segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O marco regulatório da ZFM, a instituição Suframa, o produto PIM e o desenvolvimento sustentável: assimetrias perceptíveis e percepções estratégicas

O marco regulatório da ZFM, a instituição Suframa, o produto PIM e o desenvolvimento sustentável:[1] assimetrias perceptíveis e percepções estratégicas

E a insistência de Agostinho em revelar suas tensões mais íntimas nas Confissões foi, em parte, uma reação ao isolamento: e foi também uma resposta deliberada a uma tendência arraigada dos cristãos africanos a idealizar seus bispos. Num mundo de estereótipos clericais estabelecidos de longa data, ela foi um manifesto em prol das qualidades inesperadas e ocultas do mundo íntimo - a conscientia. [Brown, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 258]

Do Quadrante[2]

O Projeto ZFM [Zona Franca de Manaus] tem sua legislação baseada no Decreto-Lei 288/67 e derivados. A Suframa embora tenha sido idealizada no mesmo documento legal tem funções de administração do Projeto, portanto, não deve se confundir com ele. Não é raro ter-se percepções equivocadas entre ambos, especialmente se cruzarmos tais assimetrias com o produto maior dessa iniciativa governamental que está representada pela produção industrial da ZFM, encarnada no PIM [Polo Industrial de Manaus]. O desenvolvimento sustentável, ente mais frágil do quadrante, encara os desafios estratégicos. As quatro dimensões do quadrante têm, portanto, vida própria ainda que se entrecruzem em suas dinâmicas.

O objetivo desta reflexão é sinalizar que o sucesso do PIM não implica, necessariamente, no sucesso dos demais. Caso não haja o necessário esclarecimento, a visão de futuro pode restar ofuscada e tergiversada, sem natureza intrínseca aos conteúdos necessários para a trilha do desenvolvimento sustentável. Assim, deve-se perceber que os recordes de faturamento e de emprego do PIM alcançados durante os anos 2003-2010 não significa que a instituição Suframa tenha atuado de forma estratégica com toda a energia e vigor que demandam os desafios do desenvolvimento sustentável. Ou seja, não significa que seus desafios estratégicos pertinentes ao desenvolvimento sustentável estejam sendo bem [re]formulados e resolvidos.

O objetivo também perpassa no sentido de que não se pode afirmar que o marco regulatório do Projeto ZFM esteja ajustado às tendências industriais e tecnológicas do Século XXI, mesmo considerando os recordes sucessivos de faturamento e de emprego que o PIM gera. Certamente não está, pois a ZFM não alberga os mecanismos e ferramentas da economia evolucionária, na medida em que representa uma perspectiva de mais de 50 anos atrás, embora essa tipologia de economia já estivesse em construção nos países desenvolvidos.[3] Isto é tanto verdade, que a emergência do Sistema Manaus de Inovação [SMI] se dá por fora da dinâmica do próprio PIM, confirmando sua dimensão pública, ainda que o PIM avance em melhorias e inovações no chão de fábrica e até mesmo estabeleça vínculos com o capital sociotécnico de Manaus. Entretanto, a liga que estabeleceria uma dinâmica mais saudável da hélice tríplice pertinente [indústria + academia + governo; nessa ordem mesmo, para o governo atrapalhar o menos possível!] seria exatamente a dimensão patrimonial, que se deve buscar com a construção de um capitalismo amazônico.

Portanto, ao final explicitar-se-á as intenções em nível de percepções estratégicas como que destrinchando as assimetrias perceptíveis, após explorar fatos conexos a ambos, não sem antes firmar as interfaces, ameaças e oportunidades junto as dimensões do quadrante idealizado para analisar o período que vai de 2003 a 2011 do Projeto ZFM.

Das Interfaces entre as Dimensões do Quadrante

O ponto de contato – e de divergência – é, portanto, o PIM!!! Ponto de divergência no sentido que não se deve julgar um [ZFM] ou outro [Suframa] por esse, que é um produto. Muito menos, não se deve adota-lo como sinônimo de desenvolvimento sustentável, considerando suas contradições internas, mesmo que seus recordes de faturamento e níveis de emprego sejam recorrentes. Ponto de contato no sentido de que gera recursos para financiar o desenvolvimento sustentável. Em grandes números, o orçamento do Amazonas saltou de menos de R$ 1 bilhão para mais de R$ 10 bilhões certamente em muito menos tempo do que a própria existência do Projeto ZFM.

O Decreto-Lei 288/67, como já há muito sabido, confere um objetivo maior idealizado há quase meio século, qual seja, de criar em Manaus e arredores, uma dinâmica econômica comercial, agropecuária e industrial. Hoje a pujança está representada na indústria. As duas outras, ou não decolou, como o caso agropecuário, ou declinou, como se sabe aconteceu com o comércio da ZFM, que não resistiu às mudanças estruturais da economia nacional, de espectro mais aberto ao mundo globalizado. A vertente industrial, que se ajustou à abertura do mercado nacional, passa por momento de transição ao qual devemos estar atentos para não perder, novamente, o bonde da história, conforme aconteceu com o Ciclo de Borracha. Mas, mais uma vez e sempre, essa atenção não tem nada a ver com o desenvolvimento sustentável. Atenção redobrada e energia potencializada tem-se que ter com os desafios do desenvolvimento sustentável.

A Suframa, conforme já dito, foi a institucionalidade criada no bojo do Decreto-Lei 288/67. Ambos, marco e instituição, foram regulamentados pelo Decreto 61.244, também de 1967. A Suframa foi concebida, originalmente, para aplicar e controlar o processo de incentivação formulado pelo Decreto-Lei 288/67, mas conquistou competências que a credenciam para atuar como agência de desenvolvimento sustentável. Mais recentemente, a Lei 9.960/00, que institui a Taxa de Serviços Administrativos [TSA], consolidou o papel estratégico da Suframa, lastreado pelas sucessivas missões, objetivos, diretrizes e visões de futuro, que permeiam seus programas, projetos e ações em nível de planejamento. O documento Critérios para Aplicação de Recursos Financeiros da Suframa é o principal meio e modo operacional para dar vazão aos desafios estratégicos desenhados ao longo do tempo. Complementarmente, podem-se perceber as transformações de sua produtividade institucional, que, ao longo do tempo, foi ampliando suas competências, galgando patamares de qualidade mais refinados e sofisticados. Nesse particular, basta observar suas várias estruturas organizacionais criadas ao longo dos seus 44 anos de existência.

