Contexto introdutório
A ideia é
contraditar de forma complementar a perspectiva da atração de investimentos.
Nessa dimensão, entende-se que o desenvolvimento se dá de forma equilibrada com
essas duas funções, a consubstanciar a indústria de transformação: atração +
criação; criação + atração, consolidando as estruturas industriais. O foco,
portanto, é o processo de industrialização de Manaus, extensivo a todo local do chão amazônico.
O PIM tem
cerca de 600 (seiscentas) empresas incentivadas, cujo produto é maior do que
muitos PIB de pequenos países. Em geral, é reconhecido pelas marcas
internacionais que se estabelecem por forças das vantagens comparativas, aqui
entendidas vantagens competitivas estáticas, oferecidas pelo Projeto ZFM.
Trata-se de um mecanismo já bem fortalecido que opera a quase 50 (cinquenta)
anos e com sobrevida até 2074, quando chegará ao final do seu atual prazo de
vigência constitucional.
Apesar
dessa potência industrial, Manaus não foi capaz de criar firmas que pudessem
competir e concorrer em nível de faturamento e geração de trabalho e de renda,
para reduzir a dependência do seu processo de industrialização ao capital e
tecnologia atraída. Muitos podem ter sido os motivos, que podem estar
explícitos ou implícitos na forma política com que seu capital social teve ou
não teve competência estratégica de reconfigurar a natureza do produto gerado
pelo PIM, em particular frente à pujança e independência de suas marcas
tecnológicas e liderança empresarial.
Não
importa a desculpa ou a justificativa. Importa mais observar e testemunhar que
Manaus deixa de adotar a ZFM, na vertente industrial, como plataforma de
criação de uma estrutura empresarial local, com estratégia própria, atuando de
forma global.
Então, o
objetivo desta reflexão − Da criação de firmas − é rivalizar em termos de
políticas públicas com o marco regulatório da ZFM, visando construir um segundo
pilar, um segundo vetor que complemente o processo de industrialização
manauara. E, para tanto, é necessário destacar a dimensão patrimonial em duas
grandes ambiências: a endógena e a exógena, pois diferentes são os mecanismos e
ferramentas de política industrial e tecnológica que se deve implantar para
consolidar firmas, tanto atraídas, quanto especialmente criadas.
Do tratamento endógeno
A despeito
da ausência de cultura capitalista tupiniquim, ainda que haja muitos investimentos com tecnologia universal acontecendo, e mesmo de ponta como os que decorrem do laboratório de TI da Ufam, que adote a busca do progresso
técnico como evolução de sua plataforma industrial, mecanismos e ferramentas de
política industrial e tecnológica podem e devem ser desenhados, implantadas,
avaliadas, reformuladas e mantidas de tal sorte que Manaus consolide e
potencialize o processo de industrialização que a ZFM oferece. A tática e o
segredo para o desenho da estratégia é perceber e entender que o progresso
técnico, via indústria de transformação, parte do equilíbrio entre oferta e
demanda tecnológica. No equilíbrio, estão postas as condições favoráveis para a
configuração de uma ambiência onde impere o empreendedorismo, a inovação e o
crédito. Esses três vetores, claro, promovidos e incentivados perenemente,
enquanto perdurar a lógica capitalista da acumulação de lucros e apropriação de
conhecimento.
O primeiro
pincel para o desenho de uma política industrial e tecnológica de longo prazo é
levantar e manter um amplo diagnóstico das firmas com capital e tecnologia
local em todos os setores possíveis da economia, especialmente ativos os
setores que convirjam para a bioeconomia, notadamente a biotecnologia. Esse
diagnóstico seria tanto quantitativo quanto qualitativo. Ou seja, além do
número, o levantamento registraria competências e habilidades, carências e
necessidades de cada seguimento em termos industriais e tecnológicos. Esse levantamento
não seria trivial, mas certamente fundamental para ao todo o resto.
O segundo
pincel é caracterizar cada setor frente à oferta tecnológica disponível e à
demanda diagnosticada. Em geral, acredita-se que, pela inexistência de tradição
industrial, combinada com a sina histórica da atração de investimentos, e considerando
os laboratórios e centros de P+D existentes, deverá prevalecer na maioria dos
setores maior oferta do que demanda tecnológica. Mas não será difícil
identificar algum setor que, embora estabelecido, esteja travado em termos de
melhorias e inovações, incrementais e transformadoras.
