
energia vertida para a construção de um capitalismo amazônico. Na
realidade, confesso. Esse é outro sarrafo que devo supera no meu
Caminho espiritual; me libertar, me descondicionar, me desidentificar
desse tal ideário que intitulei de capitalismo amazônico. Está
difícil. Mas, eu chego lá.
Mais
uma vez retornemos ao mote da crônica. Penso que o ideal teria sido
reduzir o prazo do TERMO ADITIVO de 180 dias para 90 dias. Mas a
segunda versão do governo federal aumentou para 240 dias o tempo
para a definição de uma solução. Tudo bem, perderíamos a carta
da manga de fazer outro barulho no momento do sufrágio universal
para presidente e demais cargos da República federada, quando a
sociedade brasileira deveria estar atenta à possibilidade,
necessária, da alternância do poder. Mas, ainda assim, creio que o
Sindicato deveria assinar. Mesmo que o orçamento para 2015
permanecesse fechado para inclusão das conquistas salariais. Neste
sentido, o ideal para liderança e liderados da greve seria que um
novo plano de cargos e salários, moderno e competitivo, fosse
adotado por medida provisória, já agora, antes do prazo redutor de
seis meses relativo às eleições, quando o governo não pode
ajustar compromissos e acordos com despesas. Mas, a perspectiva é
para 2016. Péssimo cenário. Sair sem levar nada é duro. No
caso particular, admito que os benefícios sejam incorporados até
mesmo após a reserva estar conferida. Ou não, pois ao fim e ao
cabo, do ponto de vista espiritual, tudo é uma questão de
merecimento. Ainda assim
entendo que o Sindicato deveria assinar, trazendo para o acordo
outras entidades e organizações, que, creio, não se furtariam em
apoiar, tal qual a própria CIEAM, que já reconheceu a legitimidade
do movimento, e o próprio Ministério Público, que certamente
orientou e acompanha a legitimidade do movimento, e
o próprio TCU, que conhece a Suframa nas palmas das mãos.
Mas
a hora para uma saída honrosa, para um recuo estratégico era essa.
Por isso votei contra a manutenção do movimento. Portanto, continuo
dissidente. Mas aproveito para reconhecer e registrar que houve
melhorias na tática da liderança no trato com a base, na medida em
que o diálogo ficou mais aberto e já há até
uma pretensão de impetrar
demanda junto ao judiciário em nome da causa. Essa
demanda deveria, inclusive, conter como anexo o tal TERMO ADITIVO.
Além disso, não se ouve mais falar em endurecimento via
impedimentos ao trabalho. Menos mal. O
diálogo melhorou mesmo com o tom de terror com que foi dito a
possibilidade de transformar a Autarquia numa Agência, isto é,
alterando a condição trabalhista estatutária para celetista, a
qual na deve ser acionada sem que seja dada a opção de escolha para
o servidor decidir sobre o futuro de sua vida profissional. Contudo,
vai vir chumbo grosso por aí. Mesmo que o governo federal permita
uma aproximação mais a miúde. Soube
que um dos líderes está indo a Brasília para que haja avanço nas
tratativas, aonde rogamos prevaleça o bom senso. No entanto, haverá
necessidade de demandas judiciais para salvaguardas constitucionais,
caso o movimento se prolongue.
Enfim, encrenca, desgastes.
Penso
que deveríamos dar mais um voto de confiança ao Superintendente,
que em sua tentativa de convencimento da tropa no
chão institucional, usou exemplos de conquistas pessoais,
envolvendo, inclusive, projetos familiares, junto a cenário
equivalente. Se ele estiver mentindo ou blefando, o problema é dele.
Sua consciência o acusará. Contudo,
creio que tenha sido sincero.