O PIM, por sua vez, é a expressão materializada dos incentivos fiscais especiais concedidos pelo Estado brasileiro [isenção de IPI e redução de II] para fomentar o processo de industrialização de Manaus. Hoje, representa o conjunto totalizado da produção industrial instalada em Manaus, na categoria indústria de transformação, fruto da atração de investimentos e seus respectivos pacotes tecnológicos exógenos, em regra, sociotecnicamente assimétricos com o capital social manauara. É verdade que algum capital local já se apropria dessa oportunidade histórica, contudo, ainda não tem representatividade junto aos níveis de faturamento e emprego. Além do que, tal apropriação se dá reproduzindo tecnologias universais e/ou copiando e imitando inovações tecnológicas amplamente difundidas, num processo lento de cathing up. Todos sabem seus números, amplamente anunciados e divulgados.

Por outro lado, os projetos financiados com recursos da Suframa oferecem visibilidade para a sua ação como agência de desenvolvimento em áreas consideradas importantes para o desenvolvimento sustentável, segundo o seu Plano Estratégico: a inovação tecnológica, a logística, a inserção internacional, o desenvolvimento produtivo, o capital intelectual e o empreendedorismo, além da sua expertise de gestão de incentivos fiscais e sua preocupação com o desenvolvimento organizacional. Essa quarta expressão do quadrante, conforme já mencionado, é ainda muito frágil e, portanto, precisa ser potencializada. É sobre ela que deve recair toda a energia [dinheiro + inteligência + tempo] do capital social de Manaus e demais locais da área de atuação da Suframa. A ideia, assim, é potencializar a Suframa e suas competências em prol do desenvolvimento sustentável.

Claro está, portanto, que as quatro dimensões do quadrante, ainda que interconectadas por um fio condutor e financiador, têm funções independentes associados pelos objetivos ampliados de cada qual. A Suframa, especialmente, atribuiu-se a missão de ir além da simples administração do processo de incentivação estabelecido pelo Decreto-Lei 288/67, mas tem sido obstaculizada ao ver-se reduzida em sua capacidade financeira e gerencial, do ponto de vista estratégico. As firmas incentivadas buscam a reprodução do capital, o que é auferido pelos sucessivos recordes de faturamento, ao embalo dos momentos favoráveis da economia global e nacional, realizando a mais-valia global.[4] O Decreto-Lei 288/67 é a plataforma de voo das dinâmicas organizacionais e econômicas vinculadas à Suframa, ao PIM e ao desenvolvimento sustentável, que deve ser revisado e reformatado, aos moldes progressistas e desenvolvimentistas segundo conteúdos qualitativos, em vistas a incorporação de mecanismos e ferramentas da economia evolucionária. O desenvolvimento sustentável em si mesmo é a oportunidade histórica para a liberdade política e a independência econômica da Amazônia, Manaus incluída, é claro. Pouco se tem a dizer sobre ele, pois até o momento tem sido bastante adotado como simples modismo, especialmente em locais subperiféricos como Manaus, ainda que emergente, para oxigenar o sistema capitalista, mas muito se tem a fazer para realiza-lo.

Das Ameaças e Oportunidades junto às Dimensões do Quadrante

Associar o sucesso institucional da Suframa ao sucesso industrial do PIM é um erro crasso, que camufla e tergiversa a necessária execução em tempo hábil de programas e ações estratégicas associadas ao desenvolvimento sustentável. Pode-se observar claramente que caminhamos para o final de 2011 e a expectativa é de novos recordes de faturamento e emprego. Esse fato nos leva a crer que é o mercado que conduz a produção do PIM. Aliás, é difícil de perceber diferente esse cenário considerando que vivemos a economia capitalista. De igual forma, conforme já salientado, a pujança do PIM não garante que seu marco regulatório esteja afinado com as tendências das trajetórias tecnológicas de geração de produtos e com suas pertinentes dinâmicas de produção que forjarão o século XXI.

Seria perfeitamente possível termos uma gerência ótima da instituição em termos estratégicos em momentos de crise, ainda que os recursos financeiros pudessem ser negativamente impactados; e este é o grande viés que se deve aproveitar com consciência, quando se vive momentos auspiciosos de fausto. Mas inapropriadamente, a dinâmica política aproveita a oportunidade econômica para fazer revisões e atualizações de suas bases de apoio. A sensação que temos é que vale mais o curto prazo das iniciativas de governo em detrimento de uma política de estado para de longo prazo.

Num outro sentido, pode-se também ter o alento de anos bons e progressistas, mas se perde a oportunidade de aprofundar questões estratégicas, sem falar na necessidade de se criar novas formulações. Como nos parece ter sido o caso dos anos 2003-2011, pois vivemos um verdadeiro fausto com recordes e mais recordes do PIM. Infelizmente, apesar da boa vontade quase sacerdotal de colegas dirigentes. Todavia, foi com boa recepção que lemos a recente entrevista do Superintendente Interino afirmando que a “ZFM acabou”, ainda que talvez sua intenção tenha sido outra, de salientar a perda de suas vantagens comparativas para outros locais do território nacional. De qualquer sorte, serve para formar consciência, até porque citou o conceito de desenvolvimento endógeno como contraponto. Louve-se, ainda, o depoimento, também recente, do deputado Pauderney Avelino, um especialista nas questões intrínsecas da ZFM, já admitindo que Manaus tenha que realizar sua “tarefa de casa”. No parlamento amazonense, o deputado Luiz Castro tem argumentado da necessidade de construirmos uma política industrial e tecnológica de longo prazo. Vários colegas e amigos da academia já dizem isto a algum tempo, ainda que de forma reservada como exige a postura científica. O consenso, pois, avança.

O ideal, no sentido dos melhor dos mundos, seria a combinação virtuosa e sinérgica de anos auspiciosos com uma gestão empreendedora visando o desenvolvimento sustentável. O pior cenário, claro, seria a crise instalada associada com uma visão ingênua[[5]] e equivocada quanto aos desafios do desenvolvimento sustentável.

