Autoconhecimento
versus Autodesenvolvimento: uma crítica em prol das amazonidades
É sabido
que apenas uma diminuta parte dos seres sencientes busca permanentemente saber o
que de fato são, de onde vieram e para aonde vão. E isso envolve saber o que se
deve realizar em vida e de que forma essa existência deve ser cumprida. Todo
esse processo poderia ser entendido de busca do autoconhecimento.
Essa não
percepção, em geral, decorre do fato de que nós trocamos o que é Real, no
sentido de que está além do tempo, pelo que é irreal, o qual é submetido à impermanência
de tudo e de todos. Aceitamos nossa identidade com o CPF e com o status que
conquistamos durante a existência, sem nos darmos conta de suas
transitoriedades. Metrificamos essa perspectiva na propriedade de bens móveis e
imóveis, na conquista de títulos e honrarias e no desfrute de status e poder.
A viagem
do autoconhecimento se opera numa espécie de involução, quando devemos procurar
zerar o produto das ações que realizamos no passado, presente e futuro.
Superada a ignorância quanto a uma Realidade Última, os frutos das ações passam
a ser vivenciadas sem apego e sem aversão. Nesse sentido, importa a essência da
existência, deslumbrando o que está por detrás das manifestações, sem descuidar
dos próprios fenômenos. Vale tanto a imanência quanto a transcendência. Vale a
totalidade subjetiva e objetivo do Universo.
Mas, atenção:
como apenas o Sujeito não pode ser destruído, é Nele que está contida a
Verdade. E o que isso tem a ver com o autodesenvolvimento? Tudo, se
estabelecermos links associados à criação e consolidação de condições objetivas
para o progresso técnico e industrial autossustentado.
Autodesenvolvimento
é uma categoria de análise que tento permanentemente elaborar para qualificar a
ZFM como Projeto, e, por conseguinte, como meio para o desenvolvimento
sustentável. Nesse cenário, o Projeto ZFM proporciona o crescimento econômico
associado à indústria de transformação que se processa em Manaus a quase meio século.
Nesse processo, a tônica é a da atração de investimentos, pelo que a maioria da
energia, senão toda, gasta na sistemática do marco regulatório geral está
envolvida como num fim em si mesmo.
Portanto,
qual quando estabelecemos a identidade com nosso ego, a inteligência e a consciência
tupiniquim estão focadas nas evidências positivas da ZFM, sem desafiar a
dependência de capital e de tecnologia que reproduz o crescimento industrial. É
muito fácil à indústria de transformação da ZFM permitir novos entrantes, sem
que haja o desgastante e custoso processo de inovação, que desbravam as
tendências tecnológicas. Basta cumprir o PPB!
Esse
modelo mental é tão fortemente limitado, que, mesmo após mais de quatro décadas
de operação, não conseguimos gerar uma só marca global como resultado de
conhecimento aplicado à indústria high
tech. Na realidade, esse modelo mental,
fácil para a atração de investimentos e frágil para a emergência de negócios, resta
ratificado com dois dos marcos regulatórios idealizados para a explotação do
chão amazônico.
Vejamos. O
primeiro vige desde a segunda metade da década dos anos 1970. Prevê a isenção
de IPI sobre produtos elaborados com insumos da floresta para firmas com
projetos industriais aprovados pela Suframa e estabelecidas na Amazônia
Ocidental.(1) Esta isenção tributária fica adicionada da geração de crédito
equivalente ao pagamento desse imposto calculado como se devido fosse, quando utilizados
na industrialização de outros produtos em qualquer ponto do território
nacional. Ou seja, além da isenção ainda gera crédito tributário!
Qual foi a
grande marca a nível global que o chão amazônico promoveu com essa baita ferramenta
de política industrial? Nenhuma! Ainda que possa ter beneficiado um conjunto de pequenas empresas, em especial as que exploram madeira, com tecnologia universal. Grandes perguntas, vertidas ao por que a
perspectiva da industrialização não se estabeleceu de forma próspera e
progressista, poderiam ter sido feitas, problematizando o cenário inerte quanto
à realização de amazonidades:
ü
Por
força da falta de empreendedorismo, de tecnologia/inovação e/ou de crédito?
ü
Por
força da falta de logística e de mercado?
ü
Por
falta de políticas e de regulamentações complementares?
Ao invés de se questionar e investigar, procurando sanar e superar as dificuldades e os obstáculos, adotou-se um novo marco regulatório que aponta para a atração de investimentos.(2) Isso é verdade porque nem mesmo o novo marco regulatório saiu do forno, neste final de 2015 e início de 2016, e já se flerta com a tradicional indústria de perfumaria francesa que utiliza, desde quase sempre, insumos da floresta para fins de se oferecer as novas isenções na Amazônia.
