Desenvolvimento Libertário: uma fórmula política para
Manaus[1]
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E |
laboro
essa reflexão com o propósito de, mais uma vez, contribuir para o capital
social de Manaus. A ideia fundamental é associar o conceito de liberdade
libertária vinculado à teoria anarquista com a possibilidade de se criar um
desenvolvimento mínimo e adequadamente autônomo na esteira das amazonidades
vertidas à lógica da sustentabilidade. Ou seja, adotar politicamente um ideário
de desenvolvimento para todos os locais da Amazônia a partir de sua
individualidade diferencial frente à sua dependência com relação ao capital e à
tecnologia de outros locais nacionais e internacionais mais “avançados”
industrial e tecnologicamente falando.
Para tanto, inicio com o que utilizei de Roberto
Freire e Fausto Brito para tentar conceituar liberdade libertária na minha
brochura Toques Anarquistas:
contribuição para uma visão de mundo alternativa, publicada no Rio de
Janeiro em segunda edição, em 2007, pela Editora Achiamé e lançado em Manaus em
dezembro, no Chapéu de Zinco da Associação dos Moradores do Bairro de
Petrópolis (Somap).
Peço que mais-do-que-leiam, na verdade sintam, para
continuarmos no meu raciocínio. Peço que aceitem a associação entre indivíduos,
tomados na conceituação abaixo, com a figura política de espaços nacionais,
cujo desenvolvimento é obtido com a ação de firmas locais inseridas em
ambientes inovadores. No caso, tomo a espécie humana, enquanto categoria de
indivíduos, como equivalente a Manaus, cuja industrialização se dá com o
Projeto ZFM, sendo sua maior expressão de evidência o Polo Industrial de Manaus
[PIM]. A nota de rodapé da página 32 do Toques Anarquistas está assim, já
adaptando ao presente propósito:
Não é fácil escapar
do modo de pensar capitalista, ao qual nós estamos sujeitos, para arriscar uma
pequena definição conceitual do que se poderia entender por liberdade
libertária.
De toda sorte,
entendo que ela está estreitamente vinculada à questão da individualidade
diferencial de cada um em relação a si mesmo e a todos, no sentido de
explorá-la positivamente, de buscar a evasão da opressão e da alienação
determinadas por aquele modo de pensar. Roberto Freire e Fausto Brito, no livro
"Paixão & Utopia: a política do cotidiano", editado pela
Guanabara Koogan, no Rio de Janeiro, em 1991, desenvolveu [página 37] assim a
ideia do que denominei individualidade diferencial:
...
o que importa é a diferença que resta: o original e único em cada um. A
sociedade tradicionalista conservadora e burguesa-capitalista e a
socialista-burocrática procuram e querem da pessoa a sua semelhança com
as outras. Porque isso a torna mais fácil de ser controlada. E renegam,
condenam, excluem, caçam e destroem a diferença. Acontece que, na
verdade, cada um é mesmo a diferença: somos essencialmente o que faz
nossa originalidade biológica e humana.
Então,
ser livre é poder viver ampla e irrestritamente as próprias originalidades
únicas, as nossas diferenças. Como? Fundamentalmente, no jeito de amar e
de criar. E é exatamente sobre o jeito de amar e de criar de cada um que se
exerce a repressão autoritária, o controle social, a favor das semelhanças
e pela massificação da média [sinônimo ao mesmo tempo de ninguém e de todos].
Enfim,
a liberdade consiste em não se submeter aos obstáculos, à autorregulação
espontânea. Consiste em superar a tudo e todos que, unidos e fortes, procuram
impedir o exercício das potencialidades espontaneamente revolucionárias em
todas as pessoas.