Dos Fatos Conexos às Assimetrias Perceptíveis e Percepções Estratégicas

Vivemos uma quase década de recordes com a atuação pujante do PIM. Não obstante, nossa organização, a Suframa, voltou a ficar sobre crivo das instituições de controle do Estado brasileiro. A sociedade nacional também questiona as notícias que são estampadas que sugerem desvios e desperdícios do dinheiro público. O governo da presidente Dilma bate forte nesse cancro nefasto para um maior bem estar de todos os brasileiros. Sinceramente, não acreditamos que nossos colegas da Suframa tenham perdido a [com]postura ética-moral que exige a coisa pública. Tudo pode ter sido fruto de 40 segundos de leseira-baré, cuja desatenção destrói 40 anos de profissionalidade. Todos nós estamos sujeitos à falta de consciência e não devemos desejar nada de negativo com pensamentos, palavras e/ou ações a ninguém. Mas, por outro lado, não podemos deixar de sermos críticos para que o plano de desenvolvimento sustentável que se desenha na Suframa ao longo dos anos avance também progressivamente como as oportunidades que a economia tem nos legado, mesmo a despeito das ameaças de crise geral. Enquanto isto, a Justiça corre atrás do prejuízo, buscando o equilíbrio e/ou o confronto entre a dualidade inocência versus culpa. A espada da justiça, portanto, está sobre algumas cabeças. Nosso desejo é que todos desfrutem da paz interior, que já Somos, e que o Direito se faça valer. Mas, voltando ao caso institucional-estratégico provinciano...

É claro que muita coisa avançou: a internacionalização da Suframa hoje é um fato aceitável. Outro fato positivo é a promoção comercial, louvável em si mesma. Dois passos ousados. A realização da Feira Internacional da Amazônia [Fiam] foi postergada por algum tempo até a decisão corajosa de Ozias Rodrigues. A internacionalização contou com o aval pessoal da Flávia Grosso. A promoção comercial vinculada a Fiam oferece resultados mais visíveis e palpáveis para o desenvolvimento sustentável do que a defesa comercial da produção do PIM em mercados dinâmicos associada à internacionalização da Suframa. Até certo ponto, há uma excrescência de lógica em defender empresas não-nacionais no contexto do comércio exterior, mas essa necessidade faz parte da institucionalidade de países de industrialização tardia, que expande o campo de ação da hegemonia dos países centrais. A internacionalização vinculada às exportações do PIM, no entanto, permanece na plataforma conquistada com o PEXPAM [Programa Especial de Exportação da Amazônia Ocidental], introduzido por Mauro Costa, pois outra plataforma depende da escala de produção que vá além do mercado interno e do concernente desenvolvimento de fornecedores, que, por sua vez, é limitado pelos próprios pacotes tecnológicos associados aos projetos aprovados e incentivados.

Há outros avanços organizacionais vinculados a sistemas computacionais, pois o chão institucional permanentemente busca melhorias e inovação. Algumas ideias foram importantes e oportunamente adotadas no chão institucional como a do programa Selo Amazônico, que visa certificar produtos produzidos com matérias primas regionais, e do Projeto JICA [Agência de Cooperação Internacional do Japão] objetivando o diagnóstico dos resíduos sólidos do PIM, cujos desdobramentos poderão, inclusive, oferecer subsídios para investimentos sustentáveis. Mas, do ponto de vista objetivo, como veremos adiante, fomos muito pouco além de dar vazão, de forma lenta no que é essencial, ao ideário de fomentar o capital intelectual, que o chão institucional da Suframa deve ao Antonio Sérgio, que revisou a versão dos Critérios para Aplicação dos Recursos Financeiros idealizados pelo Mauro Costa. Deve estar registrado que entendemos que atrair, aprovar e acompanhar projetos, por constituir a principal expertise da Suframa, não precisa de mais do que a dinâmica de dois neurônios - o tico e o teco - para se voar em nível de cruzeiro, especialmente em condições favoráveis da economia. Para questões estratégicas sim, precisamos potencializar com ousadia e determinação o DNA institucional, entendido como de um ente colonizado.

Antes, um elogio especial deve ser dedicado à unidade administrativa de estudos econômicos e empresariais da Suframa. É que sua equipe de profissionais migra a passos largos de um conteúdo técnico-simplista do passado para outro de cunho científico-complexo do futuro, que incorpora não só dados e informações gerados por terceiros especialistas-contratados, mas se capacita para gerar conhecimento, quiçá a ser adotado com sabedoria nas tomadas de decisões institucionais. Trata-se de uma bela herança que a administração que sai deixa para a nova engenharia institucional que se instalará na Suframa. Um marco auspicioso foi o recente livro publicado sob a organização de Evandro Barbosa, mestre em educação, intitulado Governança da Amazônia: socioeconomia, meio ambiente, segurança e defesa, que traz um conjunto de artigos de pesquisadores que fazem parte da equipe técnica daquela unidade e de outras unidades administrativas da Suframa. Publicação livre e independente da chancela institucional como deve ser todo o livre pensar. O que importa é que dez anos depois de defender minha dissertação [Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado!], talvez o primeiro servidor a fazê-lo, hoje temos duas, talvez três dezenas de técnicos-pesquisadores compondo o capital intelectual da Suframa. À época o chão institucional não primava muito menos promovia a formação strito senso. Não obstante, passei a incentivar outros colegas a buscarem liberdade e independência no pensar por meio da geração sistemática de conhecimento como resultado de investigações pessoais. Neste particular, a simples presença naquela unidade administrativa do José Machado, doutor em desenvolvimento sustentável, bem como da sensibilidade da sua sucessora Ana Souza, mestre em desenvolvimento regional, foram significativos para consolidar essa tendência, de uma maior capacitação para a formulação e resolução dos desafios estratégicos da Suframa, interagindo de forma autônoma, parceira e interdependente com o conhecimento gerado fora da organização. Essa equipe tem desenvolvido trabalhos relevantes que amplia essa tendência, como por exemplo: i] a participação ativa no programa do Polo Naval de Manaus; ii] a construção da Matriz-Insumo do Amazonas; iii] a implantação de Metodologia de Mensuração e Inventário de Emissões de Dióxido de Carbono da Fiam; iv] a discussão ativa junto ao Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Serviços Ambientais e Energia, dentre muitos outros.

