29/09/2025

SOBRE YOGA: ontem&hoje&amanhã

 

Yoga: brevíssimo histórico, alguma atualidade e sinais de futuro[1]

Sarvānanda Deva

Há uma regra básica do judô que é a de utilizar o próprio corpo do adversário como arma para derrota-lo. Assim, grosso modo, não tenho aversão à ideia de visualizar o Yoga como uma técnica de academia de ginástica, mesmo considerando a inadequação do espaço, por exemplo. Ao contrário, talvez seja possível arregimentar mais buscadores espirituais para junto do Sistema de Patanjali e seus correlatos tântricos. Tomo como referência minha própria experiência, qual seja de ter entrado no Yoga pela dor, no caso pela perspectiva de pânico com o zumbido adquirido nos ouvidos nos idos de 2005. Hoje, além de o pânico estar afastado, o zumbido em si não tem mais a força que tinha a provocar desconforto emocional. Às vezes, apenas enche a paciência, pois ainda está lá. Mas o que é mais importante é que me tornei um buscador da Liberação, o que poderá se dar com o autoconhecimento. Ou seja, o Yoga, uma escola milenar que surgiu na Índia, sinaliza para uma espiritualidade, adotando definições e conceitos, quais dharma; karma; samsara; maya; dentre outros.

Não tenho dúvidas que um yogue capaz de usufruir de poderes paranormais conquistados com a Liberação, viajando no tempo desde a antiguidade até esta contemporaneidade, entenderia essa perspectiva em prol da extensão de benefícios espirituais para todos os seres.

Por outro lado, considero equivocada negar sua questão filosófica ou doutrinária que o mundo ocidental se escusa esclarecer de forma ampla. Entendemos que em todos locais em todos os tempos de uma forma ou de outra as sociedades são condicionados em padrões de comportamento. Isso faz parte do jogo cósmico, aonde se dá o processo de aprendizado que transita da piedade para a compaixão como passaporte para a Liberação sob a graça divina. Portanto, qualquer que seja a oportunidade espiritual, em tese, se oferece ferramentas e instrumentos para que se alcance a não identificação do corpo, mente e espírito com a existência em vigília, considerando sua transitoriedade. Essas múltiplas linhas de entendimento e procedimento podem ter sido oferecidas pelo próprio Ser. Ao fim e ao cabo, escudado pela filosofia yóguica, todos os seres serão libertos ao final das eras cósmicas, reiniciando-se o jogo sob a coordenação do Ser.

É possível, neste sentido, que os verdadeiros benefícios do Yoga possam ser estendidos àqueles que tiverem o primeiro contato pelas academias, ainda que na forma errada de dizer e fazer, isto é, enquanto malhação. Mas, alguns poderão estar preparados para entender seus ensinamentos. Junto ao princípio da tolerância e da comunhão entre as correntes espirituais, as demais também sinalizam para uma Solução Última conformando uma Realidade Definitiva. Essas pessoas também frequentam academias e lá não se vê uma igrejinha. Então, talvez, poder praticar posturas e respiratórios em academias seja um privilégio.

Para tanto, tento argumentar que a abordagem moderna está apenas incompleta e preconceituosa. Incompleta porque, mesmo no nível das assertivas que se estabelece, de bem-estar geral, deixa-se de dizer que as posturas oferecem ajustamentos psicofísicos que promovem uma transformação de comportamento, com vistas à Liberação, independentemente até de qualquer doutrinação. Preconceituosa porque não admite a doutrinação maior que todo ser humano sofre com a alienação determinada por qualquer sistema de organização política, envolvendo o social, o econômica, o religioso, enfim, abrangendo os aspectos institucionais e culturais, em todos os locais de todos os tempos, pelo que se admite que o Yoga encerre uma filosofia perene.

Sentindo-me, na qualidade de um Ser realizado, após viajar no tempo e no espaço, contente por verificar que a prática do Yoga estaria beneficiando outros seres além de sua territoriedade original, abrindo caminho para as possibilidades da Liberação. Admite-se como verdade a afirmação de Patanjali, de que a busca pela Liberação somente acontece, ou certamente tem-se maior possibilidades diligentes, com saúde plena.

Percebo a possibilidade da difusão do Yoga nesta contemporaneidade, cujos benefícios, conforme admitido acima, poderiam ser poderosíssimos para a sociedade globalizada que se aculturou numa condicionalidade materialista. Esse caminho seria extremamente propício para a consecução da nova utopia da humanidade a ser lastreada sob a ética da sustentabilidade. Nesse cenário futuro, numa solução normativa, poder-se-ia desenvolver a solidariedade em superação da competição que sustenta o sistema capitalista. Isso já seria um bom indicador que os venenos que camuflam o Ser nos corações de todos os seres estariam sendo dissipados.

De plano deve-se argumentar, em minha opinião, a perspectiva da tolerância e, sobretudo, da comunhão entre as diversas trilhas, veredas ou caminhos espirituais. Todos com boa fé levam ao divino. A adoção de seus mistérios e ensinamentos como dogmas absolutos da verdade é que tornam os relacionamentos entre tais caminhos com caráter conflituoso e até mesmo belicoso.

Assim, defino Yoga como um caminho espiritual para o autoconhecimento, com a desidentificação egóica frente ao Ser que já somos, que proporciona a liberdade e a imortalidade, vale dizer, que realiza a Liberação e sua contraparte, qual seja a superação do ciclo de morte e renascimento. No sentido dito acima, respeitando a lógica cristã da ressurreição e o entendimento ateu de tudo se encerra na materialidade, por exemplo.