É,
portanto, como se imaginássemos duas frações matemáticas em que a primeira
fosse infinitamente superior do que a segunda relativamente à liberdade
libertária. Nesse sentido, o numerador da primeira seriam as diferenças
[amazonidades] e o denominador, o somatório das diferenças e semelhanças
[amazonidades + PIM] de e para cada ser humano; o numerador da segunda seriam
as semelhanças [PIM] sobre o mesmo denominador. Assim,
|
Diferenças ------------------------------------------ (Diferenças
+ Semelhanças) |
>
> > >......... |
Semelhanças ------------------------------------------ (Diferenças
+ Semelhanças) |
É
com base nessa função matemática que peço que reflitam sobre a fração abaixo (imagine-a),
que chamo de desenvolvimento libertário associando-o à lógica de uma
perspectiva de liberdade libertária. Faço a simulação, adotando como numerador
a potencialidade AMAZONIDADES e como denominador a evidência ECONOMIA DE
ENCLAVE INDUSTRIAL, o PIM em
transformação para um ambiente construído de vantagens competitivas dinâmicas
valorizando, privilegiando AMAZONIDADES, em superação à simples lógica da
atração de investimentos a partir da oferta de vantagens competitivas
estáticas.
As
setas para cima (imagine-as), tanto no denominador, quanto especialmente no numerador,
indica que aqui não se trata de negar o Projeto ZFM, mas de tratar suas
contradições internas de frente, com vistas a um determinado futuro desejado e
normativo, no sentido de não só apenas exploratório, como reflete o discurso e
a prática política local, regional e nacional, ao gastar mais energia, expressa
em tempo, dinheiro e inteligência com a manutenção de vantagens competitivas
estáticas com que a construção de vantagens competitivas dinâmicas. Ao adotar,
enfim, o Projeto ZFM como um fim em si mesmo, ao invés de um meio para as
transformações social, econômica e política de Manaus e dos locais amazônicos.
Observe-se que a seta para cima no denominador, aponta, inclusive, para esse
rumo normativo. A seta maior (imagine-a), totalizada integralmente pelo resultado da
fórmula, sinaliza a liberdade política e a independência econômica de Manaus,
ou de qualquer local amazônico.
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Tomem
como pressuposto dessa perspectiva o fato de que a organização planetária é
estruturada em Estados nacionais e que seu sistema econômico dominante é o
capitalista, o qual, que por sua vez, tem no capital seu vetor principal de
propriedade privada e na tecnologia sua mercadoria mais nobre [igualmente
utilizada como propriedade privada].
Tomem
também como pressuposto que a soberania, transcendendo à dualidade absoluta e
relativa, é resultante não só mais do poder político sobre o território, mas
igual e complementarmente da forma como os capitais sociais dos locais se
arranjam em função da produção e distribuição dos produtos e serviços que
servem às suas respectivas sociedades. Os resultados econômicos dessa ambiência
de empreendedorismo impregnada da cultura da inovação e do crédito adequado, em
última análise, devem ganhar o mundo.
Nessa
esteira de raciocínio, não consigo entender a Amazônia soberana somente pela
atração de investimentos. Aqui tem nada de xenofobismo, mas da elevação ao
orgulho legítimo pela construção do desenvolvimento com liberdade política e
independência econômica. Esse orgulho se manifestaria, sobretudo, pela
emergência de firmas com capital e tecnologia local. Não se tem como comparar a
produção high tech PIM, em si mesma
perfeitamente mensurável, com as amazonidades enquanto potência. Claro que não,
mas não se trata de metrificar e sim, de criar amazonidades.
Assim, seria como na lógica metafísica
profano-divino, associando-a, respectivamente, ao manifesto [produção high tech] e ao imanifesto
[amazonidades]. Isto é, devemos buscar a transcendência dentro do conteúdo da
matéria, transformando em concretude as amazonidades.
Essa
transcendência dentro da natureza material e política da dimensão manifesta dos
homens dos locais da Amazônia, e no caso presente de Manaus, oportunizaria uma
relação custo/benefício extremamente favorável para o desenvolvimento amazônico
em bases soberanas, na medida em que o numerador criado e realizado seria
infinitamente maior do que as evidências hoje metrificadas da produção high tech.