Mas, perdemos em outros. Por exemplo, é um fato que o CBA [Centro de Biotecnologia da Amazônia] continua aprisionado numa ambiência de inadequadas condições de operação, sem uma personalidade jurídica própria. Toda desculpa pode ser dada, tanto legal quanto legítima. Mas erramos estrategicamente, da mesma forma que o Governo do Amazonas errou ao retardar por 14 anos a institucionalização e a instalação do sistema Fapeam/Sect [Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia & Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas]. A discussão de transformar o CBA num NIT[[6]] da Suframa foi um erro conceitual que demandou perda de energia [tempo + dinheiro + inteligência]. Esse processo de discussão levou quase dois anos. Fora os anos necessários para idealização e legalização da ABA [Associação de Biotecnologia da Amazônia], para concepção de um plano de ação mínimo e recorrentes discussões quanto ao modelo jurídico, cuja recomendação final, que ainda permanece na mesa, é a da emancipação do CBA por meio de uma empresa pública. É claro que o Governo Federal em si tem sua parcela de responsabilidade. Mas até que ponto a Suframa se apegou ao processo, obstruindo a emancipação do CBA, que continua agregada à sua estrutura organizacional como uma “unidade administrativa” transitória. Mas, talvez, manter o CBA como parte da institucionalidade da Suframa seja uma intenção inconsciente-não-confessa...

Na impossibilidade do CBA se tornar uma entidade privada, deve de plano ser repassado para o sistema Sect/Fapeam/UEA [... & Universidade do Estado do Amazonas], sem grandes delongas, passando a integrar o Sistema Manaus de Inovação [SMI] em sua dimensão pública. Passaríamos a ter duas grandes vertentes públicas para inovação em Manaus: i] uma derivada do Sistema Nacional de Inovação constituída pela MCTI/CNPq/Capes/Finep/Ufam/Inpa/Escolas Técnicas e sucedâneos; ii] outra conforme proposta, isto é, Sect/Fapeam/UEA/CBA/unidades correlatas tipo Cetam [Centro de Educação Tecnológica do Amazonas]. Ambas a serviço das AMAZONIDADES.[7] De forma suprassistêmica dever-se-ia criar um Conselho Político em prol do Desenvolvimento Industrial e Tecnológico para dar vazão ao ideário da construção de um capitalismo amazônico, conforme este pensador já tem sugerido em outras oportunidades.

Vejamos outra assimetria estratégica, que estabelece uma dissociação, e ao mesmo tempo uma identidade, com o CBA. Falo do CT-PIM [Centro Tecnológico do PIM]. Ambas estão em dificuldade institucionais e estratégicas. Se o CBA ganhou um prédio; o CT-PIM ganhou a institucionalidade que o CBA exige. Mas está em dificuldades financeiras recorrentes. Por que incluí-lo nesta lista de responsabilidades estratégicas? Porque a Suframa, além de sua idealizadora, é sua principal financiadora. Não foi adotado com vigor, em que pese às dificuldades políticas-orçamentárias que a Suframa e a própria gestão do CT-PIM viveram durante os anos 2003-2011. Sua primeira gestão, entendida como provisória, foi se arrastando, em que pese sua gerência operacional estar presente com frequência na Suframa. Seu cronograma de implantação está completamente defasado. Seu ParqTech associado deveria estar operando desde 2008/2009. A maior parte das competências que deveriam ter sido encetadas para fazer frente aos desafios do desenvolvimento sustentável ainda está aguardando providências. Lamentável é a postergação do programa idealizado para o empreendedorismo vinculado ao seu ParqTech. A convergência da microeletrônica com a bionanotecnologia presente no discurso da Suframa, representa um sonho. Ele foi idealizado em 2001. O CBA antes de 2000. Não podemos perder tanto tempo assim para implementar programas, projetos, ações e atividades estratégicas, que estão inseridas nos desafios do desenvolvimento sustentável. Algo está errado e precisa ser questionado e reprogramado. A questão é política? De competência profissional? De falta de ousadia? Medo do risco associado ao empreendimento institucional? Resultado de uma visão ingênua? Burocracia draconiana? Isolamento subperiférico de Manaus em relação ao Planalto no nível das decisões políticas?

Em nível de Plano Estratégico da Suframa, deve-se perceber o quanto lentamente as coisas andam nas organizações públicas. Em 2003, conseguimos incluir na essência da missão da Suframa o verbo CRIAR, no sentido de fazer emergir firmas locais.[8] Pois pasmem: só em 2010 conseguimos adicionar uma área estratégica que albergasse a função pertinente ao EMPREENDEDORISMO, com o desenho mínimo de ações que, se implementadas, poderão contribuir substantivamente para o desafio estratégico da essência mais nobre da missão da Suframa, que aponta para a consolidação do processo de industrialização de Manaus em bases próprias. Muito especialmente, na lógica do empreendedorismo científico-tecnológico.[9] [10]

Uma faceta importante dessa construção é a possibilidade de se estabelecer uma oferta tecnológica compatível com a demanda das firmas locais. Nesse particular, a realização de plataformas tecnológicas, enquanto planejamento para se desenhar projetos cooperativos de pesquisa entre indústria, academia e governo para superar gargalos tecnológicos e vislumbrar janelas de oportunidades, representa uma ótima estratégica. Também essa ação ficou adormecida ao longo de todos esses anos. Todas as vezes que este pensador argumentava a possibilidade de sua realização, a réplica sempre foi reativa, de que não haveria condições ideais expressas na forma de estrutura e de RH. Como, se a Suframa se viu ampliada em seu contingente de colaboradores para justificar áreas entendidas como prioritárias? Sem falar que simplesmente se poderia tentar executa-las via contratação de serviços técnicos em parceria com laboratórios acadêmicos especializados na temática. Ou seja, o essencial e estratégico não era prioridade e prioritário. Não são poucas as ações adormecidas no Plano Estratégico da Suframa.

