Yoga: brevíssimo histórico,
alguma atualidade e sinais de futuro[1]
Sarvānanda Deva
Há uma
regra básica do judô que é a de utilizar o próprio corpo do adversário como
arma para derrota-lo. Assim, grosso modo, não tenho aversão à ideia de
visualizar o Yoga como uma técnica de academia de ginástica, mesmo considerando
a inadequação do espaço, por exemplo. Ao contrário, talvez seja possível
arregimentar mais buscadores espirituais para junto do Sistema de Patanjali e
seus correlatos tântricos. Tomo como referência minha própria experiência, qual
seja de ter entrado no Yoga pela dor, no caso pela perspectiva de pânico com o
zumbido adquirido nos ouvidos nos idos de 2005. Hoje, além de o pânico estar
afastado, o zumbido em si não tem mais a força que tinha a provocar desconforto
emocional. Às vezes, apenas enche a paciência, pois ainda está lá. Mas o que é
mais importante é que me tornei um buscador da Liberação, o que poderá se dar
com o autoconhecimento. Ou seja, o Yoga, uma escola milenar que surgiu na
Índia, sinaliza para uma espiritualidade, adotando definições e conceitos,
quais dharma; karma; samsara; maya; dentre outros.
Não tenho
dúvidas que um yogue capaz de usufruir de poderes paranormais conquistados com
a Liberação, viajando no tempo desde a antiguidade até esta contemporaneidade,
entenderia essa perspectiva em prol da extensão de benefícios espirituais para
todos os seres.
Por outro
lado, considero equivocada negar sua questão filosófica ou doutrinária que o
mundo ocidental se escusa esclarecer de forma ampla. Entendemos que em todos locais
em todos os tempos de uma forma ou de outra as sociedades são condicionados em
padrões de comportamento. Isso faz parte do jogo cósmico, aonde se dá o
processo de aprendizado que transita da piedade para a compaixão como
passaporte para a Liberação sob a graça divina. Portanto, qualquer que seja a
oportunidade espiritual, em tese, se oferece ferramentas e instrumentos para
que se alcance a não identificação do corpo, mente e espírito com a existência
em vigília, considerando sua transitoriedade. Essas múltiplas linhas de
entendimento e procedimento podem ter sido oferecidas pelo próprio Ser. Ao fim
e ao cabo, escudado pela filosofia yóguica, todos os seres serão libertos ao
final das eras cósmicas, reiniciando-se o jogo sob a coordenação do Ser.
É possível,
neste sentido, que os verdadeiros benefícios do Yoga possam ser estendidos
àqueles que tiverem o primeiro contato pelas academias, ainda que na forma
errada de dizer e fazer, isto é, enquanto malhação. Mas, alguns poderão estar
preparados para entender seus ensinamentos. Junto ao princípio da tolerância e
da comunhão entre as correntes espirituais, as demais também sinalizam para uma
Solução Última conformando uma Realidade Definitiva. Essas pessoas também
frequentam academias e lá não se vê uma igrejinha. Então, talvez, poder
praticar posturas e respiratórios em academias seja um privilégio.
Para tanto,
tento argumentar que a abordagem moderna está apenas incompleta e
preconceituosa. Incompleta porque, mesmo no nível das assertivas que se estabelece,
de bem-estar geral, deixa-se de dizer que as posturas oferecem ajustamentos
psicofísicos que promovem uma transformação de comportamento, com vistas à
Liberação, independentemente até de qualquer doutrinação. Preconceituosa porque
não admite a doutrinação maior que todo ser humano sofre com a alienação
determinada por qualquer sistema de organização política, envolvendo o social, o
econômica, o religioso, enfim, abrangendo os aspectos institucionais e
culturais, em todos os locais de todos os tempos, pelo que se admite que o Yoga
encerre uma filosofia perene.
Sentindo-me,
na qualidade de um Ser realizado, após viajar no tempo e no espaço, contente
por verificar que a prática do Yoga estaria beneficiando outros seres além de
sua territoriedade original, abrindo caminho para as possibilidades da
Liberação. Admite-se como verdade a afirmação de Patanjali, de que a busca pela
Liberação somente acontece, ou certamente tem-se maior possibilidades
diligentes, com saúde plena.
Percebo a
possibilidade da difusão do Yoga nesta contemporaneidade, cujos benefícios,
conforme admitido acima, poderiam ser poderosíssimos para a sociedade
globalizada que se aculturou numa condicionalidade materialista. Esse caminho
seria extremamente propício para a consecução da nova utopia da humanidade a
ser lastreada sob a ética da sustentabilidade. Nesse cenário futuro, numa
solução normativa, poder-se-ia desenvolver a solidariedade em superação da
competição que sustenta o sistema capitalista. Isso já seria um bom indicador
que os venenos que camuflam o Ser nos corações de todos os seres estariam sendo
dissipados.
De plano
deve-se argumentar, em minha opinião, a perspectiva da tolerância e, sobretudo,
da comunhão entre as diversas trilhas, veredas ou caminhos espirituais. Todos
com boa fé levam ao divino. A adoção de seus mistérios e ensinamentos como
dogmas absolutos da verdade é que tornam os relacionamentos entre tais caminhos
com caráter conflituoso e até mesmo belicoso.
Assim,
defino Yoga como um caminho espiritual para o autoconhecimento, com a
desidentificação egóica frente ao Ser que já somos, que proporciona a liberdade
e a imortalidade, vale dizer, que realiza a Liberação e sua contraparte, qual
seja a superação do ciclo de morte e renascimento. No sentido dito acima,
respeitando a lógica cristã da ressurreição e o entendimento ateu de tudo se
encerra na materialidade, por exemplo.