Ainda que igualmente creia que poderá largar o compromisso, pois no
frigir dos ovos, sua influência e poder de decisão não interfere
diretamente na questão. Por outro lado, é claro que ele joga do
lado do governo, mas é possível atrai-lo moralmente para o
compromisso, ou atrair quem o substituir, caso quem assine o
tal TERMO ADITIVO seja a
Suframa, e não a pessoa física. Tudo registrado
em cartório, chancelando o compromisso de todas as entidades e
organizações envolvidas na solução da questão. A solução
poderá ser realizada por estágios, por espaços conquistados. Mas,
lógica é a do embate. O que se quer é a edição de uma medida
provisória, conferindo o novo plano de cargos e salários, já,
agora. Não acredito que o governo federal cederá, mesmo que venha a
ceder para a RFB, que tem abrangência nacional, e muito mas muito
mais poder de fogo. Embora a ZFM seja importante para o Brasil, seu
PIB representa muito pouco frente ao nacional. Esse voto nada tem a
ver com a ameaça do corte de ponto que consubstancia o salário.
Não. Mas com a possibilidade de evitar maiores prejuízos sociais
junto a ZFM. Nosso PIB, embora pequeno, é relevante para a região.
E, importante registrar, sem
ela não podemos, ainda, construir e
consolidar um capitalismo
amazônico. Ou seja, ela deve continuar existindo até que seja
possível superá-la. O
Superintendente tem razão quando diz que o Sindicato conquistou
posições, as quais devem ser mantidas e preservadas, sem que tudo
venha a ser perdido. A lógica do tudo ou nada não deveria
prevalecer. E mais uma vez repito: não desejo cargos nessa
administração, pelos motivos já expostos na primeira crônica. Nem
mesmo pedir a benção dos clérigos comerciais e industriais da ZFM.
Na realidade, seria capaz de retornar ao movimento, em solidariedade
à galerinha corajosa e competente, caso realmente o movimento
recrudesça e os pontos sejam cortados. Mas não o
farei, para gozar da prudência e responsabilidade com que tento me
postar. Não joguei a toalha para evitar isso, mas por discordar do
comportamento e da tática da liderança da greve, cuja motivação
permanece, renovada em outro fulcro, fundamentalmente para que se
evite maiores danos sociais junto àqueles que dependem da ZFM,
conforme relato nesta segunda crônica.
Para
finalizar, demonstro agora um segundo fundamento do meu voto pela
assinatura do documento acenado pelo governo federal, mais presente
no Yoga, que é a do contentamento. Do ponto de vista objetivo, temos
liberdade constitucional para vir e para ir. Ou seja, embora seja
duro, podemos ir atrás de outro trabalho, de outra atividade
profissional que remunere melhor. Isso sem falar que, certamente,
estamos incluídos numa das melhores parcelas populacionais
com qualidade de vida dentre
os 7 bilhões de seres humanos
que sobrevivem, na dor e no sofrimento, neste Planeta Terra.
Portanto, o contentamento deve prevalecer enquanto dure as
negociações e tratativas civilizadas, contribuindo para a
manutenção da felicidade de todos os cidadãos e de suas famílias
que, direta ou indiretamente, dependem do pleno funcionamento da ZFM.
Como disse na primeira crônica, preciso de um melhor salário, mas
não desejo que ele venha em detrimento de malefícios para outros
profissionais. Se os
benefícios vierem nessas condições, não será, a exemplo do
dinheiro que resulta da corrupção, quando programas e projetos
governamentais deixam de ser executados ou plenamente executados, não
será uma boa grana; não será um bom numerário. E
não faço isto pelo governo, muito menos por esse governo, que de a
muito já não merece meu respeito e consideração.
Um
terceiro fundamento me ocorre antes de fechar essa crônica. Agora
cristão. Cristo não disse “dai a César o que é de César, e a
Deus o que é de Deus”? Então, que o governo federal fique com a
responsabilidade de reconhecer os servidores do Estado brasileiro que
fazem rodar o Projeto ZFM, dito e entendido como importante não só
para a região, mas para o Brasil. Claro,
incluindo aqueles que lutam para superá-lo,
como este cronista. No mesmo
passo, entrego ao Ser a compaixão e o contentamento com que tenha
elaborado
esta segunda crônica.
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