Não. Não creio que a tradição yóguica deva perder sua essência para propiciar ajuda aos seres humanos passíveis de perceber sua filosofia espiritualizada e espiritualizadora. Mas, como advogo acima, não deveremos perder a oportunidade histórica de difundi-la em benefícios de todos os seres, mesmo que num primeiro momento seja como meio para combater o stress e aumentar o bem-estar, ou seja, conferir melhor qualidade de vida. Portanto, sua tradição deve ser cultuada e reverenciada. Contrariamente à lógica materialista das academias, nas escolas de Yoga seus professores responsáveis devem alimentar e incentivar as discussões dos princípios filosóficos yóguicos, visando induzir abertamente dos praticantes se tornarem buscadores, porém, a partir de suas próprias reflexões e conclusões. Não me parece impossível que atletas de academia, que utilizem as aulas de Yoga para, sob a necessidade do alongamento e até mesmo da função aeróbica, ou ainda para mitigar as tensões do cotidiano, migrem para escolas de Yoga e, nestas, passem a adotar e a praticar uma visão de mundo que permita uma transformação no sentido de conquistarem a Liberação.

Ratifico que entendo fundamentalmente o Yoga como uma espiritualidade, ou seja, um caminho espiritual. Ainda que haja mistérios, como a lógica da reencarnação ou transmigração, o processo de Liberação do ciclo de morte e renascimento, conforme proposto por Patanjali, é algo bem palpável e quase científico. O importante é que esse caminho, espiritual, gera não uma religião, mas uma cultura, expressa numa ética yóguica. O conflito entre ressurreição e reencarnação pode ser apenas aparente, ou duas faces de uma mesma moeda, na medida em que o liberto em vida possa estar ressurgido junto ao Absoluto, ao Conhecimento, ao Ser.

Penso que existem vários fatores para o Yoga estar chamando a atenção para esta modernidade. A globalização atual [observe-se que as caravelas que chegaram ao Novo Mundo também cumpriram papel similar ao que as redes sociais cumprem hoje], por exemplo, oportuniza que as culturas se mesclem. E nesse processo as sociedades passam a tomar contato e a conhecer, e eventualmente adotar, as visões de mundo [mitologia; cosmologia e pertinentes filosofias] de outros lugares do planeta.

Num segundo aspecto, talvez mais profundo, a sociedade mundial começa a se dar conta da insustentabilidade do modo de pensar e agir, portanto, de viver, da civilização dita ocidental [observe-se que o modo de produção e distribuição que lastreia nossa ocidentalidade é hegemônico]. Nessa nova utopia, superada a disputa política entre capitalismo e comunismo, e sua concernente guerra fria, talvez a espiritualidade yóguica seja uma opção convergente com essa perspectiva societária a ser erigida sob a égide da ética sustentável na medida em que aborda claramente o princípio da impermanência das coisas e dos seres, enquanto processo de evolução espiritual e, por conseguinte de Liberação.

Em ambos os casos [da aceleração da globalização e do desenvolvimento sustentável] penso que o Yoga poderá oferecer enormes benefícios para a humanidade, sem dúvida alguma numa perspectiva de tolerância e comunhão entre as demais espiritualidades.

Penso que há, neste início de milênio, uma ampliação de seguidores do Yoga no ocidente e especialmente no Brasil, e, portanto, de buscadores da Liberação, que potencializam seu verdadeiro aspecto, sagrado. Essa perspectiva multiplica os efeitos demonstrações para a sociedade. Contudo, creio que não podemos desprezar as possibilidades relativas aos meios, no caso presente nas academias com abordagem de malhação e nas escolas de Yoga sob a lógica apenas do busca do equilíbrio corpo & mente, para proporcionar bem-estar para os seres humanos, como expectativas para um caminhar espiritual.

Minha contribuição, para a mitigação desta realidade que se vive, deverá estar vertida para a perspectiva que defendi acima, ao longo das argumentações decorrentes de uma imaginária viagem no tempo de um yogue realizado e liberto. Há uma interconexão entre as questões subliminares que as motivaram, qual seja, conferir o lugar sagrado e poderoso do Yoga. Sempre que possível deverei estar socializando para todos os seres que desejarem os benefícios do Yoga, a partir do combate ao stress e do aumento o bem-estar para fins de melhor qualidade de vida. Ao mesmo tempo, deverei estar cultuando e reverenciando sua tradição, isto é, refletindo e contemplando sobre seus ensinamentos perenes. Simplesmente porque a partir do acaso, como um latino americano, adotei o Yoga como um caminho espiritual. Portanto, me tornei um buscador da Liberação sob a filosofia que o Yoga oferece. Claro, que nessa perspectiva estarei processando uma transformação pessoal, convergindo positivamente para mudar o mundo no sentido de uma ética sustentável. Ao fim e ao cabo, estar-se-ia ratificando a busca do Estado de União [Yoga] por meio de sua Ordem [Dharma] pertinente.



[1] Reflexão elaborada a partir das três tarefas propostas pelo professor Pedro Kupfer, durante a realização do Módulo II, do Curso Livre de Formação em Yoga, realizado em Mariscal entre 12 de setembro e 9 de outubro de 2011. A reflexão partiu de uma série de perguntas interconectadas e interdependentes referentes à posição do Yoga para e no mundo moderno, associando-a à sua história e ao seu futuro, inclusive, considerando sua convivência com outras espiritualidades.

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