Mas, faz-se necessário reconhecer a contribuição que a Suframa deu ao longo dos 2003-2011 para a emergência do Sistema Manaus de Inovação [SMI], liderada pelo sistema Sect/Fapeam. Financiou quase um sem número de cursos de capacitação e formação de capital humano em todos os níveis de pós-graduação, uma larga infraestrutura laboratorial e uma longa série de projetos de P+D em todos os locais de sua área de atuação. Mas alguma coisa está faltando, pois ainda não é perceptível um capitalismo amazônico, onde firmas locais estejam acumulando lucros primitivamente e apropriando tecnologicamente conhecimento, mediante realizações de produtos e processos no mercado. Apostamos que sejam as assimetrias entre oferta e demanda tecnológicas associadas com as contradições internas do Projeto ZFM. Ou seja, o SMI vive, sobre esse prisma, um dilema, pois convive com ofertas e demandas tecnológicas desiguais. Se buscar atender as demandas tecnológicas do PIM, esforça-se para se capacitar tecnologicamente de forma tardia. Isto é verdade porque os pacotes tecnológicos dos projetos industriais do PIM, em regra, são frutos de desenvolvimento industrial e tecnológico exógenos à Manaus, e, portanto, vêm de locais mais avançados junto ao processo de cathing up, como a Coreia, e até mesmo de construtores da própria fronteira tecnológica, como o Japão, mais contemporaneamente falando. Na outra face da moeda, se tem oferta tecnológica para a dimensão patrimonial local, essa demanda não é fruto de uma estrutura e estratégica empresarial que pense e aja globalmente. Ou tomamos consciência dessa fragilidade para mudar de rumo do nosso desenvolvimento, ao continuaremos movidos por uma economia que determina nossa dependência, que este pensador chamou em outros textos de determinismo econômico.

Nesse sentido, registre-se a quase inocuidade de se firmar termos de cooperação técnica com países centrais frente ao gap tecnológico pertinente a oferta tecnológica existente em Manaus, um local subperiférico, ainda que emergente. A Suframa articulou diretamente e/ou fez a articulação para e junto ao governo brasileiro visando assinatura de memorandos cooperativos com o Instituto alemão Fraunhoufer IZM, com o belga Inter-University Microelectronics Center [IMEC], com o Leti-Minatec francês, além de constar como parceiro do IVAM alemão, uma organização alemã de companhias e instituições de micro e nanotecnologias. Qual a praticidade desse esforço frente à tarefa de casa que devemos empreender para a construção de um capitalismo amazônico? O fosso do conhecimento e das pertinentes realizações no mercado é quase abismal frente ao que podemos realizar com amazonidades. Trata-se de um esforço que deveria ser redimensionado para a busca do equilíbrio interno, isto é, compatibilidade entre oferta e demanda tecnológica considerando a dimensão patrimonial, como que dando visibilidade a um alvo móvel,[11] objetivando a construção de um capitalismo amazônico, a partir da combinação sinérgica-virtuosa de uma política industrial e tecnológica de longo prazo, como exige tal ideário. O possível diálogo e interlocução que possa existir junto aos pares acadêmico-científicos díspares, em verdade, amplia o fosso entre a oferta e demanda em nível local atrasado tecnologicamente e tardiamente em industrialização, especialmente sendo perceptível a inexistência das culturas do empreendedorismo científico-tecnológico e do capital de risco.

Um questionamento crítico cabe quanto a operacionalização do sistema Capda [Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia] que atuou intensamente na formulação e implantação de inputs [RH + laboratórios + e coisas do tipo, além da própria P+D] para os sistemas de inovação dos locais de atuação da Suframa, especialmente do SMI, cujos dados e informações pertinentes devem estar consolidados e disponíveis para a sociedade, afim de que pesquisadores possam avalia-los e critica-los. Mas o sistema Capda precisa urgentemente apostar e cobrar outputs, isto é, patentes requeridas e concedidas, redução de custos por inovação e melhorias implantadas no chão de fábrica, faturamentos por novos produtos consolidados, enfim, receitas por royalties estabelecidas, o que constituirá a possibilidade da retroalimentação sustentável do processo de inovação a partir do chão de fábrica, sobretudo, das firmas de capital local, representando uma ambiência de inovação plena em sua essência de natureza privada e, subsidiariamente, pública, considerando que a lógica capitalista é liderada pelo setor privado. Isso sem falar na possibilidade de revisão do seu próprio marco regulatório visando conceder maior poder de decisão ao próprio SMI.

Alvissareiro foi o discurso do governador Omar Aziz no sentido de que as empresas incentivadas aportem recursos para o desenvolvimento de melhorias e inovações no chão de fábrica e em parceria com o SMI. A revisão do marco regulatório do Capda poderia incorporar essa perspectiva, que ampliaria a exigência de investimentos em P+D para todo o PIM. Sem falar da necessidade de conferir poder a Manaus quanto às decisões de investimentos em P+D. Esse cenário é quase um sonho, pois é incompatível com uma democracia frágil conduzida por uma elite ingênua que se associa aos interesses exógenos,[[12]] mas são os desafios expressos na forma de problemas que dinamizam a vontade de poder, de que é possível realizar ideários, movendo os seres humanos em busca de liberdade e independência. Bastaria o capital estrangeiro abrir mão de pequena parcela da margem bruta para o lucro com que opera na ZFM, em torno dos 31% durante os anos 1990/97, cujo giro do capital estava além de 200% em 1995 e 1996, conforme este pensador registrou na segunda edição do Redesenhando o Projeto ZFM [Manaus: Valer, 2006, pp. 66/67], os quais correspondem a índices para além de excepcionais de reprodução do capital em qualquer local deste planeta.

A Suframa precisa se ajustar permanente aos desafios estratégicos vinculados ao desenvolvimento sustentável e endógeno. Tem feito isso de forma atenta no discurso, às vezes como profecia do passado, mas na hora de passar para a prática, fica a desejar. Não poderia, não pode e não poderá perder mais de uma década em questões estratégicas. Por exemplo, a questão de seus recursos financeiros não estarem disponíveis exige uma posição política definitiva: a transformação de parte de seus recursos num Fundo de Investimento Reembolsável, que exigirá a construção de competências profissionais e institucionais específicas, porque não existentes na Suframa. Esta possibilidade está inscrita no atual Plano Estratégico, que vige desde 2010, além de ter sido discutida administrativamente, sem, contudo, ter sido assumida com o risco empreendedor que envolve sua resolução e desdobramentos. É a perna que Manaus precisa para caminhar mais fortemente pelo difícil caminho de acumular primitivamente capital em prol do seu desenvolvimento industrial e tecnológico. Ou seja, o estabelecimento da cultura do capital de risco!