A
Amazônia é um sítio único deste planeta e com singularidade deve ser trabalhada
pelo menos enquanto perdurar sua organização social planetária em Estados
nacionais, politicamente configurados em territórios que privilegiam seus
capitais e suas tecnologias. Para tanto, devemos criar nosso próprio
capitalismo, como dito acima, no sentido de mínima e adequadamente autônomo,
estruturado no desenvolvimento sustentável, com investimentos verdes,
tecnologia limpa, consumo inteligente etc. etc. Esse desafio se supera com
políticas de oferta e demanda industriais e tecnológicas convergentes etc. etc.
Para
começar fica a proposta de se medir o crescimento econômico de Manaus com base
no conceito de Produto Nacional Bruto - PNB, ou melhor, Produto Manauara Bruto,
ao invés de Produto Industrial Bruto – PIB. Com isso, teremos a clara percepção
de nossa dependência por grandes capitais e tecnologias exógenas.
Essa
é outra forma de dizer, de escrever, o que já venho dizendo, escrevendo há
algum tempo. E olha que não sou o primeiro, apesar de poder estar sendo
original, com a adoção de um paralelo esdrúxulo, como poderiam argumentar sobre
o anarquismo, aqueles mais afeitos a modelos cartesianos. O link entre o
paralelo, a argamassa que agrega esperanças aparentemente contraditórias está
na perspectiva da solidariedade que permeia tanto o princípio do anarquismo,
quanto o princípio do desenvolvimento sustentável. Solidariedade social.
Solidariedade política. Solidariedade cultural. Solidariedade institucional.
Solidariedade ecológica. Solidariedade ambiental. Solidariedade econômica.
Solidariedade religiosa. Essas são as trilhas tanto do anarquismo quanto da
sustentabilidade.
Após
a análise e reflexão, verão que não há nada de extraordinário nessa minha
abstração. Tenho certeza que para a consciência de cada qual vertida à uma
Amazônia livre e independente, minha abstração será perfeitamente convergente.
A
partir do conceito de liberdade libertária derivado do anarquismo fica mais
fácil, pois a teoria anarquista prima pelas diferenças entre os indivíduos. De
igual forma, a Amazônia deve ser adotada e privilegiada como algo absolutamente
diferente.
Os
sistemas capitalista e socialista-real aparelham ideologiamente os indivíduos
pelas semelhanças. Desta forma, fica possível um maior controle social
mantenedor do status quo. O primeiro
vitorioso – até o momento contemporâneo – fez o segundo sucumbir ao
desenvolvimento tecnológico convertido em consumo de massa, aplicando um
controle social muito mais refinado.
A
liberdade libertária, preconizada pelo anarquismo, que está acima da liberdade
civil, econômica, política e religiosa é visível matematicamente lançando as
diferenças no numerador ao invés das semelhanças, estando no denominador a soma
de ambas as variáveis.
Para
a associação das amazonidades como diferenças e do PIM como semelhanças é
passo... Do ponto de vista do crescimento econômico podemos entender Manaus
condicionada à trajetória tecnológica derivados dos pacotes tecnológicos
exógenos. A base tecnológica da microeletrônica, das TIC’s, da nonotecnologia,
de novos materiais, etc., devem estar a serviço, sobretudo, para a emergência
de amazonidades, isto é, se tivermos energia, disciplina, coragem e
determinação poderemos inverter o jogo do nosso desenvolvimento contribuindo de
forma sustentável para um novo marco civilizatório.
Finalmente, tomo a liberdade de fazer homenagem
sincera ao Armando Mendes.[2]
Ele o primeiro a adotar, segundo meus registros históricos, o conceito de
amazonidades numa expressão muito mais larga do que a minha adaptada à lógica
da produção e distribuição de produtos e serviços com base em insumos e saberes
da floresta, porque a insere na dimensão cultural, como mesmo o conceito de
brasilidade. Igualmente, homenageio Ozório Fonseca, um articulista local de
referência, que trabalha em seus artigos amazonidades todas as semanas.