A oferta
tecnológica maior do que a demanda correlata pode estar moldada pelas dezenas, dezenas
de centenas, talvez milhares de dissertações e teses, de investigações lavadas
a termo por grupos de pesquisa dos laboratórios e centros de P+D locais cujo
destino final não é o mercado, mas as prateleiras das bibliotecas das
faculdades e institutos de tecnologia. Já o inverso pode ser sinal da própria
falta de empreendedorismo inovador, que impulsione e potencialize produtos e
mercados dinâmicos. Admite-se que muitas idealizações tenham até mesmo sido
testadas em laboratórios, desde seus protótipos. É essa deficiência, de
transformar conhecimento em negócios, que deve ser superada como base
fundamental do processo de criação de firmas. Esse processo não é de curto ou
médio prazo. Nem mesmo de longo prazo. Mas sim de longuíssimo prazo, que se
estabelecerá secularmente enquanto cultura em decorrência de uma política de
Estado, instituto que alberga o capital, em sinergia com a adaptação do DNA social
do chão amazônico ao risco associado ao progresso técnico aplicável à indústria
de transformação.
O terceiro
pincel seria o dimensionamento de um conjunto de planos de negócios que
oportunizassem a retirada das dissertações, teses e investigações das
prateleiras, visando a lançar produtos com base em insumos e saberes da
floresta – aqui entendidos como amazonidades
– no mercado. Esse processo seria continuadamente mantido e alavancado e avaliado
até que se tornasse culturalmente forte e predominante, como dito acima.
Crédito disponível permeando todos os locais do chão amazônico seria a fonte
permanente para seus lançamentos no mercado, nutridos de forma também
permanente pela busca de melhorias e inovações incrementais. Poder-se-ia
idealizar um programa robusto de geração de start up’s!
Já o
quarto pincel constituiria na aplicação de mecanismos e ferramentas práticas,
no sentido temporal, isto é, temporários e renováveis, como a adoção do poder
de compra combinado com a proteção de mercado com barreiras fiscais
estabelecidas pelo Estado. Outros mecanismos e outras ferramentas deverão ser
aplicadas conforme necessidade e carência especificas de cada setor da economia,
onde se incluem os incentivos fiscais. Mas deverá haver uma dinâmica industrial
e tecnológica permanente que sobreviva às cores partidárias dos vários governos
que se sucedem, vertida e convergente com o desafio histórico de se construir
uma cultura empresarial com cunho e estratégia própria. Verdadeiramente um
capitalismo amazônico![2]
Do tratamento exógeno
Aqui as
condições objetivas, industrial e tecnologicamente falando, se invertem
completamente. É importante, nesse sentido, o capital social de Manaus ter
consciência de que a simetria e conformidade entre o chão de fábrica, associado
aos pacotes tecnológicos atraídos com os investimentos produtivos, tem muito
pouco ou mesmo nenhuma conexão e integração com os laboratórios e centros de
pesquisa locais. Essa limitação constitui um grande obstáculo à agregação de
valor via melhorias e inovações de processo e, especialmente, de produto.
Constitui, portanto, uma demanda tecnológica elevada frente à frágil oferta
tecnológica.
Também
aqui pouco importa as justificativas atribuídas à essa limitação, todavia,
fundamentalmente computada à natureza intrínseca e contradições internas do
Projeto ZFM, notadamente quanto à exigência essencial para o gozo dos incentivos
fiscais vantagens competitivas estáticas , que é o cumprimento do PPB. Ou
seja, o simples ajustamento do projeto industrial e tecnológico às condições
mínimas de fabricação permite a operação de plantas industriais ao longo do
tempo que conferem saltos e inovações incrementais e transformadoras sem que
haja qualquer esforço local de P+D. Exemplos: passagem tecnológica da TV em
preto & branco para colorida; substituição do tubo catódico para a
tecnologia de plasma e correlatas; incorporação das transformações tecnológicas
em aparelhos de telefonia móvel; etc. etc.
Entende-se
que essa condicionalidade dependente pode ser alterada com uma postura arrojada
do empresariado local junto com a elite governamental via políticas públicas convergentes
à busca do desenvolvimento industrial e tecnológico autossustentado. A ideia é
passar a sugerir, oferecer, ou mesmo exigir minimamente numa proporção de 1:3,
que na aprovação de projetos industriais, parcerias estratégicas sejam formadas
em termos de joint-ventures. Em paralelo, que haja um plano ousado de compra e
aquisição, fusões e/ou incorporações de plantas industriais por parte do
empresariado local com financiamento oficial em formatação adaptada ao processo
de melhorias e inovação. Sem descuidar das possibilidades da criação de um
programa de promoção de spin off’s que seja desafiador e multiplicador!