Nesse particular cabe uma pergunta: será que se administração ao longo dos governos Lula tivesse sido vinculada à inteligência petista a Suframa, como o foi na implementação do sistema Sect/Fapeam, teria aplicado parte mais substantiva de seus recursos financeiros em projetos de interesse do desenvolvimento endógeno? Vejamos o que a Suframa tem desenhado para investir nesse fomento: projetos de infraestrutura econômica que sejam capazes de multiplicar a geração de capital e trabalho relacionados às potencialidades e às vocações regionais; projetos de infraestrutura econômica que viabilizem e/ou implementem projetos de produção e de demonstração economicamente viáveis; projetos de formação e capacitação de capital humano em níveis técnico, de especialização, de pós-graduação lato e stricto senso; projetos infraestruturais para a E&C&T&I tais como parques tecnológicos, incubadoras de empresas e laboratórios para P+D; projetos de pesquisa e desenvolvimento [P+D] propriamente ditos e de extensão que objetivem o desenvolvimento das vocações e potencialidades regionais; projetos educacionais de ação profissionalizante da mão de obra regional em apoio a projetos de fomento à produção; projetos de empreendedorismo científico-tecnológico de fomento ao desenvolvimento de empresas de base tecnológica; projetos que viabilizem a realização de plataformas tecnológicas.

A vertente do empreendedorismo científico-tecnológico e de conceitos modernos, quais parques tecnológicos, incubadoras e plataformas tecnológicas, embora listado acima, ainda está em nível de discussão para suas inclusões no contexto de revisão do documento Critérios de Aplicação dos Recursos Financeiros da Suframa, cuja versão vigente de 2001, já deveria ter sido atualizada desde há muito para incorporar conceitos da economia evolucionária, tal como o próprio conceito de sistema local de inovação, ao qual já nos referimos em relação ao SMI, além da adoção de mecanismos de intervenção vinculados ao conceito de Arranjos Produtivos Locais [APLs].

A outra face da mesma questão que precisa ser politicamente resolvida é a da aplicação dos recursos na modalidade não reembolsável vis a vis os recorrentes contingenciamentos de recursos da Suframa. Se a criação de um Fundo Reembolsável exigirá a incorporação de competências técnicas inexistentes na Suframa, os financiamento de projetos com recursos não-reembolsáveis já constitui uma expertise institucional. Não é aceitável a pouca sensibilidade política do governo federal com a competência da Suframa quanto ao desenvolvimento endógeno e sustentável que configura seus desafios estratégicos, em que pese as exigências de sua política fiscal, pois se compararmos números e estatísticas anualizadas, veremos que o que se demanda institucionalmente representa algo equivalente a 0,2% [zero vírgula dois ou dois décimos por cento] do superávit primário que está indo para além da casa da centena de bilhões de reais. É realmente pouco, muito pouco mesmo, talvez até irrisório, frente ao que representa a Amazônia, pois estamos falando de desenvolvimento endógeno. Trata-se, sabemos todos, de uma área limite do território nacional, que enfrenta as agruras das desigualdades regionais, mas que ao mesmo tempo encerra exuberante capital natural que pode consubstanciar o desenvolvimento sustentável, como modus operandi de um processo civilizatório que oportunize uma ocupação soberana qualificada. A mesma pergunta formulada acima cabe ser reproduzida aqui, isto é, será que se a administração da Suframa ao longo dos governos Lula tivesse sido vinculada à inteligência petista poderíamos ter aplicado parte mais substantiva em projetos de interesse do desenvolvimento endógeno e sustentável?

Este conteúdo exposto criticamente, este corpo de conhecimento técnico-estratégico, abordado em nível de assimetrias perceptíveis e percepções estratégicas, se efetivamente destrinchado em tempo hábil poderá ser uma grande contribuição para a construção de um capitalismo amazônico. No caso do período em análise, teriam sido nove anos - 2003-2011 - aplicando recursos em projetos que estabeleceriam as bases sustentáveis do desenvolvimento. Igual raciocínio valeu para a demora da institucionalização do sistema Sect/Fapeam, à qual já nos referimos, isto é, quanto se perdeu ao deixarmos de investir no desenvolvimento tecnológico durante os 14 anos – 1989 a 2002 – em que aquela institucionalização aguardava regulamentação em forma de Lei, pois derivada da Constituição Estadual de 1988? Portanto, caminhamos muito lentamente para formar consciência realizadora de um desenvolvimento mínima e adequadamente autônomo e interdependente. Enquanto isso, o Tesouro estadual bamburra de grana alta disponível em seus cofres...

Das Intenções

O que se está propondo para superar as assimetrias perceptíveis, portanto, é ajustar estrategicamente um marco regulatório [Decreto 288/67 e correlatos] que está no início do fim de seus ainda longos dias, com mecanismos e ferramentas da economia evolucionária, começando por apostar todas as fichas no empreendedorismo científico-tecnológico, na formação da cultura do capital de risco e de práticas que conduzam a um equilíbrio entre a oferta e demanda tecnológica vis a vis a dimensão patrimonial empresarial que deve ser construída com vigor e determinação em Manaus.[13] Essa estratégia é verdade apenas para a hipótese de desejarmos jogar, como agentes de transformação e não como atores de uma rede de interesses alheios-globais, o jogo capitalista albergado pelo Estado moderno, ente organizador das relações sociais e econômicas da Terra.

O que se está propondo de forma recorrente com palavras diversas é a possibilidade de se consolidar as bases do desenvolvimento endógeno e sustentável segundo os vetores fundamentais da economia evolucionária: CRÉDITO + EMPREENDEDORISMO [científico-tecnológico, sobretudo] + INOVAÇÃO, combinados harmoniosamente em arranjos conceituais quais hélice tríplice, que propugna ações coletivas dos agentes de transformação da sociedade local [GOVERNO + ACADEMIA + INDÚSTRIA], e sistema produtivo e de inovação, que potencializa o crescimento e o desenvolvimento industrial e tecnológico a partir de relações e combinações sinérgicas, os quais devem estar pautados e estruturados na cooperação, no aprendizado e na confiança do capital social de Manaus e de cada local amazônico. Não é trivial conquistar esse cenário, por isso está dito e posto na forma de ideário. Contudo, precisamos nos mover em direção a ele, com vigor, depositando todas as fichas políticas, técnicas e estratégicas nesse processo.