O novo marco, idealizado especificamente para as ALC’s, está estruturado na isenção de IPI para produtos finais fabricados com insumos da floresta. Seu maior mérito é organizar e unificar essa temática contida nas legislações de criação das ALC's. Apesar das diferenças entre ambos, podemos afirmar que são equivalentes quanto ao mérito da isenção tributária que se cristaliza mediante produção industrial.
O primeiro marco regulatório aponta para matérias-primas, produtos intermediários ou matérias de embalagem a serem aplicados numa nova industrialização. O segundo aponta para produtos finais a serem consumidos no mercado. Registre-se que uma aplicação não exclui a outra. Observe-se que os locais da nova legislação estão contidos no espaço maior da primeira, à exceção da ALCMS. A nova legislação perde quanto à agregação de crédito tributário, além de estabelecer condições de predominância de matérias-primas de origem regional. Em ambos, o mercado externo está restringido, o que não dá para entender. Talvez para ratificar o mercado interno vertido à sina da substituição de importações, via atração de investimentos. Mas, talvez, aí resida um erro crasso; não só quanto a perda da oportunidade, expressa por uma necessidade, de gerar produtos dinâmicos, quanto pelo fato de amazonidades apontar para produtos inovadores.
O que queremos destacar é a possibilidade do segundo marco regulatório, cujo nome-fantasia reforça a memória das contradições internas do marco regulatório mor, dar com os burros n’água frente à perspectiva do autodesenvolvimento, na medida em que os entraves relativos ao insucesso do primeiro não terem sido superados, nem mesmo problematizados. Da mesma forma que só conseguimos avançar na busca do autoconhecimento quando passamos a observar e ajustar à Ordem Cósmica, expressa pelo Dharma, os nossos pensamentos, palavras e ações, o autodesenvolvimento resta comprometido se não promovemos internamente a emergência e a expansão de firmas locais para acumular lucros e para apropriar conhecimentos associados à indústria da transformação, considerando a lógica do sistema capitalista. Assim como as casas, conta corrente e carros não nos pertencem em definitivo, as marcas globais instaladas na ZFM e no chão amazônico são apenas nossas parceiras no processo de industrialização, no qual devemos nos posicionar como agentes de transformação e não somente como atores que reproduzem scripts e papéis.
Entre esses marcos, ainda temos o marco regulatório direcionado à bioeconomia, sob a perspectiva do cumprimento do PPB, aplicável na ZFM, que deverá dar maiores frutos junto à lógica da atração de investimentos, conforme notícias relativas à aprovação de projetos industriais de marcas não locais, ainda que nacionais.(3) Isso ratifica que continuamos carentes quanto ao estabelecimento de um motor próprio para alavancar e potencializar uma indústria de transformação que realize amazonidades, tanto no chão amazônico, quanto na ZFM, que devem ser entendidas como a realização no mercado de produtos fabricados com insumos e saberes da floresta.
Continuaremos, nesse passo e pisada, não tendo marcas globais, não registrando patentes e não acumulando royalties, distantes que estamos da fronteira tecnológica e mesmo de uma acumulação primitiva de capital industrial, cujas posses provisórias são indispensáveis para o uso e ocupação soberana da Amazônia por amazônidas via amazonidades. Sem xenofobismo, mas com autonomia, visando a própria realização industrial e tecnológica. À propósito, a aplicação de incentivos fiscais, para a realização de amazonidades, deveria ser desobrigada de cumprimento de PPB em todo chão amazônico. Especialmente toda aquela realizada com capital e tecnologia amazônidas! Idealmente toda aquela derivada da transformação de conhecimento em negócios!
A busca da
liberdade e da imortalidade, possível de ser conquistada com o autoconhecimento,
é longa e dura. A trajetória industrial que poderá conferir liberdade política
e independência econômica para a Amazônia também é longa e dura. Mas nunca
poderá ser trilhado e atravessado o desafio se não nos dermos conta da
necessidade de termos capital e tecnologia endógenas. Nossa inteligência usa o
nosso ego para focar na quantidade e mesmo a qualidade do produto ZFM ao invés de utilizar nossa
consciência para questionar a natureza intrínseca do produto ZFM. Devemos ser o sujeito, e
o objeto, de nossa indústria de transformação!
(1) Decreto-Lei 1.435/1975.
(2) Decreto 6.614/2008; Decreto 8.597/2015; Resolução 01/2016/CAS.
(3) Portaria Interministerial 842/2007.
(1) Decreto-Lei 1.435/1975.
(2) Decreto 6.614/2008; Decreto 8.597/2015; Resolução 01/2016/CAS.
(3) Portaria Interministerial 842/2007.
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