Nesse amplo
programa de consolidação da estrutura estratégica da dimensão patrimonial local-nacional,
e mesmo estrangeira, junto à tendência tecnológica high tech, deve-se explorar
as técnicas utilizadas por economias que se aproximaram da fronteira
tecnológica via processos de atração de investimentos combinada com a
transferência de tecnologia que são: a engenharia reversa e a engenharia
reversa ampliada. Em paralelo, claro, um robusto programa de formação de
capital humano técnico e especializado nas engenharias e disciplinas afins, que
consubstanciariam o capital intelectual das firmas privadas, organizações
públicas e laboratórios e centros de pesquisa em prol da condição
autossustentada junto ao desafio de construção de um capitalismo amazônico
lastreado por amazonidades, bem como
da consolidação, de forma enraizada, das firmas atraídas e incentivadas.
De linhas de ações
A Suframa,
responsável pela administração do Projeto ZFM, tem idealizado estratégias e
táticas que visam a não só a atração e consolidação de investimentos, mas
inclusive a criação de negócios locais e mesmo regionais. Sob a batuta da
égide sustentável, adicionou à sua missão o apoio necessário à educação, à
ciência, à tecnologia e à inovação, de tal sorte a tornar a economia de Manaus
e do chão amazônico competitiva. Não obstante, ao não distinguir claramente,
ainda que esteja colocado subliminarmente, mecanismos e ferramentas de
políticas industrial e tecnológica que visam alvos distintos sob a ótica da
dimensão patrimonial, peca, ao nosso ver, por não destacar e sublinhar
necessidades e carências diferenciadas desde a perspectiva da oferta e da
demanda tecnológica.
Essa
postura, contudo, implicaria em enfrentar com clareza e visibilidade o desafio
histórico de consolidar o processo de industrialização de Manaus e arredores,
forjando uma estrutura empresarial com estratégia própria. Admite-se que esse
entendimento seja politicamente incorreto e inadequado, até porque o discurso
e, sobretudo, a prática são construídos sob a estreita vigilância de interesses
explícitos pela manutenção do status quo. Vale dizer, pela irredutibilidade da
permanência perene das vantagens comparativas ou competitivas estáticas a
beneficiar e a priorizar a lógica da atração de investimentos. Por pressuposto, a conquista de uma ambiência que libere e nutra vantagens competitivas dinâmicas aponta para a adoção de incentivos fiscais de forma temporária e localizada.
Ainda
assim, poderíamos realçar algumas linhas de ações que convergem para a
construção de um capitalismo amazônico contidas nas linhas estratégicas
tecnologia e inovação, capital intelectual e empreendedorismo e desenvolvimento
produtivo, admitindo o diagnóstico de competências e habilidades, carências e
necessidades de cada setor nas mãos do capital social de Manaus:
1.
Apoio
à realização sistemática de plataformas tecnológicas;
Essa
tática é considerada de extrema importância para a busca do equilíbrio entre
oferta e demanda tecnológica. E teria aplicabilidade tanto para a comunidade
endógena quanto para a exógena. Trata-se de um mecanismo que visa o desenho de
projetos de P+D assinados, chancelados e financiados pela tríade governo-academia-indústria;
2.
Incentivo
ao empreendedorismo científico-tecnológico;
Não
se tem como construir um capitalismo amazônico sem a promoção contínua e
especializada do empreendedorismo.
3.
Articulação
para a integração entre a academia e empresa, visando a inovação via criação ou
aprimoramento de produtos e processos;
Tática aplicável tanto para a alavancagem de start up’s quanto de spin off’s,
sem falar nas possibilidades para implementar melhorias e inovações no chão de
fábrica incentivado, empresas incubadas e firmais locais.
4.
Apoio
à manutenção e ampliação dos sistemas local e regional de incubadoras;
Seria fundamental agregar à essa tática, novos conceitos como aceleração de
negócios.
5.
Incentivo
e estímulo às empresas de base tecnológica;
Há
uma conexão lógica entre o empreendedorismo inovador, aceleração de negócios e
incubação de empresas com essa tática no sentido de suas emancipações no
mercado;
6.
Estímulo
ou apoio à oferta de cursos de empreendedorismo a partir de instituições de
ensino ou em parceria com outras entidades públicas ou privadas;
A
ideia é oportunizar a todo graduando a elaboração de um plano de negócios para
viabilizar economicamente um produto desenvolvido nos laboratórios e centros de
pesquisa locais.
7.
Apoio
à oferta de suporte técnico para a geração de planos de negócios e disseminação
de práticas de gestão e de capacitação de recursos humanos;
Essa
tática se associa com todas as linhas de ações vertidas ao empreendedorismo. Idealmente,
toda graduação deveria exigir um Plano de Negócios, além de uma Monografia,
para colocação de grau.
8.
Apoio
a disseminação de redes de conhecimento e aprendizado;
Um
dos pressupostos básicos de consolidação de um sistema local de inovação é a
sinergia positiva entre confiança, cooperação e aprendizado dos agentes
econômicos.
9.