Portanto, que o povo amazonense possa valorizar a distinção das variáveis discutidas nesta reflexão [quadrante: marco regulatório da ZFM + instituição Suframa + PIM + desenvolvimento sustentável], exigindo que a Suframa atue estrategicamente de molde a potencializar as oportunidades que o momento histórico nos presenteia e afastar as ameaças que nos rodam permanentemente com um desenvolvimento dependente de investimentos e tecnologias exógenas. Em época de crise, essa estratégia [do desenvolvimento endógeno e sustentável] seria muitíssimo mais difícil. O Projeto ZFM tem sido muito generoso para construirmos uma trajetória tecnológica alternativa, mas imprimimos um caminhar lento por força da prática política tergiversada e personalista combinada com um discurso político enganoso e ingênuo, que ele próprio – o Projeto ZFM – alimenta e exige, sem que estejamos atentos como se em guerra estivéssemos para superar suas contradições internas [da dependência aos investimentos e pacotes tecnológicos exógenos e sua base de vantagens comparativas que se corrói naturalmente ao longo do prazo] em prol da construção de um capitalismo amazônico, acumulando primitivamente lucros e apropriando modernamente conhecimento. A experiência nefasta e devastadora do ponto de vista do autodesenvolvimento do Ciclo da Borracha nos ronda permanentemente; precisamos superar, dialeticamente falando, o Projeto ZFM.

Enfim, que o capital social de Manaus possa propor alterações qualitativas no marco regulatório apreendendo funções, conceitos, mecanismos e ferramentas da economia evolucionária. Que este mesmo capital social saiba distinguir entre o que é resultado econômico e o que é desafio estratégico, no que concerne ao PIM e ao desenvolvimento sustentável. Assim, que todos os manauaras e amazônidas saibam distinguir os papéis operacionais e estratégicos da Suframa, cujas competências institucionais conquistadas ao longo de sua existência vertidas ao desenvolvimento endógeno e sustentável devem ser fortalecidas e não subtraídas.

É de bom alvitre ético registrar que este pensador é parte integrante do balanço de insucesso relatado nesta reflexão, na medida em que esteve durante o período de análise na assessoria técnica da Superintendência Adjunta de Planejamento e Desenvolvimento Regional [SAP] da Suframa. Ainda que não tenha atuado ativamente das formulações para resoluções dos desafios estratégicos atinentes ao período em análise, opinou aqui acolá sempre que convocado, e até mesmo quando não convocado, quando se tratava de questões cruciais.[14] [15]

Embora possa ser questionada, esta reflexão está eivada de intenção pura para contribuir na geração de oportunidades de capital e trabalho para nossos netos, de forma que eles sintam orgulho verdadeiro de realizar o autodesenvolvimento humano-societário. Um verdadeiro processo de hominização, lastreada por uma autêntica amanualidade, deve ser posto em marcha para superar a condição de colônia que Manaus experimenta como local avançado de realização do capital estrangeiro.[16] Nada de xenofobismo, mas de puro nacionalismo amazônico, cujo sentimento e vontade é que movem o pensamento e a ação deste pensador ao longo das últimas duas décadas de reflexão sobre o Projeto ZFM. Disse que pode ser questionada, pois é difícil mesmo não identificar e não confundir seu objeto de investigação, infelizmente ou felizmente, dependendo do ponto de vista, com a própria profissionalidade deste pensador.

Por último, e não menos importante, muito ao contrário, fica a sugestão de que a próxima grande comemoração no chão institucional, afora os eventos protocolares, seja pela entrada de alguma patente e/ou empresa de base tecnológica no mercado em decorrência de um projeto de pesquisa financiado pela Suframa, que representem efetivamente uma inovação, uma amazonidade.

Faço minhas as palavras de Santo Agostinho: “Na verdade, extraio uma certa doçura de meu próprio descontrole e, neste doce anelo, busco um pequeno consolo” [Brown, obra citada, p. 259]. O consolo de dar vazão a uma consciência em prol da construção de um capitalismo amazônico, que liberte politicamente e torne independente economicamente todo amazônida.

Tenhamos todos nós muita boa sorte em 2012!



[1] O termo desenvolvimento sustentável, enquanto conceito em construção, aqui tem duplo propósito. Além de apontar para a ética sustentável, que o mundo adota para mitigar as mudanças climáticas que ameaçam a vida no planeta, aponta igualmente para o autodesenvolvimento, isto é, para o desenvolvimento autossustentado, aonde se possa construir uma economia com as próprias pernas, lastreada pelo desenvolvimento industrial e tecnológico mínima e adequadamente autônomo e interdependente. Nesse segundo sentido, refere-se ao mito do progresso ilimitado social e técnico das aglomerações humano-societárias.

[2] Observar que a metáfora do quadrante, como tudo neste mundo dos fenômenos, tem característica dual. Neste caso, apresenta aspectos de escravização e ao mesmo tempo de libertação social, econômica e política.

[3] Sobre as bases conceituais da economia evolucionária sugere-se ler Chris Freeman e Luc Soete, em A Economia da Inovação Industrial, Campinas/SP, Editora da Unicamp, 2008; e Richard Nelson e Sidney Winter, em Uma Teoria Evolucionária da Mudança Econômica, Campinas/SP, Editora da Unicamp, 2005. A perspectiva neoschumpeteriana deve ser entendida como sinônimo da economia evolucionária.

[4] Sobre o conceito de mais-valia global sugere-se ler Milton Santos, em A Natureza do Espaço, São Paulo, Edusp, 2004.

[5] Sobre o significado dessa visão sugere-se ler Álvaro Vieira Pinto, em O Conceito de Tecnologia [Vol. 1], Rio de Janeiro, Contraponto, 2005.

[6] Núcleo de Inovação Tecnológica previsto na Lei de Inovação para serem criados nas instituições de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico. Claro está que a Suframa não tem a competência preliminar do desenvolvimento científico-tecnológico e nem pode adquiri-la à força ou por decreto, a ponto de albergar um NIT. Uma hipótese mais esdrúxula ainda seria ela própria se transformar num NIT: de quem?

[7] Transformação de insumos e saberes da floresta em produtos e serviços realizáveis e realizados no mercado por firmas de capital e tecnologia local, endógena. Incorpora a ética sustentável, pois visa inaugurar um novo marco civilizatório, a partir do laboratório experimental amazônico, estruturado no investimento verde, na tecnologia limpa e no consumo inteligente. Que grande e nobre ideário, não? Portanto, é essa perspectiva estratégica, ou seja, a combinação de Amazônia com amazonidades e sustentabilidade, é que pode gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento endógeno. Foi o que este pensador quis dizer em Trajetória Tecnológica Alternativa: o acaso amazônico; um enfoque a partir do Projeto ZFM, publicado em 2004.