[1] Reflexão inicial do livro Sínteses
& Reflexões: em prol das amazonidades como ideário de desenvolvimento,
de Antônio José Botelho, publicado em 2010 pelo www.clubedeautores.com.br .
[2] Armando Mendes, em seu livro Amazônia: modos de
(o)usar, publicado pelo Editora Valer, em 2001, anuncia e pronuncia assim, às
páginas 82-88, as específicas amazonidades sob sua perspectiva
ontológica-ecumêmica-ecológica-profética-produtiva: “Toda e qualquer
amazonidades não é senão um caso particular, localizado, da acepção e da
concepção gerais de regionalidade. É a feição desta nossa realidade, tanto por
obra e graça da natura do sítio, quanto por artes e manhas (artimanhas quem
sabe) da cultura nele situada. Não, entretanto, as expressões que venham a
defluir de conjunturas econômicas e sociais ou políticas, e sim, as de
contextura natural e humanal ou antrópica. Quer dizer: as singularidades
amazônicas permanentes, continuadas, as ‘normais’. As geradas in loco e sponte sua, não as contraídas por contágio ou por exposição a
outras influências. Salvo, entre estas, as assimiladas e transfiguradas pelo
espírito do lugar, que ninguém vive num insular pequeno mundo à margem da
multidão. Serão, então, amazonidades derivadas ou adotivas... Acrescente-se:
formando bem regionalmente, e com perdão pela insistência, cestas ou paneiros
ou cofos de empreendimentos agroindustriais beneficiados por economias de
escala e de aglomeração, integrando toda uma extensa cadeia produtiva.
Integrada vertical e horizontalmente. Produzindo para robusto mercados
forâneos, insisto, aquilo que nos é
peculiar [grifei]. E oferecendo até, no primeiro momento, à revelia de uma
prévia procura efetiva – a oferta abrindo por mérito próprio clareiras [na
vereda normativa; adicionei] e nichos autônomos, perduráveis, para os nossos
‘exóticos’ produtos, em mercados idióticos... Mais: retendo na região os lucros
gerados, e reinvertendo-os. Multiplicando internamente (internalizando, não
internacionalizando) renda e emprego... Fixando, dessa maneira, de maneira
condigna, em nosso interior, populações que na ausência de uma estrutura
econômica encadeada ficariam, como em larga medida têm ficado, à deriva.
Assumindo, em última instância, as rédeas da nossa caminhada. Praticando, como
necessário, em função do seu maior empenho, o melhor dos seus desempenhos. Um
desempenho atlético.” Ver-se-á, claramente, que a conceituação que este autor
adota de amazonidades está contida na conceituação mais ampla de Armando
Mendes, que em nota de rodapé adiciona: “Amazonidade(s), como regionalidade, à
semelhança de brasilidade, latinidade, lusitanidade, mineiridade, todos os
vocábulos dicionarizados e portando, portanto, carteira de identidade”. Em
verdade, deve estar registrado que a sua “Bula Amazônica, comportando uma
utopia prospectiva, um projeto propositivo e uma agenda prescritiva” contém,
também, o conceito growing up que
este autor adota como campo de ação da sua versão restrita de amazonidades,
apenas ajustado a códigos quais fronteira tecnológica, sistemas locais de
inovação, trajetórias tecnológicas, dentre outros. Ozório Fonseca também adota
a definição de amazonidades idealizada por Armando Mendes, tendo, inclusive,
registrado trechos da mesma no prólogo do seu livro intitulado Amazonidades,
justificando, portanto, o título. Nesse livro, cuja edição está esgotada,
Ozório Fonseca reuniu cem artigos publicados no Jornal do Commercio, a qual foi
editada para comemorar cem anos daquele Jornal.