Não. Não
creio que a tradição yóguica deva perder sua essência para propiciar ajuda aos
seres humanos passíveis de perceber sua filosofia espiritualizada e
espiritualizadora. Mas, como advogo acima, não deveremos perder a oportunidade
histórica de difundi-la em benefícios de todos os seres, mesmo que num primeiro
momento seja como meio para combater o stress e aumentar o bem-estar, ou seja,
conferir melhor qualidade de vida. Portanto, sua tradição deve ser cultuada e
reverenciada. Contrariamente à lógica materialista das academias, nas escolas
de Yoga seus professores responsáveis devem alimentar e incentivar as
discussões dos princípios filosóficos yóguicos, visando induzir abertamente dos
praticantes se tornarem buscadores, porém, a partir de suas próprias reflexões
e conclusões. Não me parece impossível que atletas de academia, que utilizem as
aulas de Yoga para, sob a necessidade do alongamento e até mesmo da função
aeróbica, ou ainda para mitigar as tensões do cotidiano, migrem para escolas de
Yoga e, nestas, passem a adotar e a praticar uma visão de mundo que permita uma
transformação no sentido de conquistarem a Liberação.
Ratifico
que entendo fundamentalmente o Yoga como uma espiritualidade, ou seja, um
caminho espiritual. Ainda que haja mistérios, como a lógica da reencarnação ou
transmigração, o processo de Liberação do ciclo de morte e renascimento,
conforme proposto por Patanjali, é algo bem palpável e quase científico. O
importante é que esse caminho, espiritual, gera não uma religião, mas uma
cultura, expressa numa ética yóguica. O conflito entre ressurreição e
reencarnação pode ser apenas aparente, ou duas faces de uma mesma moeda, na
medida em que o liberto em vida possa estar ressurgido junto ao Absoluto, ao
Conhecimento, ao Ser.
Penso que
existem vários fatores para o Yoga estar chamando a atenção para esta
modernidade. A globalização atual [observe-se que as caravelas que chegaram ao
Novo Mundo também cumpriram papel similar ao que as redes sociais cumprem
hoje], por exemplo, oportuniza que as culturas se mesclem. E nesse processo as
sociedades passam a tomar contato e a conhecer, e eventualmente adotar, as
visões de mundo [mitologia; cosmologia e pertinentes filosofias] de outros
lugares do planeta.
Num segundo
aspecto, talvez mais profundo, a sociedade mundial começa a se dar conta da
insustentabilidade do modo de pensar e agir, portanto, de viver, da civilização
dita ocidental [observe-se que o modo de produção e distribuição que lastreia
nossa ocidentalidade é hegemônico]. Nessa nova utopia, superada a disputa
política entre capitalismo e comunismo, e sua concernente guerra fria, talvez a
espiritualidade yóguica seja uma opção convergente com essa perspectiva
societária a ser erigida sob a égide da ética sustentável na medida em que
aborda claramente o princípio da impermanência das coisas e dos seres, enquanto
processo de evolução espiritual e, por conseguinte de Liberação.
Em ambos os
casos [da aceleração da globalização e do desenvolvimento sustentável] penso que
o Yoga poderá oferecer enormes benefícios para a humanidade, sem dúvida alguma
numa perspectiva de tolerância e comunhão entre as demais espiritualidades.
Penso que
há, neste início de milênio, uma ampliação de seguidores do Yoga no ocidente e
especialmente no Brasil, e, portanto, de buscadores da Liberação, que
potencializam seu verdadeiro aspecto, sagrado. Essa perspectiva multiplica os
efeitos demonstrações para a sociedade. Contudo, creio que não podemos
desprezar as possibilidades relativas aos meios, no caso presente nas academias
com abordagem de malhação e nas escolas de Yoga sob a lógica apenas do busca do
equilíbrio corpo & mente, para proporcionar bem-estar para os seres
humanos, como expectativas para um caminhar espiritual.
Minha
contribuição, para a mitigação desta realidade que se vive, deverá estar
vertida para a perspectiva que defendi acima, ao longo das argumentações
decorrentes de uma imaginária viagem no tempo de um yogue realizado e liberto.
Há uma interconexão entre as questões subliminares que as motivaram, qual seja,
conferir o lugar sagrado e poderoso do Yoga. Sempre que possível deverei estar
socializando para todos os seres que desejarem os benefícios do Yoga, a partir
do combate ao stress e do aumento o bem-estar para fins de melhor qualidade de
vida. Ao mesmo tempo, deverei estar cultuando e reverenciando sua tradição,
isto é, refletindo e contemplando sobre seus ensinamentos perenes. Simplesmente
porque a partir do acaso, como um latino americano, adotei o Yoga como um
caminho espiritual. Portanto, me tornei um buscador da Liberação sob a
filosofia que o Yoga oferece. Claro, que nessa perspectiva estarei processando
uma transformação pessoal, convergindo positivamente para mudar o mundo no
sentido de uma ética sustentável. Ao fim e ao cabo, estar-se-ia ratificando a busca
do Estado de União [Yoga] por meio de sua Ordem [Dharma] pertinente.
[1] Reflexão elaborada a partir das três tarefas propostas pelo
professor Pedro Kupfer, durante a realização do Módulo II, do Curso Livre de
Formação em Yoga, realizado em Mariscal entre 12 de setembro e 9 de outubro de
2011. A reflexão partiu de uma série de perguntas interconectadas e
interdependentes referentes à posição do Yoga para e no mundo moderno,
associando-a à sua história e ao seu futuro, inclusive, considerando sua
convivência com outras espiritualidades.
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