[8] Sobre uma visão abrangente do conceito de firma, numa visão clássica dos grandes conglomerados da primeira metade do Século XX, sugere-se ler Edith Penrose, em A Teoria do Crescimento da Firma, Campinas/SP, Editora da Unicamp, 2006.

[9] Uma visão do vazio da dimensão patrimonial de firmas locais pode ser obtida com a leitura de Antônio José Botelho, em Pequeno Ensaio em prol da Construção de um Capitalismo Amazônico a partir de Manaus, Manaus, Editora Caminha Consultoria, 2011.

[10] Confronte-se o abismo que separa a análise de Penrose com a de Botelho, no que concerne aos locais caminharem no mercado com as próprias pernas, consubstanciados por firmas nacionais. Observem-se as possibilidades distintas de épocas sequenciadas entre a perspectiva schumpeteriana e neoschumpeteriana, isto é, se naquela época havia ambiência inovativa maior dentro da grande companhia, no Século XXI a perspectiva emergencial é a dos sistemas locais de inovação, aonde ganha relevo, no mundo não-plano da fronteira tecnológica, a lógica do empreendedorismo científico-tecnológico. Esse processo social, contudo, depende, por sua vez, de uma universidade empreendedora, e aí, nos parece, residem outros desafios ocultos, que precisam ser discutidos para que formulações e resoluções emirjam. Tal processo social, mais convergente com a economia capitalista, exige que se albergue e induza a cultura do risco, as pesquisas com considerações de uso e uma postura dos pesquisadores compatíveis com a lógica de mercado, isto é, com o cumprimento de metas e prazos em tempo real e de acordo com as necessidades da sociedade. O empreendedorismo científico-tecnológico é todo aquele que transforme o professor, o pesquisador e até mesmo o discente acadêmico-universitário em proprietário de uma empresa de base tecnológica e que, ao mesmo tempo, no nosso caso, esteja realizando amazonidades no mercado, isto é, como já dito na nota de roda pé n.º 7, transformando insumos e saberes da floresta em produtos realizados economicamente. Uma universidade empreendedora seria toda aquela que propiciasse uma ambiência favorável e indutora para a transformação de pesquisas com considerações de uso em planos de negócios e estes realizados em firmas emancipadas no mercado, todo o processo albergado por patentes & royalties, consubstanciando uma trajetória tecnológica alternativa forjadora de uma fronteira tecnologia “em si” e “para si”, que este pensador denominou de processo de growing up, em detrimento do processo de cathing up que exige o determinismo econômico dos países que construíram a fronteira tecnológica durante o século XX.

[11] Para uma noção do conceito de alvo móvel, consultar Margarida Afonso Costa Baptista, em Política Industrial: uma interpretação heterodoxa, Campinas/SP, Unicamp/IE, 2000 [Coleção Teses].

[12] Uma perspectiva de dissociação pode ser percebida lendo Henrique Rattner, em Política Industrial: Projeto Social, São Paulo, Editora Brasiliense, 1988, e lendo ainda Bautista Vidal e Gilberto Vasconcellos, em Dialética dos Trópicos: o pensamento colonizado da CEPAL [Comissão Econômica para a América latina], Brasília Instituto do Sol, 2002.

[13] Em 2004 ou 2005, este pensador propôs ao chão institucional uma ação para o Plano Anual de Trabalho [PAT] do ano seguinte, intitulada “Adequação do Regime de Incentivos Fiscais aos Objetivos Estratégicos do PIM” com seguinte justificativa e objetivo: i] A revisão dos incentivos fiscais existentes no PIM é recomendável frente às tendências observadas de erosão das vantagens comparativas das empresas incentivadas em comparação com outras regiões do país, no que concerne a organização da produção dimensionada na microeletrônica, além da tradicional incompatibilidade da estrutura de incentivos fiscais para a consolidação de fornecedores locais; ii] Reverter a desestímulo à consolidação do polo de componentes e combater as desvantagens relativas à convergência tecnológica pertinente a extensão dos incentivos fiscais da Lei de Informática para outras regiões do país. Suas metas basicamente estavam centradas na elaboração, discussão e definição de um projeto de lei com os atores envolvidos. Mas a proposta foi enfaticamente rechaçada pela autoridade discricionária com o argumento de que o marco regulatório era desejado por todos os locais nacionais, sugerindo, portanto, que era perfeito em si mesmo. Poderia ter sido um início de conversa para ajusta-lo às necessidades da economia evolucionária, pois demonstraria a oportunidade e a conveniência de alterar um marco regulatório que tende para a inocuidade.

[14] Por impulso ético, registre-se que a Flávia Grosso permitiu, de forma bastante elogiável, a abertura do Plano Estratégico, cujo termo entendido pelo chão institucional já fechado seria aprovado pelo CAS, para a inclusão de uma área estratégica intitulada CAPITAL INTELECTUAL & EMPREENDEDORISMO a partir dos argumentos deste pensador aliados aos da Coordenadora Geral de Desenvolvimento Regional. A exclusão, contudo, da presença deste pensador das formulações e discussões para resoluções estratégicas poderia ser medida pela redução à zero das convocações para reuniões no gabinete e até mesmo à quase-zero das realizadas no gabinete da SAP, cuja competência temático-institucional é de seu domínio técnico relativamente bom, não só pelo estudo, mas pela experiência no próprio chão institucional.

[15] É lamentável registrar que em 2011 só foi possível realizar uma única reunião da função planejamento no chão institucional; salvo engano, a que foi realizada em 22.12.2011. Um número mínimo seria de três reuniões por ano: uma para aprovar o plano trabalho; outra para um balanço geral e uma terceira para avaliar o desempenho do ano, especialmente em nível estratégico, além do operacional e administrativo. Pela análise constante nesta reflexão podemos entender que a administração que sai foi eminentemente uma administração executiva, operacional, que não privilegiou a função estratégica, cujo principal meio para atuação é exatamente a função planejamento.

[16] Também esses dois conceitos [hominização vis a vis amanualidade] podem ser encontrados no livro listado na nota de roda pé n.º 5.

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