Apoio
a iniciativas que visem o desenvolvimento sustentável para o aproveitamento de
potencialidades regionais e oportunidades de negócios na forma de
amazonidades , inclusive ALC’s, Distrito Agropecuário da Suframa e Arranjos
Produtivos Locais;
Essa
tática visa incrementar, no sentido de tornar real, o marco regulatório de
incentivo à industrialização no chão amazônico da década de setenta do século
passado, que foi recentemente reformado complementarmente num outro regramento
aplicável tão somente às ALC’s. Converge positivamente para a ação emergencial denominada
“Potencializar o processo de industrialização das ALC’s com base em insumos
regionais na lógica do desenvolvimento sustentável”.
10.
Articulação
com os setores público e privado para a captação de recursos financeiros para o
setor produtivo da área de jurisdição da Suframa;
Essa
tática tem convergência com o vetor crédito da trilogia virtuosa do
capitalismo, junto com o empreendedorismo e a inovação. Estabelece forte
vínculo, ainda, com a ação emergencial intitulada “Estudar a viabilidade de
constituição de um Fundo de Investimentos, a partir da TSA, visando a
consolidar a competência institucional de agência de desenvolvimento”.
A fonte
dessas linhas de ações, dessas táticas é o Plano Estratégico da Suframa
aprovado pelo CAS em 2010. As três áreas estratégicas aqui selecionadas para
priorizar a construção de um capitalismo amazônico oferecem 37 linhas de ações,
portanto, fizemos uma seleção representando 27%. Ao todo, o Plano Estratégica
alinha 84 táticas, distribuídas nas oito áreas estratégicas (desenvolvimento
organizacional, 10; gestão de incentivos fiscais, 7; logística, 10; tecnologia
e inovação, 14; atração de investimentos, 9; inserção internacional, 11;
capital intelectual e empreendedorismo, 9; e, desenvolvimento produtivo, 14). É
muita ousadia! O seu conjunto representa um verdadeiro desafio histórico!
Considerações Finais
Nem se a
Suframa fosse política e financeiramente forte, como nos velhos tempos, conseguiria
executar sozinha as 10 linhas de ações selecionadas, muito menos a sua
totalidade alinhada junto às áreas estratégicas. Parcerias institucionais e
acordos financeiros seriam necessários para implementar minimamente as táticas,
em termos de metas, prazos e cronogramas, que vertem, na nossa opinião, para a
trilogia virtuosa do capitalismo: empreendedorismo, crédito e inovação.
Aplicável às amazonidades, por certo e claro. E, sobretudo, vontade política e
empreendedorismo institucional. Sem falar que outras visões estratégicas devem
ser acionadas e complementadas, coordenadas e sistematizadas pela interação
governo-academia-indústria. Tudo amalgamado por um "Sistema de inteligência competitiva
sistêmica", entendido no Plano Estratégico da Suframa como um fator crítico de
sucesso.
A década
2003-2012 proporcionou a emergência do Sistema Manaus de Inovação. Desde então, iniciativas
e feitos para alavancar o empreendedorismo tem sido itens constante da agenda
política. O crédito precisa entrar definitivamente na lógica do risco associado
ao sistema capitalista e vertido ao progresso técnico. A superação da dependência aos investimentos produtivos
e pacotes tecnológicos exógenos não poderá ser conquistada em uma década, mas
talvez seja possível em um século, caso esforços sejam encetados e empreendidos
desde aqui e agora. Superar não significa negar, mas ir além.
Insta
registrar que apesar de se transitar por mecanismos e ferramentas de política
industrial e tecnológica visando a consolidação de firmas existentes e
instaladas, tanto de capital local quanto estrangeiro, a prioridade é pela
criação de novas firmas, privilegiando o título da reflexão. Tudo na vida é
opção e decisão. Que haja um capitalismo amazônico num futuro desejado, que
proporcione melhor liberdade política e maior independência econômica no chão
amazônico! Entende-se, nesse contexto, que a atração de investimentos
representa uma política pública consolidada.
[1] Da lavra de Antônio José Botelho,
enquanto “Carta aberta” aos Engenheiros da Turma de 1978 da Ufam.
[2] Termo
hiperbólico, entendido como uma categoria de análise, criado pelo autor para
acomodar outros conceitos, quais: growing
up e economia de enclave industrial,
que participam de outras reflexões e que objetivam motivar e desafiar o capital
social de Manaus a superar a dependência do Projeto ZFM. A ideia da
construção de um capitalismo amazônico é o cerne do Pequeno Ensaio em prol de um Capitalismo Amazônico a partir de Manaus,
publicado em 2011 pela Editora Caminha em Manaus e em 2012 pelo sistema iTunes
na rede mundial de computadores.